sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (278)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

278 - Relatório de um Homem Casado (1974), de Flávio Tambellini ****

O cinema do paulista Flávio Tambellini é todo calcado na alta literatura - Nelson Rodrigues - O Beijo (1964); Pedro Bloch - Até que o Casamento nos separe (1968); Orígenes Lessa - Um Uísque antes... e um cigarro depois (1970); Rubem Fonseca - Relatório de um Homem Casado (1974) e A Extorsão (1975). Os dois últimos filmes foram com o mestre Rubem Fonseca, que assinou o roteiro junto com o cineasta. Tambellini encontrou na novela O Diário de Carlos, do escritor, a elegância necessária para realizar esse memorável Relatório de um Homem Casado. Homens casados e com estabilidade financeira obcecados por jovens perigosas já renderam inúmeros filmes, seja no cinema brasileiro ou internacional - O Anjo Azul (1929), de Josef von Sternberg, costuma ser a matriz de muitos. Mas o grande diferencial desse Relatório é a forma como a direção conduz a história de uma paixão avassaladora com um distanciamento e um tratamento seco incomuns nesse tipo de abordagem. Nery Victor é um advogado casado que leva a vida sem maiores rompantes, sempre com foco nos negócios do escritório que divide com o sócio Otávio Augusto. A morte do pai, José Lewgoy, que no leito de morte lhe revela que nunca amou a mãe dele e teve duas amantes, parece ecoar mais fundo do que imagina no seu mundo organizado e frio. E o encontro com Françoise Forton, uma jovem cliente apresentada pelo devasso amigo Fábio Sabag, coloca sua vida de pernas para o ar. Nery Victor segura bem o personagem, mas quem rouba a cena mesmo é Françoise Forton, que despontava no cinema estonteante, depois da deliciosa participação em fase adolescente com Stepan Nercessian em Marcelo Zona Sul (1970), de Xavier de Oliveira. Na transição entre a fase lolita e a de mulher plena, Forton magnetiza o olhar da câmera com sua personagem amoral - às vezes parece uma menina mimada, noutras uma vamp destruidora. Seu gozo com as sessões de massagem, de ducha e com o esmalte vermelho a lhe ressaltar as garras, enquanto o amante afunda cada vez mais, é símbolo acertadíssimo sobre o quanto uma paixão pode ser ninho perfeito para uma serpente. Mas se a obsessão dele por ela só faz crescer, a encenação continua a perseguir o tom distanciado e, paradoxalmente, quase asséptico - não há, por exemplo, cenas calientes de sexo e a combustão se faz presente em apenas uma cena ou outra. E é nessa escolha arriscada que o filme cresce e nos seduz, avançando léguas e léguas de muitos outros com o mesmo tema. Destaques ainda no elenco para Fábio Sabag, Janet Chermont, José Lewgoy e Betty Saddy. Relatório de um Homem Casado recebeu o Coruja de Ouro de Melhor Roteiro e o APCA de Melhor Filme e de Melhor Montagem (Leon Cassidy).

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (92)


Lady Francisco.





Salve Salve!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (277)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

277 - É Isso Aí, Bicho - Geração Bendita (1972), de Carlos Bini ***

Nos anos 1960 e 70, uma comunidade hippie fez história em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Isso pela novidade daquele modelo alternativo de vida e porque lá também estavam os músicos da banda Spectrum. Os rapazes lançaram em 1971 o LP Geração Bendita e participaram desse É Isso Aí, Bicho - Geração Bendita, considerado o primeiro filme hippie brasileiro, e que difundiu o modo de vida daquela comunidade, alojada no sítio Quiabos. O cineasta Carlos Bini, também de Nova Friburgo, roteirizou, dirigiu e protagonizou a história, em filme que foi proibido pela censura, mutilado, e que acabou sendo fracasso de bilheteria quando lançado. O mesmo aconteceu com o disco da banda, que não teve repercussão, e seria redescoberto só tempos depois na Europa, onde virou raridade e disputa entre colecionadores, e relançado trinta anos depois de sua feitura por um selo alemão, em 2001. Os alemães babaram com o rock psicodélico do Spectrum, e o disco foi alçado à condição de obra-prima. Já o filme, ficou ingualmente esquecido, até que, finalmente, veio à tona novamente - tanto na internet quanto no Canal Brasil. A trama, na verdade, é um fiapo. Advogado se cansa dos tribunais, fóruns e processos, joga tudo para o alto, e se integra à comunidade de hippies que vendem flores e artesanatos na cidade, sempre com o violão e outros instrumentos percussivos a tiracolo. Nessa transição, conhece uma garota de classe média, que enfastiada com a mãe controladora e o noivo que a convida ora para a missa ora para o cinema, flerta com aquele mundo dissonante de sua realidade e inicia romance escondido com ele. O que menos interessa ao filme é esse entrecho, já que o que está no centro da lente é o modo de vida daqueles cabeludos que amavam os Beatles e os Rolling Stones e professavam a filosofia de paz e amor. Daí, vê-se o dia-a-dia da moçada, com afazeres domésticos coletivos - como rachar lenha e preparar a salada ; amamentação para a cria que segue os passos alternativos dos pais; banhos de rio com todo mundo pelado; reuniões de mistismo oriental; e, claro, cigarrinhos de maconha passando de mão em mão - é ótima a cena do fornecedor que traz pacotão da erva enrolado em papel de pão e é recebido como rei por seus súditos. O romance entre os protagonistas, o próprio Carlos Bini e Rita de Cássia - que estreia como atriz e depois faz carreira tanto no cinema como na TV - é fraquinho, mas é recheio necessário para exibição nos cinemas. Não fosse isso, ficaria na esfera do documentário - que, aliás, parece ter sido a primeira opção. Uma sacada boa é a presença de um religioso que vive perseguindo a turma bicho-grilo com seus sermões bíblicos. A fotografia e a câmera de Fritz Meldy Lucien Mellinger - que também produziu e montou - é bacana, sendo que o grande destaque mesmo vai para a trilha inspirada e que permeia todo o filme. Carlos Bini e a Spectrum voltariam a se unir em O Guru das Sete Cidades (1972) - segundo e último filme do cineasta. É Isso Aí, Bicho - Geração Bendita é mesmo filme singularíssimo na história do cinema brasileiro - aliás, como é singularíssima também a década de 70 para a nossa cinematografia.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (276)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

276 - O Primeiro Dia (1999), de Walter Salles e Daniela Thomas ***1/2

O encontro com Daniela Thomas é um capítulo honroso na carreira de Walter Salles. Juntos dirigiram os longas Terra Estrangeira (1995), O Primeiro Dia (1999) e Linha de Passe (2008) - além de episódios para projetos coletivos como Paris, Te Amo (2006). Esse O Primeiro Dia é originário de série para TV francesa, em que cineastas de dez países foram convidados para a abordagem "2000 visto por" - Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Espanha, França, Hungria, Mali, Tawian. As filmagens foram rápidas e com orçamento reduzido, sendo que algumas passagens rodadas em tempo real, como na festa de fogos e oferendas na praia de copacabana durantes o reveillon da virada do milênio. O elenco conta, em sua maioria, com atores que já trabalharam com Salles - Fernanda Torres em Terra Estrangeira, Matheus Nachtergaele em Central do Brasil (1998), Tonico Pereira em A Grande Arte (1991); ou viriam a trabalhar - José Dumont e Luiz Carlos Vasconcelos, ambos em Abril Despedaçado (2001). E tem ainda ótima presença de Nelson Sargento como o presidiário vovô. Na trama, Luiz Carlos Vasconcelos sai da prisão com a missão de matar o amigo Matheus Nachtergaele, dedo-duro que anda entregando a marginália e a banda podre da polícia para a justiça. É o último dia do ano, e ele acaba encontrando Fernanda Torres, uma professora para surdos-mudos que depois de ser abandonada pelo companheiro Carlos Vereza, sobe ao alto do prédio para um último brinde. Dá-se aí um inesperado encontro entre dois personagens de mundo opostos e com a mesma perdição, ainda que - será? - com dores diferentes. O Primeiro Dia tem pouco mais de uma hora, mas desfila seu roteiro econômico com agilidade e personagens bem construídos. Não se sabe muito sobre eles, mas a forma como são apresentados os tornam completamente críveis. Como naquelas noites em que a gente encontra alguém nunca visto antes para falas e confidências de corpo e de alma, ainda que no dia seguinte outro novo encontro possa nunca mais acontecer. Vasconcelos e Torres se encontram em momento ápice das renovadas promessas de um ano novo, ainda que quando o calendário mude a mesma realidade possa estar em frente à janela e ao espelho. Ou não. O personagem de Sargento diz o tempo inteiro, saudando o milênio, que o nove vai virar zero, o outro nove vai virar zero, o outro nove vai virar zero, e o um vai virar dois. Nesse 2000 visto por Walter Salles e Daniela Thomas, mesmo que essa realidade dura não seja escamoteada, parece ainda haver lugar para milagres - mesmo que possa não ser para todos.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (275)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

275 - Ritmo Alucinante (1975), de Marcelo França ***

Muito antes do cigarro ser banido e estampar em seus maços situações abjetas de doenças e tragédias, a indústria da tabacaria viveu momentos de glamour, com direito de propagação cult pelo cinema, publicidade moderna, e lugar garantido em variados eventos de massa - basta dar uma olhada na reprise atual da novela Vale Tudo (1988/1989 - Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères), em que os personagens soltam baforadas o tempo todo, para se ter uma idéia de sua aceitação em tempos atrás. E foi a Souza Cruz, do mítico Hollyood, que patrocinou o grande evento de rock no Brasil em 1975, com edições posteriores na década de 1980 e 90 - até que foi proibido por lei a difusão de eventos culturais patrocinados pela indústria. O Hollywood Rock, durante sua trajetória, apresentou em sua programação atrações nacionais e internacionais com desfiles de astros e bandas como Rita Lee, Erasmo Carlos, Rolling Stones, Pretenders e Supertramp. A primeira edição, pilotada por Nelson Motta e registrada nesse Ritmo Alucinante, de Marcelo França, reuniu apenas atrações nacionais: Rita Lee & Tutti-Frutti, Vimana, O Peso, Erasmo Carlos, Raul Seixas,Celly Campello e Tony Campello. O interesse maior dessa produção é pelo registro histórico: uma Rita Lee recém-saída de Os Mutantes; O Vímana de Lulu Santos, Lobão e Ritchie; o retorno de Celly Campello. Alguns anos depois, em 1980, Rita Lee bradava zombeteira e cáustica em Ôrra Meu - no disco-sensação Lança Perfume - que rockeiro brasileiro sempre teve cara de bandido. Aqui, quase todos são cabeludos - Lulu Santos, inclusive - muitos de barba, em linha direta com a estética hippie mais sexo, drogas e rock´n roll que paz e amor. Mas para lá dessa importância de registro, há momentos ótimos. Quais? Uma entrevista de Erasmo e Celly com Scarlet Moon, que indaga mais de uma vez se eles consideram brasileira a música que fazem - mesmo sendo pós-Tropicalismo não se pode esquecer que as searas MPB e rock ainda eram bem demarcadas; Celly Campelo, a rainha precursora do rock brasileiro, com seu figurino cândido entoando Estúpido Cupido - Celly - junto com o irmão Tony Campello - trouxe o rock para o país em 1958, explodiu com Estúpido Cupido em 59, mas abandonou a carreira em 62 para se casar; com essa apresentação no Hollywood Rock mais o sucesso da novela Estúpido Cupido (1976/77), de Mário Prata, ela tentou retomar a carreira, mas não conseguiu; Rita Lee e sua banda Tutti & Frutti interpretando Splish Splash, versão de Erasmo e sucesso de Robeto Carlos; e, sobretudo, apresentação acachapante de Raul Seixas, que, em plena ditadura, brada os mandamentos de sua - e de Paulo Coelho - Sociedade Alternativa, entoa seus versos contestadores e postura idem, em imagem mais genuinamente roqueira que todos. Ritmo Alucinante tem cenas curiosas, pois a câmera está quase sempre voltada para o palco e para a performance dos astros, mas sempre se ouve a ovação da platéia. No entanto, quando a câmera se vira para ela, vê-se jovens mais bem-comportados do que se espera, ainda que sintonizados com a época.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (160)



Jean Harlow.






Nu!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (274)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

274 -Vereda da Salvação (1965), de Anselmo Duarte *****

Toda vez que se fala em história da teledramaturgia, nomes como Janete Clair, Ivani Ribeiro e Cassiano Gabus Mendes são sempre apontados como destaques - e com toda a razão. Mas dentre aqueles que foram muito além do folhetim - raiz primordial do gênero - é impossível não se lembrar de Dias Gomes, Walter George Durst e Jorge Andrade, talvez três dos autores mais representativos de apurado olhar crítico, político e social dentro desse universo. Não à toa, Gomes e Andrade são também dramaturgos de alta estirpe. E foi na dramaturgia de Jorge Andrade que Anselmo Duarte foi beber para fazer esse Vereda da Salvação, filme imediatamente posterior ao sucesso internacional O Pagador de Promessas (1962) - até hoje nossa única Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mais de uma vez, Anselmo disse que a realização desse filme foi para provar para a turma do Cinema Novo que sabia fazer um filme complexo e de direção sofisticada, já que os cinemanovistas - provavelmente enciumados - apontavam o dedo em riste para a ingenuidade e o academicismo que viam em O Pagador. Quando a primeira montagem da peça estreou foi sucesso de crítica e não de público, mas o cineasta buscou o mesmo Raul Cortez do elenco dos palcos para o filme - para viver sua mãe, trocou Cleyde Yáconis por Lélia Abramo. Aqui, ele assinou o roteiro e contou com a presença de Andrade na adaptação e nos diálogos. Na trama, camponeses vivem acuados em terras cada vez mais demarcadas, sobrando para eles espaço exíguo para tirar o sustento de suas famílias. José Parisi é o líder, mas acaba perdendo terreno para Raul Cortez, que insurge como líder espiritual radical, que promete para todos um lugar seguro no céu, desde que se livrassem de seus pecados. Instala-se então uma histeria coletiva, com direito à violência para aqueles que não aderirem à nova ordem, além de assassinatos de crianças inocentes tomadas por demônios. Se Anselmo Duarte realmente queria mostrar que entendia do riscado - um exagero, pois já provara isso desde a estreia como diretor em Absolutamente Certo (1957) - ele realmente conseguiu. Vereda da Salvação é filme impactante com direção precisa e sofisticada - planos-sequências de tirar o fôlego, câmera focalizando personagens e cenas de ângulos criativos, e fotografia acachapante. Muitas vezes o mostrado é visto de cima, não só apequenando as misérias daquele povo, mas como também se Deus olhasse para aquilo tudo, não acreditasse no que visse e se retirasse. Daí, sobra ora para nós, ora para os fuzis apontados, testemunhar e aniquilar aqueles brados inúteis. Raul Cortez está soberbo em personagem que escamoteia a sexualidade reprimida - homossexualidade, edipianismo, rancor - e dá vazão a seu desatino em fanatismo religioso mortal, acreditando por fim ser ele o próprio Cristo. O elenco feminino é arrebatador, oferecendo nuances de postura e olhar para o que se desenrola, vivido por Lélia Abramo, Esther Mellinger, Maria Isabel de Lizandra, Aúrea Campos e Margarida Cardoso. O cineasta ainda se vale de figurantes completamente críveis, todos eles camponeses de verdade. Mais uma vez, Anselmo Duarte foi negligenciado em sua época, pois realizou fime arrebatador, mas fracasso de público. Fora do país, recebeu inúmeras críticas positivas e quase venceu o Festival de Berlim - perdeu para Jean-Luc Godard com Alphaville. Durante sua vida toda, ele disse que Vereda da Salvação foi incompreendido, mas que é seu melhor filme, a melhor coisa que fez em toda a sua vida. Assistindo uma, duas, três, ou quantas vezes for, fica realmente difícil não concordar com ele. Prêmios de Melhor Fotografia para Ricardo Aronovich e Menção Honrosa para Ester Mellinger e Raul Cortez na I Semana do Cinema Brasileiro de Brasília; Governador do Estado de São Paulo de Melhor Diretor e Melhor Música para Diogo Pacheco; Prêmio Cidade de São Paulo de Melhor Ator para José Parisi e Melhor Roteiro.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo