quarta-feira, 7 de julho de 2010

longas brasileiros em 2010 (154)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

154 - Tenda dos Milagres (1977), de Nelson Pereira dos Santos **1/2

O cinema de Nelson Pereira dos Santos está intimamente ligado à alta literatura brasileira - Graciliano Ramos, Machado de Assis, Jorge Amado, João Guimarães Rosa. Mas se com Graciliano atinge a genialidade - Vidas Secas (1963), e Memórias do Cárcere (1984), com os demais alcança resultados grandes ou pequenos, mas nunca no patamar de suas adaptações do escritor alagoano. Como nesse Tenda dos Milagres, adaptado de romance homônimo de Jorge Amado, o autor mais presente no imaginário popular brasileiro. Tenda dos Milagres é um filme desconcertante, tem alma de negritude, que exala em cada fotograma - fotografia do GRANDE Hélio Silva - mas é um tanto atravancado em sua narrativa. Paradoxalmente, isso dá até um certo charme involuntário ao filme, mas ainda assim não deixa de causar estranhamento, já que Jorge Amado é o mestre da narrativa - e aqui ainda participa da produção na adaptação e nos diálogos ao lado de Santos. As duas ações presentes na narrativa não funcionam muito bem na tela, principalmente com o decorrer da história. De um lado temos Pedro Archanjo - Jards Macalé na juventude e Juarez Paraíso na maturidade, bedel de uma faculdade de medicina que horroriza a comunidade acadêmica no início do século XX com sua defesa da mestiçagem como caminho inexorável do Brasil. De outro temos, em tempo atual, a chegada de um antropólogo americano e prêmio Nobel á Bahia, esnobando os intelectuais e proclamando que quer, antes de tudo, conhecer a terra de Pedro Archanjo, trocando os salões pelos terreiros de candomblé. Essa atitude faz estremecer a corte e a imprensa, que correm contra o tempo para procurar saber quem foi Archanjo. Entre eles, um poeta - Hugo Carvana, que está fazendo um filme sobre o ilustre personagem, uma socióloga - Anecy Rocha, e uma aspirante à atriz - Sônia Dias; é curioso e inesperado o cartaz de Amadas e Violentadas (1976), o belo filme de Jean Garret com David Cardoso, exposto na parede da casa onde Carvana está montando seu filme. O universo do candomblé, da capoeira, do samba de roda, e outros elementos da cultura negra são trazidos à boca de cena por Nelson Pereira dos Santos, nesse filme que inaugura uma fase de cinema popular em sua trajetória - O Amuleto de Ogum (1974), Estrada da Vida (1979/81), depois da fase experimental e de Paraty - Fome de Amor (1968), Azyllo Muito Louco (1969/71), Quem É Beta? (1972/73). Nelson focaliza esse universo da cultura negra com respeito, apreço e afeto, de uma forma nem sempre muito vista em outros filmes que abordam o tema e que, muitas vezes, adotam uma estética exótica e estrangeira demais. Mas nessa fase de Nelson, os melhores resultados estão, sobretudo, em O Amuleto de Ogum. Tenda dos Milagres recebeu vários prêmios - Air France de Melhor Filme; Melhor Filme, Diretor, Atriz Coadjuvante (Sônia Dias), e Melhor Trilha Sonora (Jards Macalé e Gilberto Gil) no X Festival de Brasília. Destaque para a abertura ao som da belíssima, contagiante e apropriadíssima canção de Gilberto Gil, Babá Alapalá.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

terça-feira, 6 de julho de 2010

longas brasileiros em 2010 (153)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

153 - Como Nos Livrar do Saco (1973) , de César Ladeira +

Como já foi dito aqui mais de uma vez, o cinema brasileiro da década de 1970 é mesmo surpreendente. Tanto pela diversidade de produções - nada a ver com o, muitas vezes, anódino Cinema da Retomada travestido de diversidade - como também por filmes que ficaram invisíveis e estão aí para serem redescobertos. Agora, é fato também que nesse baú as surpresas podem ser ótimas como também verdadeiros abacaxis, como essa comédia de entrecho policial Como Nos Livrar do Saco. Com argumento de César Ladeira e Marcos Farias, e roteiro de Ladeira, não se entende muito o que se queria com esse filme, pois divertir é, definitivamente, algo que ele não consegue - algo semelhante com o lado pior de Mozael Silveira, que quando afunda o pé, valha-nos Deus. O filme tem um bom elenco - Claudio Cavalcanti, Sandra Barsotti, Mara Rúbia e Cecil Thiré, usa o histrionismo de Amândio Silva Filho, e a pinta de galã meio canastra de Olandivo. Mas nada dá muito certo nessa empreitada, que gasta boa parte do filme para enaltecer as forças armadas do Piauí, onde foi rodado, com direito a personagens na trama e parada militar nos créditos finais. Quem faz essa ponte com a polícia militar local é o personagem trapalhão de Amândio, o soldado Heronides, que terá papel fundamental na solução da trama. Trama? Bom, a trama, como o nome indica, envolve as correrias de Cavalcanti e Olandivo para se livrar do cadáver de Barsotti, que os dois escondem em um saco, sem entender direito como ela bateu as botas. Isso depois dela ter sido, aparentemente, envenenada - fato que eles desconhecem - por duas hóspedes que a gente não sabe quem são, em um hotel onde ela se hospedou com o amante Cavalcanti depois que Thiré, o marido, viajou a negócios. Olandivo, um professor aloprado de filosofia, vem ajudar o amigo, e começam aí as confusões, que envolve ainda Mara Rúbia, a camareira-chefe do hotel. Para completar, tem ainda um outro corpo zanzando para complicar ainda mais a situação. Nesse rocambole, a única salvação da lavoura acaba sendo a boa, e rara, presença da cantora Maria Aparecida defendendo a música Boa Noite em uma feira. A fotografia do filme é de Jorge Monclair, primeiro marido da musa Sandra Barsotti, que ela conheceu nessas filmagens - conforme conta para Andre Ormond em entrevista ao essencial blog Estranho Encontro.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

segunda-feira, 5 de julho de 2010

longas brasileiros em 2010 (152)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

152 - A Mulher Invisível (2009), de Cláudio Torres *

Ok, nenhum tema deve ser mesmo proibido para o cinema. E mais, ele, o tema, pode vir tanto em roupagem como drama, comédia, sátira, farsa etc., mesmo sendo dos mais cabeludos até os mais complexos. Como a esquizofrenia, que foi focada em sua totalidade no drama americano Uma Mente Brilhante (2001), de Ron Howard, e está também nessa comédia brasileira A Mulher Invisível, de Cláudio Torres. Afora as diferenças de propostas e resultados, o que distingue um de outro é que no primeiro a psicose é assumida e no segundo não. Já que a psicose de Selton Mello encarnada por Luana Piovani é apresentada muito mais como um delírio para provocar graça - daí não se discute tanto a psicose no sujeito e mais as consequências engraçadas provocadas por essa psicose - o que não deixa de ser uma licença para lá de poética. Mas também ok, o cinema não tem que estar subordinado ao politicamente correto, ainda que na vida real, em alguns casos, por mais que alguns esconjurem, seja necessário - pois uma criança, por exemplo, jamais se prostitui, daí a indecência de se falar em prostituição infantil e não em exploração infantil. Em A Mulher Invisível Selton Mello é um controlador de trânsito que entra em depressão depois que Maria Luisa Mendonça, a esposa, o abandona por outro. Tudo muda no dia em que Luana Piovani bate à sua porta pedindo uma xícara de açúcar e a paixão recíproca se instala avassaladoramente. Selton sai debaixo das cobertas e desfila com a beldade por lugares públicos e em momento algum percebe o espanto de todos, como do amigo Vladimir Brichta, e nem os suspiros da vizinha Maria Manuella. É chover no molhado falar do talento de Selton, que pode ir longe tanto no drama - Lavoura Arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho- como na comédia - O Auto da Compadecida (2000), de Guel Arraes. Mas especificamente na comédia é quando ele quer se tornar engraçado que as coisas desandam. Sua verve é genuína e ele não precisaria fazer força nunca para isso - a ótima série de TV, Os Aspones, é exemplo disso. Mas ainda assim algumas vezes ele cai nessa cilada, como nesse Mulher Invisível quando abusa dos carões e, sobretudo, quando eleva a voz em alguns diálogos. Algumas cenas são engraçadas? São, sim senhor, como a da discoteca, a do cinema, e, mais que todas, a da visita de Lucio Mauro, o governador, na firma em que trabalha. Mas ainda assim é muito pouco pelo que se busca - ainda, claro, que grande parte do público que lotou os cinemas não ache isso. Luana Piovani tem cara de cinema, e se já se mostrara deslumbrante em O Homem que Copiava (2003), de Jorge Furtado, aqui está ainda mais linda do que nunca e completamente adequada à sua personagem. Outro grande destaque é Maria Manuella, atriz em ascensão nas telas e que precisa ser mais comentada. E por fim tem Fernanda Torres, que é sempre ótima, mesmo quando faz o mais do mesmo.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

domingo, 4 de julho de 2010

longas brasileiros em 2010 (151)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

151 - Mangue Negro (2008), de Rodrigo Aragão *****

Fazer do mangue e da rudimentar caça aos caranguejos - que depois serão martelados e sugados por turistas bronzeados nas praias brasileiras - geografia para o terror é, já para início de conversa, um grande achado. Pois ver homens e mulheres enlameados até o pescoço e enfiando o braço inteiro na lama para catar os cujos já é por si só imagem desconcertante e cheia de possibilidades. Daí, quando esse artesanal meio de vida vira o mais terrível pesadelo, a gente busca na memória esse desconforto primeiro e pronto, a cama já está feita para nos assustarmos e acompanharmos com os sentidos atentos o talento de cabo a rabo desse surpreendente Mangue negro, de Rodrigo Aragão. A cinefilia do terror ampliou com as possibilidades do vídeo, depois o DVD e, sobretudo, pelos filmes compartilhados na net e mostras específicas. Porque no cinema mesmo, durante um bom tempo para o grande público, ainda que aparecessem sempre ofertas interessantes ou não, vigorou um terror mais industrial e de longo alcance - isso falando da década de 1980 para cá. E para essa geração 80, o modelo máximo de terror nas telas foi os bacanas A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 - precedidos por Halloween, do final dos anos 70. O contraponto vinha com outros filmes inventivos e ótimos como A Volta dos Mortos Vivos e A Morte do Demônio. Para quem acompanhou os filmes de Freddy Krueger e Jason, a gente já sabia de antemão que todos aqueles jovens que estavam ali eram para servir de alvo de machadadas, garras e outros materiais afiados. Daí, o susto suspenso era aguardar o momento fatal. Com Mangue Negro, que se diferencia completamente desses dois exemplos - e eles estão aqui só para contrapor um modelo com outro - dá-se o inverso. A gente acredita piamente naqueles personagens, torce por eles, jamais os vemos simplesmente como bucha de canhão. E paira, acima de tudo, que aqueles zumbis canibais são o horror que eles terão que enfrentar, sucumbindo ou não, e que são tão reais quanto eles. Mangue Negro assusta, e assusta muito, exatamente porque torcemos por aqueles personagens. E também porque vemos naqueles zumbis não apenas cadáveres se locomovendo em busca de carne, mas pessoas que um dia também estiveram do outro lado - e as tranformações imediatas de personagens em zumbis, como a do pescador reforça isso ainda mais. Só que isso tudo poderia ficar apenas na esfera do interessante se não fosse o domínio de cena de Rodrigo Aragão - entendimento de espaço, planos inventivos, cortes asfixiantes, elipses inteligentes. Mangue Negro conta a história de uma aldeia de pescadores em que seus poucos moradores vivem, sobretudo, da coleta de carangueijos no manguezal para revenda. Mas se outrora o local era rico em oferta, agora se transformou em lamaçal fétido, estéril e amaldiçoado. E para aqueles que ainda insistem em tirar dali seu sustento, o mangue os aguarda com ameaças fatais. Em meio a tudo isso, acompanhamos a possibilidade de uma relação amorosa entre Walderrama do Santos e Kika de Oliveira em meio ao caos e a luta pela sobrevivência. Mangue Negro é um filmaço em seu gênero, assusta, caçoa - homens interpretando mulheres, André Lobo como a ótima preta velha e Maurício Ribeiro como a mãe cega - e diverte. Uma produção independente do Espírito Santo feita com a cara e a coragem e a dar lições em muitos que estão por aí fazendo pouco cinema e torrando muito dinheiro alheio.

ADENDO
Pesquisando agora sobre Rodrigo Aragão, descobri que já trabalhei em um projeto dele, Mausoléu, quando esteve em BH e eu trabalhava em uma empresa de assessoria de imprensa, CL. Como meus contatos eram com as produtoras, não me lembrava dele de jeito nenhum.


Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (131)



Bibi Andersson.





Nu!!!

sábado, 3 de julho de 2010

tomou papudo


Vez ou outra dou uma passeada nos arquivos antigos do Insensatez.

E só hoje, um ano depois, vi um comentário do Pedro Asberg, montador e produtor do Cidadão Boilesen, do Chaim Litewski.

Ele faz duas correções na minha cobertura do filme deles na Cineop de 2009, e me dá uma alfinetada.

Respondi lá para ele e publico o link aqui novamente para quem se interessar ver a correção, que é importante, e também a alfinetada que ele me deu.


http://minhainsensatez.blogspot.com/2009/06/ultimo-dia-na-4-cineop.html


longas brasileiros em 2010 (150)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

150 - As Cartas Psicografas por Chico Xavier (2010), de Cristiana Grumbach ***1/2

As Cartas Psicografadas por Chico Xavier tem direção de Cristiana Grumbach, cineasta que tem trajetória próxima à Eduardo Coutinho, de quem foi assistente de direção em muitos filmes - Babilônia 2000 (2000), Edifício Master ( (2002), Peões (2004), Jogo de Cena (2007). O documentário aborda nove famílias, sempre com o foco em pais que perderam filhos - mãe ou mãe e pai - e foram procurar respostas e conforto no médium Chico Xavier. Diz o senso comum que perder um filho é a dor capital, e o pranto dessas famílias mesmo 10, 20, 30 anos depois da perda parece referendar o dito. Cristina Grumbach, de certa forma e ainda que diferente, dá continuidade ao recorte de seu filme anterior, o belo Morro da Conceição (2006) - e As Cartas só não leva quatro estrelas porque Morro se destaca mais. Se nele dá-se a busca pela memória daquele local histórico do Rio de Janeiro a partir dos relatos e sentimento de nostalgia de moradores anciãos, aqui essa memória se instaura sobretudo pelo sentimento de dor e pela história de cada um. Lá o que o tempo de outrora deixou em cada um deles, aqui a lacuna e, ao mesmo tempo, eterna presença - sobretudo pelas cartas - daqueles que se foram para aqueles que ficaram. Em As Cartas Psicografadas por Chico Xavier a diretora fez um filme de proposta corajosa. Não há recursos melodramáticos, não há música grandiloqüente e nem abuso no uso de fotos dos mortos. Quase sempre a câmera está parada com foco nos entrevistados. Aparentemente, dar voz à dor daquelas pessoas parece ser o mais importante que qualquer investigação de linguagem cinematográfica. Mas é só aparente, pois em conversa com a cinesta, ela disse que essa estética está ali para mostrar a precariedade do cinema. A cada relato, a imagem de um sofá ou de uma cadeira desocupada fica congelada durante 30 segundos, o que seria, segundo ela, uma referência ao tempo de uma publicidade. É também uma aposta em silêncios em contraposição ao efeito espetáculo e à alta velocidade tão presente no cinema atual. Essa opção estética não estabelece um contato muito fácil para o público, já que o tema pode não ser tranquilo para todo mundo e nem a forma como ele é exposto. Porém, para quem se deixar seduzir, um olhar mais atento perceberá que ainda que os casos sejam parecidos, nenhuma dor é igual e cada luto é particular. Pode estar aí a grandeza do filme.

ADENDO
Cristiana Grumbach, carinhosamente, comenta sobre eu ter escrito que o filme não facilita o contato com o público e me pergunta "que público?", já que o filme foi mostrado até agora só na Cineop. Ela tem toda a razão, pois da forma como está no texto não ficou muito claro o que quis dizer. E quando digo que não facilita para o público é em função da ausência dos elementos manjados e facilitadores indicados um pouco acima: economia, ou mesmo ausência, de recursos apelativos - e que, infelizmente, parece-me - não há nenhuma certeza arrogante aí - grande parte do público aprecia visto alguns sucessos que rezam essa cartilha. É nesse sentido que quis dizer e não, necessariamente, dizer do público em si - mesmo porque o da Cineop não significa amostragem definitiva, nem para esse ou para qualquer outro filme exibido. A fala está mais como mérito que demérito, já que acredito não seja função do cinema facilitar a vida de ninguém.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 2 de julho de 2010

imitando o noel


Música que ouço.





sem parar!







noel é é o meu querido amigo

longas brasileiros em 2010 (149)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

149 - Antes que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo ****

Uma dos sócios da Casa de Cinema de Porto Alegre, Ana Luiza Azevedo tem carreira importante nos curtas - assistente de direção em O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda (1086), de Jorge Furtado e João Pedro Goulart; direção com Jorge Furtado de Barbosa (1988); entre outros. Com esse Antes que o Mundo Acabe ela estreia, finalmente, como diretora de longas. E estreia muito bem. Em 2009/2010 o cinema brasileiro tem sido generoso com o universo dos adolescentes, o que nem sempre foi em sua história, ainda que haja um público imenso a ser explorado. Depois dos belos "Os Duendes e os Famosos da Morte" (2009), de Esmir Filho, e As Melhores Coisas do Mundo (2009), de Laís Bondanzki - todos estreando nesse ano - chegou a vez de mais um filme que aborda esse tumultuado momento de nossas vidas, sem abrir mão de canal de interesse também para os adultos. No filme a história do garoto Pedro Tergolina e seu dia-a-dia em um cidade do interior de Porto Alegre: as relações familiares - mãe Janaína Kremer, padrasto Murilo Grossi, irmã Caroline Guedes; amorosa - Bianca Menti; e de amizade - Eduardo Cardoso. E também o difícil reencontro com o pai ausente - Eduardo Moreira. Muito da força do filme vem do bom elenco, que compõe curiosa geografia: todos os garotos são do sul - e passaram por preparador de elenco; Kremer também do sul; Grossi de Brasília; e Moreira de Belo Horizonte - ator do Grupo Galpão. O filme mostra que há muitas possibilidades de atingir e retratar o universo dos adolescentes, com boas histórias e roteiros inteligentes, e em muito decibéis acima do ar mauricinho/patrícinha dos Malhações da vida. O grande achado de Ana Luiza Azevedo, que também assina o roteiro com os parceiros da Casa de Cinema Giba Assis Brasil e Jorge Furtado, mais Paulo Halm, foi inserir a discussão de questões éticas nesse universo - roubar balas pode, mas computador não? Não é a mesma coisa? questiona uma dos adolescentes em certo momento. Em fase em que tudo parece definitivo, em que as dores parecem ser as maiores do mundo, e que a vontade e o medo de crescer caminham embaralhados, a adolescência pode ser retratada por esses e outros inúmeros pontos de vista e não apenas via estética de joguinhos eletrônicos ou em fantasias encharcadas de efeitos especiais. Há de se ter um olhar humanista sobre isso tudo, o que, felizmente, o cinema brasileiro vem começando a fazer mais generosamente. E o resultado, pelo menos nesses três filmes citados aqui, aponta para caminhos no mínimo interessantes. Bela e premiada estreia - seis prêmios no II Festival de Paulínia, dentre eles o de direção para Ana Luiza Azevedo.


Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quinta-feira, 1 de julho de 2010

longas brasileiros em 2010 (148)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

148 - Uma Noite em 67 (2010), de Renato Terra e Ricardo Calil ****

“Uma Noite em 67”, de Renato Terra e Ricardo Calil, é sobre a mítica terceira edição do Festival da Record em que se confrontaram o nascente Tropicalismo e a MPB. Foi aquela em que saíram premiados nos cinco primeiros lugares uma verdadeira realeza: Edu Lobo e Marilia Medaglia com Ponteio em primeiro; depois Gilberto Gil e os Mutantes com Domingo no Parque; Chico Buarque e MPB-4 com Roda Viva; Caetano Veloso e os Beach Boys com Alegria Alegria; e Roberto Carlos com Maria, Carnaval e Sonhos. Foi época em que jovens enchiam as arquibancadas com faixas dos candidatos de sua predileção, e, pouco antes, do lado de fora, figurões faziam passeata contra as guitarras. Poucos sabiam que o ninho da serpente estava em ebulição e que a ditadura já vigente estava pronta para mostrar sua face ainda mais cruel a partir do ano seguinte - daí faixas, palavras de ordem e gritos seriam outros, como também muita dor, medo, tortura e morte. O filme busca esses cantores e compositores, como também Sérgio Ricardo, que vaiado quebrou e jogou o violão na platéia, foi desclassificado, e tornou sua participação tão célebre quanto os vitoriosos. Uma Noite em 67 focaliza tudo isso, e, o melhor, respeitando todos os números musicais, que são mostrados na íntegra - já que vez ou outra a gente vê trechos desse festival na TV e mesmo em outros filmes, mas nunca assim, com todos os números reunidos. Os cineastas, que também são jornalistas, contextualizam esse acontecimento, escutam todos eles, e também os organizadores e alguns membros do júri, registrando depoimentos confessionais e sem afetação. Desde lá, ou até um pouco antes, que esses senhores se mantém no posto de trilha sonora de gerações. Daí que vê-los jovens e atualmente revivendo aquele clima de guerra em que se configurou os festivais da época é realmente irresistível. Os depoimentos são saborosos e divertidos, como também são os bastidores do Festival comandados por Blota Jr e Cidinha Campos - Cidinha fala e faz perguntas inpensáveis para o modelo careta do jornalismo atual. Se nos bastidores do Festival Caetano meio que rouba a cena, nos depoimentos atuais Roberto, Chico e Sérgio Ricardo se destacam. O documentário soube utilizar todo esse rico material, que tem ótima montagem de Jordana Berg. Resgatar a música brasileira no cinema tem sido uma prática comum e já virou quase um gênero. Mas a boa notícia é que Uma Noite em 67 é um belo representante desse filão.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (130)


Louise Brooks.




Nu!!!