sábado, 2 de outubro de 2010

longas brasileiros em 2010 (230)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

230 - Na Ponta da Faca (1977), de Miguel Faria Jr **

Focar uma história, depois abandoná-la e pular para outra - e às vezes nem voltar à anterior - é recurso usado, inclusive, por alguns diretores do cinema oriental. Mas aqui no cinema brazuca também temos exemplos disso, como nesse Na Ponta da Faca, de Miguel Faria Jr. O filme começa com uma família burguesa chefiada por Sérgio Britto e Isabel Ribeiro, que vive na cidade, mas passa o final de semana, vez ou outra, na fazenda. Vemos um pouco sobre eles, o pai que quer tirar posseiros da propriedade e o discurso de contraposição da mãe metida à intelectual de esquerda, mais o casal de filhos. E é na tal fazenda que vive Stepan Nercessian, lavrador cançado daquele fim de mundo que larga a família e vai zanzar no Rio de Janeiro. Daí a história abandona completamente a família e mira sua lente no rapaz que na cidade maravilhosa se enamora da prostituta Ana Maria Miranda, vira lutador de boxe e é assediado moralmente pelo chefão Alvaro Freire. Depois, só nos estertores é que a trama junta Stepan de novo à familia. Esse estilo de abordagem poderia resultar interessante, mas a má notícia é que esse rocambole não funciona muito bem não. Primeiro que a gente fica meio sem saber qual a função daquela narrativa familiar - e nem o tema-tabu do núcleo, ainda que corajoso para a época de ditadura militar, é construído com vigor. Já Stepan Nercessiam, por mais excepcional ator que seja, de cara não convence muito como o filho daquela família de lavradores lá no início. Ainda que o ator seja goiano, a estética malandra carioca impregnada na persona do intérprete nos filmes anteriores ainda estava muito fresca para uma composição de camponês mais crível - mas é forçoso dizer que fora esse descompasso inicial, Stepan é sempre ótimo. No elenco, quem se sai melhor é Ana Maria Miranda e Alvaro Frerie; já nem o gigantismo habitual de Isabel Ribeiro lhe dá a mínima chance com aquele rascunho de personagem. Fora isso tudo, há ainda uns senões que desorientam essa produção, com foco até pouco usual, já que nem sempre o boxe veio para o centro da cena em nossos filmes de ficção. E um deles é, com certeza, o mosaico de músicas que, além de não se adequarem organicamente às cenas ainda se misturam numa variedade a deixar tonto qualquer um. As primeiras sequências ao som de Vozes da Seca com o Quinteto Violado já instala o estranhamento inicial: "mas que diabos é isso?", já se pensa cá com nossos botões. Mas ainda tem Ilegal, Imoral ou Engorda com Roberto Carlos; As Ayabás com Maria Bethânia; No Reino da Mãe de Ouro com a Mangueira; e Escapulário, de Caetano Veloso sobre poema de Oswald de Andrade, adaptada por Miguel Faria Jr e cantada por Jards Macalé e Ana Maria Miranda. Outro senão é a direção um tanto sem tesão, a não ser nas aventuras do jovem boxeador. Na Ponta da Faca nem insinua o que cineasta faria pouco depois em República dos Assassinos (1979), aí sim um filmaço e um dos mais memoráveis e impactantes da década. Miguel Faria Jr tem trajetória curiosa, pois quase sempre intercala um filme assim assim entre outros memoráveis. E sob esse prisma, Na Ponta da Faca está para República dos Assassinos, assim como Para Viver Um Grande Amor (1984) está para Stelinha (199), e O Xangô de Baker Streeet (2001) para Vinícius (2005).

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

longas brasileiros em 2010 (229)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

229 - Selva Trágica (1964), de Roberto Farias *****

Como articulista político, Arnaldo Jabor é catastrófico - no pior sentido da palavra e no sentido literal da palavra. Ao contrário, como cineasta é dos melhores, com petardos e clássicos modernos como Toda Nudez Será Castigada (1972). Daí que sua volta ao set de cinema com A Suprema Felicidade (2010) foi e está sendo notícia do Oiapoque ao Chuí - e quem sabe não fica no cinema de vez e nos poupe de suas análises apocalipticas de araque... Não dá mesmo para acreditar porque cineastas talentosos abandonam o ofício, e quando se pensa nisso um nome vem imediatamente à tona: Roberto Farias. Diretor de filmes como Assalto ao Trem Pagador (1962) e Pra Frente Brasil (1982), Farias abandonou o cinema na década de 1980 e bandeou para a televisão - pelo menos o set, já que milita em outras áreas, como no Canal Brasil como um dos donos e também na presidência da Academia Brasileira de Cinema. E foi nos anos 60 que dirigiu esse imponente e cruel Selva Trágica. A trama se passa em fazenda de plantação de mate na fronteira com o Paraguai, onde os trabalhadores são tratados como escravos. Daí ou se submetem aos desmandos da companhia que explora a região ou se viram trabalhando clandestinamente naquelas terras. E é nessa condição de clandestinos que Reginaldo Faria, sua companheira Rejane Medeiros e seu amigo Joffre Soares são capturados pelo capataz Maurício do Valle e levados para a companhia, onde terão que pagar suas dívidas com muito trabalho e humilhação. Lá encontrarão ainda Aurélio Teixeira, que ficará obcecado por Rejane. Na história do cinema brasileiro são muito os filmes notáveis, e uma parte deles alçada à condição de obras-primas. Mas não é sempre que, além do filme, ficamos reféns de seus personagens, como é o caso dos que circulam nessa Selva Trágica. Como esquecer de Joffre Soares, quando corre em disparada e a gente corre junto como se assim pudéssemos ajudá-lo? Como esquecer de Maurício do Valle, um tipo de capitão do mato que em meio à bárbarie esquadrinha seus sentimentos como um personagem shakespereano? Como esquecer Aurélio Teixeira em sua dignidade ultrajada com a não consumação de seu desejo? E, sobretudo, como esquecer do Pablito de Reginaldo Faria e da Flora de Rejane Medeiros? Ele curtido e cortado no couro pela vida dura no mato, mas com o coração transbordando de amor; e ela se degladiando para fugir ao destino de gado anunciado para o abate. Pois todos eles se fazem carnes e visceras a nossa frente, obrigam-nos a não desviar os olhos de suas vidas miseráveis, e fazem morada para sempre na nossa alma, mesmo com o apagar das luzes. É filme para nos lembrar continuamente que existiram e ainda existem outros Brasis além do de nosso quintal e muito mais cruéis do que o alcance da nossa vâ filosofia. Baseado no romance homônimo de Hernani Donato e com roteiro também assinado por Roberto Farias, Selva Trágica tem fotografia gigante de José Rosa e trilha sonora de Luiz Bonfá. Prêmio Governador do Estado de São Paulo de Melhor Ator para Reginaldo Faria.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (150)


Katharine Ross.






Nu!!!

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (228)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

228 - Doce Delírio (1982), de Manoel Paiva **

Manoel Paiva teve carreira cinematográfica tragicamente interrompida aos 37 anos, ao ser assassinado em um assalto. No pouco tempo que teve de vida, fez curso de cinema na FAAP, dirigiu o curta O Palhaço (1974) e o média coletivo Periferia. Além de cineasta, graduou-se no Conservatório Musical Carlos Gomes em Campinas e assinou com Luiz Chagas músicas para filmes de diretores como Juan Bajon - O Estripador de Mulheres (1978), Colegiais e Lições de Sexo (1979) e A Noite das Depravadas (1981); Carlos Reichenbach - Filme Demência (1985/87) e Anjos do Arrabalde (1986); Roberto Santos - Quincas Borba (1987). Doce Delírio é seu único longa e faz seu foco em momentos fundamentais na vida de duas mulheres, mãe e filha - Barbara Fázio e Claudia Alencar. Com diferentes formas de olhar para vida, elas têm um ponto em comum: são casadas com dois sujeitos um tanto patifes. Fázio, que é dona de casa, é abandonada pelo marido Mauro Mendonça em plena comemoração de 27 anos de casamento, que a troca por Imara Reis. Já Alencar, que é modelo, vive há cinco com o fotógrafo Eduardo Tornaghi, que a trata comumente com casca e tudo. Quando a crise se instala na vida das duas, cada uma vai tomar uma atitude diferente e experimentar diferentes formas de delírios. O filme, que tem roteiro de Paiva, João Manuel Rodrigues e Gerson de Faria, parte de um registro de tons feministas - principalmente na contraposição da ação de Alencar versus a entrega de Fázio - mas acaba bagunçando um pouco o coreto lá pelas tantas. "Vocês (homens) condenam a mulher a uma solidão terrível", grita Claudia para o companheiro depois de um aborto; "Você só quer uma esposa, mas eu estou indo à luta", grita novamente, dessa vez para o novo parceiro Jonas Bloch. Mas ainda que vincule a força à elas e a fraqueza a eles, e também contemple a descoberta do prazer solitário, a aparente intenção não se sustenta em um cinema de vigor - como o mestre Jean Garret fez tantas vezes com argumentos desse tipo nas mãos. Manoel Paiva assinou a música mais uma vez com o parceiro Luiz Chaga nesse seu único rebento, que recebeu o APCA de Fotografia e o Governador do Estado de São Paulo de Iluminação para Carlos Reichenbach.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (227)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

227 - Obsessão (1973), de Jece Valadão ***

obs.: não consegui imagem do filme


Rossana Ghessa é uma mulher moderna que escandaliza os moradores de uma cidade do interior com sua relação com o recém eleito prefeito Jece Valadão, de quem fica grávida antes do casamento. Quando ele volta de uma viagem de trabalho à Europa e descobre que ela foi misteriosamente assassinada, ele fica obcecado em descobrir o autor do crime. Entre os suspeitos estão habitantes ilustres do local, como um engenheiro, uma secretária, o delegado e o padre. Obsessão não figura entre os melhores trabalhos de Jece Valadão como cineasta, ainda que seja uma produção ambiciosa. Falta aqui tanto o charme malandro de As Sete Faces de um Cafajeste (1968), como o clima doentio de Os Amores da Pantera (1977). O filme apresenta uma participação curiosa da família Janete Clair / Dias Gomes no cinema. Ela tem, pela primeira vez, argumento original para as telas; já os filhos do casal marcam presença na ficha técnica com música de Guilherme Dias Gomes e Denise Emmer nos vocais - só alguns anos depois Denise Emmer explodiria nacionalmente cantando Allouette, canção romântica tema de Tony Ramos e Elizabeth Savalla no sucesso escrito pela mãe, a novela Pai Herói (1979). No entanto, o filme tem roteiro um tanto fraco e que faz a gente adivinhar de cara alguns meandros da trama, como a identidade da personagem de Vera Gimenez. A própria direção de Jece não é das mais inspiradas, pois muitas vezes o tom clássico adotado chega quase próximo a uma pegada um tanto burocrática na condução da história - ou sem muito tesão, melhor dizendo. Ainda assim tem cenas bacanas, como a da abertura em que acompanhamos uma fuga alucinada em um matagal, culminando com um balaço na testa de Rossana Ghessa. O destaque maior fica com o elenco, que ainda que conte com duas deusas - Ghessa e Gimenez -, encontra ponto alto mesmo é na presença de atores veteranos, sobretudo com as atrizes. Monah Delacy está sensacional como a perversa e dissimulada secretária que prega moralidade mas roça com michês no assoalho do escritório em que trabalha - não à toa recebeu prêmio de Atriz Coadjuvante no Festival de Santos, que também deu prêmio de Melhor Filme para a produção. Yara Cortes como a esposa autoritária com encontros suspeitos com o padre; Flora Geny com a esposa submissa e grudenta do engenheiro; Ivone Gomes como a dona de casa que se excita até ouvindo mijada dos soldados; e Neusa Amaral como uma cafetina completam o elenco feminino veterano e arrasador. Ainda na trilha sonora, músicas com Pery Ribeiro e Nelson Gonçalves - esse último muito apropriadamente embalando cena no bordel da cidade.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (81)



Regina Dourado.






Salve Salve!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (226)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

226 - A Casa das Tentações (1975), de Rubem Biáfora **

Importante e controvertido crítico de cinema, o paulista Rubem Biáfora dirigiu três filmes: Ravina (1959); O Quarto (1968); e esse A Casa das Tentações. Alguns detratores acusam seus filmes de artificiais, como se o controle absoluto de cena praticado pelo cineasta tirasse toda naturalidade necessária para que seus personagens e seus dramas se tornem críveis. Quanto a O Quarto é uma injustiça tremenda, pois o rigor ali está intrinsicamente orgânico na história de Sérgio Hingst, o funcionário público mergulhado em solidão urbana; já aqui, de certa forma, o cineasta ofereceu, mesmo que involuntariamente, munição para os desafetos. Há em A Casa das Tentações um tom que emperra bastante a nossa relação com tudo aquilo que é mostrado, como se instalasse uma barreira que nos impossibilita de desenvolver interesse por aquela gente toda e os acontecimentos narrados, ainda que fascine em alguns momentos. Na trama, Flávio Portho, jovem andarilho com dramas existenciais - pensa que pode morrer aos 33 como Cristo - retorna ao casarão da família com a namorada Elizabeth Gasper, e a encontra detonada e decadente. Lá vive Aurea Campos, a bá, preocupada com os amigos do irmão dele, Francisco Cúrcio, que com o consentimento desse último querem fazer da moradia um bordel disfarçado de boate. Portho passa a rememorar o passado vivido na casa, ao mesmo tempo em que assiste impotente tudo ruir à sua volta. A direção de Biáfora - que também assina o argumento e o roteiro - adota uma estética quase teatral, com tomadas sem profundidade e os atores interpretando seus personagens em registro de planitude, ainda que seus dramas possam ser profundos. Efeito que a cenografia de Rocco Biaggi e a fotografia e a câmera de Cláudio Portioli potencializam - os tons coloridos, como o quarto vermelho, são destaques. Elizabeth Gasper, eternamente moderna, é presença marcante como a cantora sem direito à ribalta, já que Betina Viany - outra ótima presença - é a mulher que lhe retira o lugar real e no imaginário da casa. Mas quem rouba a cena em suas participações é Marilena Ansaldi em belos números de dança, e, sobretudo, Paulo Hesse como um auto-denominado diretor de teatro de vanguarda, que faz de Cavagnole Neto um Netuno hilariantemente ultrajado. Fora que em determinado momento tudo pára no filme para a entrada hipnotizante de Selma Egrei com sua beleza translúcida - no elenco feminino, fora papel de destaque para Arassary de Oliveira como a interesseira e neurótica Isabel, ainda tem Marlene França e Leina Krespi fazendo participações especiais. Pedro Stepanenko recebeu o APCA de Melhor Ator Coadjuvante como o escroque Voronoff, nessa que foi a despedida de Rubem Biáfora como cineasta.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (225)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

225 - O Caso dos Irmãos Naves (1967), de Luis Sérgio Person *****

Em 1973, a escritora Lygia Fagundes Telles publicou As Meninas, um dos grandes romances da literatura brasileira, que ousou falar sobre o momento político que o país vivia, mergulhado no terror dos Anos de Chumbo da ditadura militar. E para isso, colocou em cena personagens comuns, as tais meninas do título, que ainda que ficcionais representavam as diferentes possibilidades de postura em relação aquele momento histórico. Ousadia também foi Luis Sérgio Person realizar esse O Caso dos Irmãos Naves, alguns anos antes e também em plena época de ditadura, fazendo com que todos vissem nas telas do cinema a mesma tortura que se praticava nos porões do regime. O toque de gênio: a trama real tinha acontecido nos anos 1930 durante o Estado Novo, mas em nada diferia da realidade de então do governo Castelo Branco. A metáfora é precisa , mas ainda assim passou tranquilamente pela censura - o AI5 viria um anos depois - transformando o filme em um potente libelo contra a tortura e a arbitrariedade praticadas no Brasil. O Caso dos Irmãos Naves conta a história de um dos maiores erros judiciários do país, ocorrido na cidade mineira Araguari. Os Naves foram acusados de roubar e assassinar o sócio, que misteriosamente havia desaparecido com mala cheia de dinheiro. Com a conivência, manipulação e medo da população, um delegado militar forja a acusação, torturando os irmãos, suas esposas e também a mãe deles, para que confessem um crime que jamais foi realizado - o morto reapareceria depois. Contra os desmandos do delegado insurge um advogado que tentará convencer as autoridades e a sociedade local da arbitrariedade do caso afim de cessar as torturas e prisão dos detentos. Depois de dirigir a obra-prima São Paulo S/A (1965), o paulista Luis Sérgio Person voltava a mostrar com O Caso dos Irmãos Naves porque é um dos maiores cineastas brasileiros. Produzido por Glauco Mirko Laurelli, Mário Civelli e Person, e com roteiro assinado por Person e Jean-Claude Bernardet, o filme permanece impactante passados mais de 40 anos. A fotografia em p&b e a câmera precisa de Osvaldo Oliveira nos coloca no centro do horror, em que uma cidadezinha aparentemente pacata, com suas praças, igreja e Maria Fumaça, transfigura-se na própria filial do inferno, ainda que na superfície tudo pareça como dantes. O Caso dos Irmãos Naves tem quatro protagonistas masculinos: Anselmo Duarte - em sua maior atuação - como Tenente, o delegado; John Herbert como o advogado Alamy; e Juca de Oliveira e Raul Cortez como os irmãos Sebastião e Joaquim. E conta ainda com a GRANDE Lélia Abramo como Donana - a cena em que corre pela cidade depois de ser presa e torturada, é Person puro e de impacto sempre; além de Cacilda Lanuza e Julia Miranda também ótimas como as esposas ultrajadas no cárcere. Ainda no elenco Sérgio Hingst como o juiz nocivo ao destino do caso, e também vários atores não profissionais locais. O Caso dos Irmãos Naves recebeu muitos prêmios em várias categorias - Saci, Governador do Estado, INC, Festival de Brasília.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

domingo, 26 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (224)

Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

224 - Maria... Sempre Maria (1973), de Eduardo Llorente ***1/2

A narração de texto pífio no prológo desse Maria... Sempre Maria, que identifica a personagem como símbolo de toda mulher e da pureza inerente que há em todas, nem de longe serve como pista para o que se verá a seguir. Pois a partir do momento em que Rosana Martins chega na rodoviária da capital paulista com mala na mão e de trança, protagoniza primeiro flashback em que é expulsa da fazenda em que vive por ser filha bastarda, e aí corre no chão de terra lá e em paralelo no viaduto do chá aqui, dá-se a chave para o que o delírio se instale. Extasiada com a altura dos prédios e com as vitrines luminosas, rapidamente ela vai percorrer os classificados de emprego, em que sempre encontrará possíveis patrões bigodudos mais de olho em suas coxas que em qualquer outro atributo, cairá na viração das noites de concreto e neon da cidade, e encontrará Roberto Bolant e Sérgio Hingst pelo caminho. Com o primeiro ensaiará cacho mezzo romântico mezzo profissional, já com o segundo a possibilidade de redenção. Como uma Eva em exacerbado estado de espiação, Rosana vai encontrar em Hingst um Adão que fuma cigarros Mauá, esquenta mamadeira à noite na casa da matriz e faz promessas frágeis de amor à filial. Daí é como se entrasse na toca do coelho, enquanto ele fica do lado de fora bafejando no asfalto à procura de relva. Lançado comercialmente no extinto Cine Barão, em São Paulo, não há como não vir de assalto aos sentidos o que significou o mostrado nesses 100 minutos de filme para a platéia que passou a roleta no endereço da Barão de Itapetininga. Sim, porque essa produção dirigida pelo cineasta espanhol radicado no Brasil Eduardo Llorente deve ter sido tão desconcertante lá como continua ainda hoje passados quase quarenta anos de sua realização. Lá pelo conteúdo, que pode ter parecido sem pé nem cabeça. Aqui, porque faz a gente pensar logo em como o cinema brasileiro dos anos 1970 explorou tantas possibilidades. É como se as portas abertas da percepcão do surrealismo encontrassem a cruz e a caldeirinha de Dreyer banhadas nas experiências cromáticas de Derek Jarman, só que fincadas na São Paulo da Boca do Luxo e do Lixo, das fachadas luminosas das boates La Ronde e Le Masque e do samba Batuque na Cozinha. E tudo isso registrado pela fotografia ousada de Ozualdo Candeias, que faz cama para o roteiro, também de Llorente, que quase elimina o id da personagem - certamente para decepção dos adeptos do cinema popular de carnes à mostra - e bota o super ego à toda no centro da ação. Com isso, e cada vez mais, o real vai para escanteio, e o sensorial toma conta da cena. Esse Maria... Sempre Maria tem ainda Mauro Mendonça no elenco, como aquele que apontará o dedo em riste para a platéia em consonância com o texto do prólogo. Só que essa sentença de julgamento moral entre vício e virtude fará pouquíssimo eco na retina, ao contrário de toda a ambiência das imagens delirantes construídas, e que parecem ter, felizmente e paradoxalmente, fugido ao controle de sua base moralizante. Surpreendente, diferente e desconcertante produção.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (149)



Solveig Dommartin.






Nu!!!