sábado, 27 de novembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (267)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

267 - Terra Vermelha (2008), de Marco Bechis *****

"Antes que o homem aqui chegasse, as terras brasileiras eram habitadas e amadas por mais de 3 milhões de índios, proprietários felizes da Terra Brasilis, pois todo dia era dia de índio, mas agora ele só tem o dia 19 de abril", já cantava Baby do Brasil - ainda Consuelo, na música de Jorge Benjor - ainda Ben, hit nas rádios do país. E é por querer de volta a sua terra e todos os seus dias, que um grupo abandona a reserva em que morava e monta barraca em frente à uma fazenda nesse impactante Terra Vermelha, uma co-produção Itália/Brasil. Ameaçados pela perda total de identidade, explorados pelos comerciantes oportunistas, consumidores de cachaça e de cigarro, e indignados com a alta taxa de suicídio que acomete seu povo, eles dão um basta e vão parar nas terras de um fazendeiro, onde, do lado de fora da cerca e á beira do asfalto, vislumbram a mata do lado de lá, onde reconhecem ser a terra deles. Pouco a pouco vão chegando outros índios e um possível confronto se delineia - e enquanto isso, um jovem destinado a ser xamã e seu amigo caçam juntos e simbolizam, de diferentes formas, o contato/contágio com os brancos. No início desses anos 2000, a tribo Guarani Kaiwa foi destaque na imprensa nacional, e internacional, pelo crescente número de suicidios entre os jovens das aldeias no Mato Grosso do Sul. O fenômeno assustador já vinha desde a década de 80 e com efeito crescente a cada ano. O diretor chileno radicado na Itália, Marco Bechis, usou esse fato real para criar um entrecho ficcional, usando no elenco integrantes da própria tribo, todos ótimos em cena, além de atores brasileiros - como Leonardo Medeiros e Matheus Nachtergaele, e italianos - como Chiara Caselli e Claudio Santamaria. Bechis assinou o roteiro junto com Luiz Bolognesi, que segundo ele, o presenteou com o filme Iracema - Uma Transa Amazônica (1974), dirigido por Jorge Bodansky e Orlando Senna - o primeiro, pai da esposa de Bolognesi, a também cineasta Laís Bodansky. Iracema faz um retrato pungente e não menos impactante sobre a aculturação dos índios, a partir do encontro entre um caminhoneiro e uma jovem índia que acaba se prostituindo no entorno da grande estrada-símbolo de progresso do regime militar. Em Terra Vermelha esse modo de vida do branco está ainda mais enfronhado na comunidade indígena, que se veste, inclusive, de selvagens para turista ver, em troca de minguados trocados. Aqui, as indias usam expressões como "pau grande e gostoso" para o segurança das terras da fazenda; o adolescente escolhe o tênis da moda na vitrine; o futuro xamã aprende pilotar motocicleta com a filha do fazendeiro; e o chefe da tribo cai bêbado de cachaça no meio da sua gente. Enquanto isso, jovens suicidas com camiseta do Instituto Rondon são enterradas na terra pura com objetos como celular, e são xingadas e abandonadas pelos familiares. Exibido com sucesso de crítica no Festival de Veneza - mas sem abocanhar nenhum prêmio - e como filme de abertura da 32ª Mostra de Cinema de São Paulo, Terra Vermelha foi mal nas telas - apenas 4.787 espectadores segundo registro no Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antonio Leão, a partir da fonte Filme B. Número mais que injusto para um ótimo filme e uma das melhores co-produções recentes, e que pode encontrar seu público potencial no formato DVD.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (90)


Sandra Barsotti.






Salve Salve!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (266)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

266 - Missionários (2005), de Cleisson Vidal e Andréa Prates **

Para muita gente, bandido bom é bandido morto, e palanques para a pena de morte surgem a cada esquina, mandando para longe qualquer tentativa de reflexão sobre o assunto. Nessa hora, saca-se a lição do Velho Testamento mas incrustada nesses partidários: olho por olho, dente por dente. Ainda mais em momentos como os atuais, em que imagens na TV do confronto entre polícia e traficantes no Rio de Janeiro mais parecem de uma guerra. A prisão é um ato punitivo, e é também, em tese, processo de ressocialização - trancafia-se para que, depois de cumprir a pena, o preso possa ser devolvido a sociedade. Só que não é necessário fazer nenhuma pesquisa para saber que cadeia é sinônimo de inferno e curso intesivo de profissionalização de bandidagem, e que muito preso realmente sai pior do que entrou. Não há aqui nenhuma tentativa de diminuir a dor de quem foi vitimado pela violência, mas é necessário dizer que o tema é mais complexo do que querem os absurdos justiceiros de plantão e que um preso que cumpre pena tem todo o direito de voltar a viver em sociedade com seus direitos adquiridos - foi punido e pagou a punição. O documentário Missionários focaliza três detentos da Frei Caneca, no Rio de Janeiro, que redirecionaram sua vidas montando uma banda de rock. Com 20 anos de pena, todos três foram presos entre os 19 e 20 e poucos anos por latrocínio - roubo seguido de morte -, sendo que dois cumprem pena em regime fechado e um em semi-aberto. Dois deles, o vocalista Pedro e o guitarrista André, se aproximaram pela admiração mútua pela música da extinta banda Legião Urbana. Daí, começam a ensaiar e aprender o ofício na marra, recrutam o terceiro, o baixista Luciano, e mais um baterista, que não tem trajetória focalizada. O que de início poderia ser uma forma de abstração do universo da cadeia acaba tomando grandes proporções, com direito à formação da banda Missionários do Rock, que ganha espaço na mídia, gravação de CD, e por fim esse documentário exibido no Festival É Tudo Verdade e no Festival do Rio. Em um tempo em que nem o jornalismo consegue aplicar a imparcialidade - que sempre foi mito, mas cuja procura vem sendo jogada para as cucuias - o que não há nesse doc é preocupação com esse registro. Os diretores Cleisson Vidal e Andréa Prates são abertamente defensores da causa de seu objeto, e é aí que se revela o calcanhar de aquiles do intento - não por serem defendores, mas a forma como às vezes defendem. A trajetória do trio de presos tem por si só características notáveis, pois é retrato positivo de um estrato normalmente reduzido a nada. Só que é a total parcialidade dos realizadores que prejudica o resultado do filme, pois fica nítida a impressão de que, imbuídos dessa vontade de dar voz ao objeto, eles não conseguem cortar onde necessário e nem evitar registro de momentos emocionais desnecessários - não na realidade, pois legítimos, mas para o filme. Isso acaba por imbuir de tintas melodramáticas alguma sequências de uma situação que já fala por si só. Nesses momentos, dá-se uma manipulação over, como se o entendimento do mostrado pudesse vir só com a comoção, quando na verdade é, principalmente, em falas racionais como as de um deles, André, e nas da mãe de Paulo, que o entendimento desse estado de coisas se realiza mais eficazmente. Há ainda uso de recurso de busca de efeito - também utilizado no belo Contratempo (2008), de Malu Mader e Mini Kerti - sobre o caminho de um deles. Missionários conta história importante, sobretudo pela dignidade readquirida, não pelas mãos do Estado, mas pelos próprios agentes de sua história - ainda que como cinema não alcance grandes voos.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

zingu! vence o IBAC 2010



Hoje é dia de muita alegria.

Nossa Zingu! arrebatou o prêmio IBAC 2010 - categoria cinema.

Parabéns para toda a equipe!

E mais, a nova edição entrou no ar, ainda em fase provisória de design- chamamos de beta - já que a versão final com layout totalmente novo de Julia Morena entrará em breve.

Tem Dossiê sobre Francisco Ramalho Jr (foto), Especial sobre Futebol no Cinema e, claro, as colunas tradicionais.

E agora posso contar. Como Gabriel Carneiro já registrou na Carta ao Leitor, ele sai do cargo de Editor-Chefe, mas, felizmente, não sai da revista. Daí, eu assumo a função a partir do próximo número.

Vejam quanta honra e responsabilidade!

Espero corresponder à altura da Zingu! e dos amigos e editores-fundadores Matheus Trunk e Gabriel Carneiro.

Virão também novidades por aí.


Confiram:
http://www.revistazingu.net/

longas brasileiros em 2010 (265)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

265 - Fuscão Preto (1982), de Jeremias Moreira Filho ***

A refilmagem de O Menino da Porteira no ano passado, levada a cabo pelo mesmo diretor da primeira versão em 1977, trouxe de volta ao set o cineasta paulista Jeremias Moreira Filho. Nome de talento do cinema sertanejo, há nos filmes de Jeremias uma apropriação tão orgânica do universo que retrata, que é como se ele não tivesse feito outra coisa na vida senão domar cavalos, botar gado para pastar e ouvir moda de viola em volta da fogueira. Mas a sua biografia é bem diversa, pois fez Escola de Belas Artes, teatro com Eugênio Kusnet no Centro de Estudos Macunaíma e produção, direção e montagem de filmes publicitários. Nos anos 60 e 70 vai para o set, em diferentes funções, em muito boa companhia - Luis Sérgio Person, Reynaldo de Barros, Olivier Perroy e Roberto Palmari. Por outro lado, nos mesmos anos 60 e 70, o cantor Sérgio Reis, paulista também, transitou pelo bolero, iê-iê-iê, e fez sucesso com a canção Coração de Papel, de sua autoria. Mas a consagração mesmo viria em 1973 quando gravou a música O Menino da Porteira, de Teddy Vieira e Luisinho, passando a direcionar sua carreira para o gênero sertanejo. E foi o encontro entre os dois, Moreira Filho e Reis, que resultou na estreia em longas do primeiro, O Menino da Porteira (1976), seguido de Mágoa de Boiadeiro (1977), ambos estrelados pelo segundo. Os filmes ajudaram a projetar o cantor e colocou o nome de Jeremias Moreira Filho na lista do cinema popular brasileiro. Já na década seguinte, foi mais uma vez uma música de sucesso, Fuscão Preto, e mais um cantor sertanejo, Almir Rogério, que colocaria o cineasta outra vez no set para realizar outro filme, que teve título homônimo da canção. Coincidentemente, Almir Rogério fez sua primeira gravação exatamente de uma música de Sérgio Reis, Triste, na década de 70, mas foi no início dos 80 que sacudiu as rádios AM do país com a música de refrão-chiclete, que virou verdadeiro fenômeno de massa. Daí que Enzo Barone - que produziu filmes para Walter Hugo Khouri - e Ennio Barone botaram dinheiro, Francisco de Assis escreveu o argumento e o roteiro, Jeremias Moreira Filho dirigiu e Almir Rogério protagonizou Fuscão Preto - que durante décadas marcou a precoce depedida do cineasta das telas. Mas esse filme também contou com uma garota, do Rio Grande do Sul, que desde a adolescência vinha galgando a carreira de modelo e já se encontrava em posição de destaque, namorava um certo jogador Camisa 10, integraria a Ford Models, e se tornaria apresentadora de televisão na Rede Manchete. Seu nome, claro, Xuxa Meneghel. Nessa mesma época, Xuxa atua também em Amor Estranho Amor, de Walter Hugo Khouri, que depois, já milionária, consegue, absurdamente, tirar de circulação, já que achou que os amassos com o garoto do elenco em cena não ficaria bem para sua carreira de apresentadora de programa infantil. Em Fuscão Preto, Xuxa está prometida em casamento para o namorado de infância Denis Derkian, que tem Monique Lafond como amante, e só quer se casar com a moça porque seu pai Mário Benvenutti, prefeito da cidade, está de olho na fazenda de Dionísio Azevedo, pai dela. Tudo porque quer instalar nas terras do outro uma plantação de cana para fabricar álcool como combustível. Só que chega na cidade Almir Rogério, um domador de cavalos que se apaixona pela bela, e também um fusca preto que mais parece do além. O tal fuscão agita a cidade, fica obcecado por Xuxa, e ela ficará dividida entre os dois homens e o fascínio incontrolável que sente pelo estranho carro. O argumento do filme boi baseado na canção que diz "me disseram que ela foi vista com outro num fuscão preto pela cidade a rodar". Só que Francisco de Assis criou todo um entrecho no roteiro em que se opõem a tradição, encarnada por Azevedo, que quer manter a fazenda como pasto, e o progresso, encarnado por Benvenutti, que quer mergulhar nas promessas da indústria do álcool. Como progredir nem sempre significa andar por linhas retas, o segundo tentará meios espúrios para conseguir seu intento. O roteiro apostou ainda em um certo ar de mistério e de apelo sexual que ronda o tal fuscão preto - e as cenas sensuais com Xuxa e o carro são sensacionais, com direito a banho de rio e amassos e roças entre corpo e máquina (lembram de Crash - Estranhos Prazeres (1996), de Cronenberg?). Fuscão Preto acabou ganhando ares de cult, algo que seria quase impensável para um filme de temática sertaneja, mas que corresponde à aura criada em torno de si. Principalmente pela presença de Xuxa em mais um papel cheio de desejos inesperados - para a imagem que construiu depois - e pelas soluções que a trama encontra. Ainda no elenco a boa presença do veterano cantor e comediante Zé Coqueiro, que atua em todos os filmes dessa fase do diretor.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

terça-feira, 23 de novembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (264)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

264 - O Capitão Bandeira Contra o Dr. Moura Brasil (1971), de Antonio Calmon *****

Se não tivesse todas as qualidades que o destaca como um dos cineastas brasileiros mais subestimados desse país - e o Insensatez não se cansa de apontar o dedo para uma certa crítica boçal que o ignora - Antonio Calmon já seria ímpar por uma única marca inquestionável de seu cinema: o casamento perfeito entre imagem e música nos seus filmes. Nessa seara a expressão não pode ser mesmo outra: o cara é foda! E aqui nesse O Capitão Bandeira Contra o Dr. Moura Brasil, seu longa de estreia, mais uma vez a trilha é arrasadora. Assinada por Nelson ângelo, é raro ver a música jovem dos anos 1960/70 como Os Mutantes, Jorge Benjor - ainda Ben, Roberto Carlos e Caetano Veloso ser utilizada de forma tão genial. Senão, qual adjetivo para qualificar a aparição estonteante de Norma Bengell de roupa negra transparente a revelar os seios e ao som de Ôba, Lá Vem Ela, de Ben? Ou então Suzana de Moraes na janela e depois em frente ao espelho e se contorcendo na cama nos braços de Claudio Marzo ao som de As Flores do Jardim de Nossa Casa, de Roberto? Com fortes tintas experimentais e em sedutor cinemascope, esse primeiro longa de Calmon se utiliza das magistrais fotografia e câmera de Affonso Beato, que desde os anos 60 já mostrava genialidade - e muito antes de ser incensado pelos modernos com os filmes acachapantes de Pedro Almodovar. Se o príncipio básico do cinema está na imagem e na forma de contar, O Capitão Bandeira Contra o Dr. Moura Brasil nada de braçada, pois há imagens completamente arrasadoras, como Bengell dançando e agitando a cabeleira; mais uma dança, dessa vez entre Hugo Carvana e Sergio Oliva; e o belíssimo travelling na casa em que Marzo, Bengell e Billy Davis, o chofer-amante, vivenciam cena-ópera. Egresso do Cinema Novo, em que foi assistente de muita gente, como Cacá, Glauber, Dhal e Jabor, Calmon não se furta a fazer citação avacalhada de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Rocha, colocando as musas Dina Sfat, Sonia Braga e Maria Gladys para se estrebucharem no mato, com a última debochando da cena em cima de um formigueiro - Gladys, aliás, sacaneia deliciosamente o próprio cineasta em cena de filmagem dentro do filme. Na trama, Claudio Marzo é um empresário poderoso que vive fustigando os sócios John Herbert, Roberto Maya e Paulo César Peréio, não se intimidando inclusive a papar as mulheres deles. Certa noite, cruza seu caminho Norma Bengell, estranha emissária de um certo Dr. Moura Brasil, que vem cobrar seu quinhão em acordo feito com ele, o vulgo Capitão Bandeira. A partir daí, Marzo entra em crise, joga tudo para o alto, vai parar em um sanatório, e depois, acompanhado do amigo Hugo Carvana, sai em busca de um possível caminho de redenção para sua vida, mesmo sem entender que a ameaça possa estar mesmo é dentro de si. O Capitão Bandeira Contra o Dr. Moura Brasil é filme desconcertante e inaugural no formato longa - antes, dirigiu o curta Infância (1965) - de uma das filmografias mais sensacionais e deliciosas do cinema nacional.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (158)


Isabella Rossellini.






Nu!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (263)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

263 - Quem Tem Medo de Lobisomem? (1974), de Reginaldo Faria ***

A R.F.Farias, de Roberto Farias, Riva Farias e Reginaldo Faria, é um capítulo importantíssimo no cinema brasileiro. Dentre tantas produções, realizou o corajoso Pra Frente Brasil (1981), de Roberto, que escancarava a prática da tortura durante o regime militar. Alguns anos antes, em outra chave - a de terror com humor - e em outra produtora, Reginaldo, que protagonizou Pra Frente Brasil, também fez seu filme sobre a prática da tortura. Só que isso foi em 1974, em plenos anos de chumbo, daí, ao contrário do filme do irmão, usou de metáfora para falar daquele triste momento histórico. O filme é Quem Tem Medo de Lobisomem?, com argumento e roteiro dele, que também protagoniza ao lado de Stepan Nercessian. Na trama, Reginaldo e Stepan são dois amigos que saem em procura das terras herdadas pelo primeiro; já o segundo é um pesquisador de seres como saci pererê e lobisomens. No caminho, encontram Camila Amado, que vestida de noiva lamenta o sumiço do noivo, e a levam com eles. Os três acabam parando em um casarão abandonado, onde vão encontrar uma estranha família formada por Carlos Kroeber, Neusa Amaral e mais sete filhas - Cristina Aché é uma delas - e um filho - Zanoni Ferrite, que tem todas as características de um lobisomem de verdade. É com o personagem de Carlos Kroeber, um fazendeiro que coloca seus capangas para torturarem os desafetos, principalmente aqueles dos quais ele roubou as terras e os pretendentes das filhas, que o cineasta faz sua denúncia, só que em entrecho em que há espaço tanto para o humor do personagem descolado de Faria, como para o terror nas aventuras com lobisomem e mortos-vivos - a metáfora da tortura é ainda ampliada com a presença dos personagens nos dois tempos da narrativa, no passado e no presente. No entanto, em sua biografia na Coleção Aplauso, de Wagner de Assis, Reginaldo lamenta que o público não tenha entendido seus propósitos. Mas não é só disso que se trata Quem Tem Medo de Lobisomem?, que parte também das projeções do subconsciente, encontrando aí lugar para desejos sexuais e pulsão de vida e de morte. O filme funciona melhor na primeira parte, depois fica um pouco atravancado, ainda que o interesse permaneça. Destaques para a bela fotografia de José Medeiros e a ótima presença de Camila Amado, em mais uma personalíssima atuação - além, claro, da ótima dobradinha dos dois protagonistas, a mesma do filme anterior do cineasta, Pra Quem Fica, Tchau! (1971). Prêmio APCA de Melhor Diretor.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

domingo, 21 de novembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (262)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

262 - Um Lugar ao Sol (2009), de Gabriel Mascaro ****

Certa vez, em uma entrevista, Marília Gabriela quis saber de Xuxa como era lidar com a fama, que muitas vezes impede quem a tenha de se permitir alguns prazeres simples. A apresentadora perguntou "como assim?". E Marília disse "ir ao cinema, por exemplo"; no que Xuxa, prontamente, respondeu "mas eu tenho um cinema dentro de casa"; E ainda Marília "ok, mas ir à praia"; no que a outra responde, outra vez sem pestanejar "mas eu tenho uma ilha". Afora o assombro com a falta de noção - e de responsabilidade - com o que é o RESTO do Brasil, ficou muito nítido para quem estava do lado de cá da poltrona o quanto essa gente acha natural esse status quo que desfruta em um país como o que vive. De certa forma, ainda que em proporções variadas, é o retrato que se configura de uma classe de personagens que habita esse Um Lugar ao Sol, do pernambucano Gabriel Mascaro. O cineasta fez um documentário sobre moradores de coberturas em três estados brasileiros, o natal dele, Pernambuco, mais o Rio de Janeiro e São Paulo. O roteiro obedece o formato clássico de entrevistas, mas aqui o material colhido avança anos-luz de muitos outros docs que apenas bocejam nesse modelo pronto. Mascaro avisa em início do filme que o argumento veio de um livro que lista 125 coberturas, mas que acabou conseguindo o consentimento de entrevistas com moradores de apenas nove delas. Ainda que o recorte não seja nem de 10% do montante inicial, o resultado é dos mais impactantes. Do alto de seus tantos e tantos metros quadrados, aquelas pessoas falam sobre o que significa estar lá. Daí tem a mãe que diz que sempre viu o mundo de cima, vê beleza nos tiros trocados no Morro Santa Marta "é trágico, mas é lindo!", compara os barracos pintados do morro com caixinhas de brinquedo, e acha que o Estado é paternalista com os bandidos - afinal, pobre não precisa ser bandido, setencia; a artista que se sente bem dominando o espaço e que vê no serviço de voluntariado atitude essencial para estar do lado certo em um mundo que é dividido entre o bem e mal; a senhora às voltas com bichos de mentira, que acha que está mais perto do céu e por isso acredita que seja mais fácil falar com Deus, e seu filho que faz discursos holísticos e se apropria do "quem sabe faz a hora" de Vandré, de forma muito particular; a outra que tem serviçais de mais de 20 anos mas quer que eles fiquem lá na área deles e que, sobretudo, não a incomode com barulhos de panelas; o músico que não quer ser importunado, tocar a guitarra dele tranquilo, e, vez em quando, fica lá de cima achando interessante - ou graça? - nas famílias que chegam à praia com suas farofas; o empresário da noite paulistana que diz que a vida sempre foi assim, pobres e ricos, e que tem preguiça de quem vem falar eternamente que esse problema é originado pelas elites; o recém-separado que diz que a cobertura lhe permite ficar só, mas enche a boca para dizer também que, vez ou outra, pode fazer festas até para 200 pessoas em sua casa; o casal gay que não procura status com aquela moradia, mas sim espaço, pois afinal "não somos nada mesmo" - ainda que prefira ser nada lá de cima; a imigrante francesa que se mudou para o país por causa do filme Orfeu Negro, de Marcel Camus, sente saudade de ver macumba e oferendas na praia durante o revellion carioca ao invés dos manjados fogos de artifício, e acha que a pobreza é, antes de tudo, um problema de educação - na França, quem tem um pedaço de terra logo faz uma horta, aqui á terra é boa, mas ninguém quer plantar, avalia ela. Se a internet é uma das maravilhas da tecnologia, alguns de seus compartimentos, como as redes sociais - esse blog, inclusive - são ótimas ferramentas para entendermos um tanto sobre quem somos brasileiros e que país é esse. Hoje, o facebook, por exemplo, pode valer muitas pesquisas de institutos que queiram entender quem somos - e a última eleição nos possibilitou ver e aferir, seja na imprensa ou nessas redes sociais, o quão somos de reacionários, egocêntricos e irresponsáveis. Filmes como esse documentário de Gabriel Mascaro também nos ajudam a entender um pouco sobre o que passa na cabeça de algumas de nossas gentes - um dos personagens, inclusive, dá o parabéns pelos realizadores focarem um tema positivo como o retratado e não a violência e miséria de sempre dos docs de plantão. Um Lugar ao Sol pode até incorrer no reforço de um estereótipo, dado a pressa com a qual vemos todos aqueles personagens - o filme tem um pouquinho mais de uma hora. Mas nos ensina muito, ainda que a lição possa fazer travo de fel na boca e aumentar nossa descrença sobre o que está posto. Além da direção e da montagem, destaque para a ótima trilha de Lezu Kaeru e Luiz Pessoa.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo