quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (020)

As prisioneiras da ilha do diabo (1981)
Direção: Agenor Alves


Como já foi dito aqui no Insensatez, o baiano radicado em São Paulo Agenor Alves fez história no cinema brasileiro. Afinal é, até hoje, o cineasta negro que mais dirigiu longas: sete. São eles: Tráfico de fêmeas (1978), Noite de orgia (1980), A volta de Jerônimo no sertão dos homens sem lei (1981), As prisioneiras da ilha do diabo (1981), A cafetina de meninas virgens – O kapanga (1982, codireção de Guilermo Vera), Lídia e seu primeiro amante (1982), Eu matei o Rei da Boca (1987). Alves trafegou pelo cinema de aventura, pelo faroeste, pelo policial, e pelo erótico.


Em As prisioneiras da ilha do diabo, um grupo de quatro manequins é arrastado pelos magnatas babões da plateia de um desfile para um passeio de iate no Guarujá. Elas, claro, topam, e algumas já vão entrando no barco e se desfazendo logo das roupas. O que o grupo nem imagina é que, ao mesmo tempo, um bando de foragidos da prisão circula pelo pedaço, e ao correrem da polícia invadem o barco, faz todos de reféns e leva todo mundo para a tal Ilha do Diabo. É lá que um dos bandidões vai se apaixonar perdidamente por uma das sequestradas, mudando o destino de todos eles. Há nos filmes de Agenor Alves – pelo menos o visto até aqui – um genuíno interesse pelo cinema de gênero. Nesse As prisioneiras ele, inclusive, se escalou como o protagonista, o tal bandidão de alma romântica. Os problemas de seu cinema são os roteiros manjados – também assinados por ele -, e a direção claudicante. E como é Boca do Lixo, dá-lhe moçoilas peladas, na maioria das vezes gratuitamente e em cenas esdrúxulas para situá-las no contexto da história.  Há ainda algumas soluções inacreditáveis, como aqui. Exemplo? Os ex-presidiários, escrotos até mandar parar, passaram tempos trancafiados, daí o natural não seria eles traçarem logo aquelas meninas seminuas ali disponíveis? Seria, né? Só que eles antes conversam, comem, tiram um cochilo, e só depois parecem se lembrar da secura sexual.Outra coisa: Alves parece ter fixação em trilha sonora, pois não há cena em que um instrumental não pontue o mostrado, em efeito paradoxalmente contrário, pois xaropetizante, à narrativa. Depois de assistir ao faroeste A volta de Jerônimo e essa aventura mezzo policial mezzo erótica, ainda faltam cinco filmes a conferir e daí ver, realmente, o que foi o cinema de Agenor Alves dentro da Boca do Lixo.
Obs.: esse cartaz, para o lançamento em vídeo, não condiz com cena do filme, mas foi a única imagem que encontrei para ilustrar a postagem.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (019)

Os deuses e os mortos (1971)
Direção: Ruy Guerra


O Cinema Novo, página importante da história do cinema brasileiro, propunha-se a realização de filmes com forte acento político e social - fossem rurais (primeira fase) ou urbanos (segunda fase) - e com propostas conscientizadoras. Reuniu cineastas como Glauber Rocha, Paulo Cesar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Leon Hirszman e Carlos Diegues, em inquestionáveis obras-primas como Deus e o diabo na terra do sol (1963), de Glauber, Os fuzis (163), de Guerra, e O padre e a moça (1965), de Joaquim. O mestre Nelson Pereira dos Santos dirigiu um dos maiores do período, Vidas secas (1963) - ainda que há alguns anos tenha dito que ele, Nelson, não era Cinema Novo. Com o endurecimento da ditadura civil-militar pós AI-5, em 1968, muitos se exilaram e outros partiram para filmes mais herméticos e alegóricos, como Ruy Guerra em Os deuses e os mortos (1970).


Em Os deuses e os mortos, coronéis do cacau no nordeste – Jorge Chaia e Rui Polanah - se digladiam pelo poder, o que custa baixas de cada lado em um crescendo incontrolável. Enquanto essa guerra se trava, um estranho homem, Othon Bastos, busca seu lugar nesse reinado, em meio a personagens como a esposa de um dos coronéis e seu desejo de posse – Norma Bengell; uma camponesa justiceira – Ítala Nadi; um dos capangas em conflito – Nelson Xavier; uma prostituta dona de zona – Mara Rúbia; e uma louca grávida que perambula pelas terras dos senhorios – Dina Sfat. Os deuses e os mortos é filme super premiado – no Festival de Brasília arrebatou Melhor Filme, Direção, Ator (Bastos), Atriz (Dina Sfat), Cenografia e Trilha Sonora -, mas ainda assim é um dos menos comentados, e talvez menos vistos, do Cinema Novo. O roteiro e os diálogos são assinados por Ruy, Flávio Império e Paulo José – também um dos produtores do filme – que não facilitam a vida do público, nem o de ontem e nem o de hoje. O filme tem encenação poderosa, mas aposta alto em teor alegórico, o que não o torna de fácil digestão, ainda que, como imagem, impressione. Em seu misto de biografia e autobiografia – assinada por ela e Mara Caballero -, Dina Sfat, que estava realmente grávida durante as filmagens, registra: “- Participo do filme, faço o papel de uma louca grávida, passo alguns dias em Ilhéus, chego a pensar que a minha criança vai nascer em pleno cacau. No fim de tudo ganho um prêmio e uma música de Milton Nascimento, “Cravo e Canela”. Mas o filme, Os deuses e os mortos, é um modelo de produção descontrolada. Gasta-se muitíssimo, Rui Guerra cria, Paulo José não sabe de onde arrancar dinheiro e pede emprestado até ao Mazzaropi. Quando a coisa se encerra, devemos 450 milhões de cruzeiros; eu ganho 3 milhões, o Paulo José, 12 milhões”. Os deuses e os mortos tem trilha de Milton Nascimento, que também faz ponta como ator.

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (018)

Alô?! (1998)
Direção: Mara Mourão


Não sei todos sabem, mas até a década de 1960 tínhamos menos de 10 diretoras de longa-metragem no Brasil. Com as conquistas sociais e sexuais dos anos 60 e 70, a situação foi se modificando e a partir daí outras mulheres conseguiram chegar ao formato. Agora o boom mesmo se deu com o chamado Cinema da Retomada, a partir de 1995, e que teve exatamente pelas mãos de uma mulher, Carla Camurati, seu marco definidor. Muitos nomes talentosos dos curtas migraram para o longa e nossa cinematografia foi enriquecida por gente de altíssimo quilate como Tata Amaral e Eliane Caffé. Hoje esse número acumulativo já soma mais de 250 cineastas pilotando longas dos mais diferentes gêneros.  E dentre elas está a carioca radicada em São Paulo, Mara Mourão.


Em Alô?! (1998) acompanhamos uma turma de trambiqueiros do cotidiano: o casal formado pelo especulador imobiliário Herbert Richers Jr e sua esposa dona de butique Betty Lago; a empregada doméstica deles Myriam Muniz e o irmão dela e trapaceiro Wellington Nogueira. Richers Jr está às voltas com um negócio milionário de compra e revenda de terra. Lago copia os modelos de grifes famosas para vender na sua loja, enquanto sonega impostos e compra fiscais. Muniz arruma emprego no prédio para colegas e cobra delas comissão, expediente estendido para os feirantes, já que leva suas “meninas” para comprarem nas mãos deles. E Nogueira vende pedra em embalagem de videocassete, orégano por erva medicinal, afana cartões de créditos, e outros delitos do naipe. A comédia, que tem roteiro assinado por Mourão e Nogueira, casados na época – e não sei se ainda hoje -, imprime um ritmo esperto sobre o famoso jeitinho brasileiro, em que cada um quer passar a perna no outro – e daí tanto faz se é marido e esposa, irmão e irmã, mãe e filho, patrão e empregado, amigo e amigo. O filme marcou a volta ao cinema da saudosa Myriam Muniz, que estava há quinze anos afastada dos longas - seu trabalho lhe valeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de São Vicente; o filme foi o vencedor também de Melhor Direção no Festival de Cuiabá. Mara Mourão apresentou timing para a comédia nesse Alô?!, ainda que depois dele intercalasse filme do gênero como  o rotineiro Avassaladoras (2002) com documentários premiados e saudados pela crítica, Doutores da alegria (2005) e Quem se importa (2012). Em Alô?! podemos matar saudades de Betty Lago, falecida precocemente aos 60 anos, e, sobretudo, conferir os talentos de Herbert Richers Jr e Wellington Nogueira, ótimos e impagáveis em seus personagens.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (017)

Perdido em Sodoma (1982)
Direção: Nilton Nascimento


Se alguém ainda duvida de que havia algum tema, algum assunto, algum acontecimento - seja cotidiano de qualquer página de jornal ou histórico - que não fosse interessar aos produtores e diretores da Boca do Lixo está muito enganado. E vem muito daí o fascínio que aquele polo de produção paulista das décadas de 1970 e 80 exerce até hoje.  Afinal, onde já se viu um pedaço que agregasse tantos gêneros e subgêneros com os mais diferentes argumentos e roteiros? E, ainda, com diretores das mais diferentes linhagens e quilates? Por isso, nada de novo no front a Boca ter trazido para as telas sua visão de Sodoma e Gomorra. Aliás, até bastante coerente, né? Mas não pense que a visão sobre as cidades amaldiçoadas e condenadas à destruição pela ira de Deus por causa de seus pecados se restringiu, pela lente da Boca, apenas as babeis bíblicas não. Aqui é a própria São Paulo e o Rio de Janeiro, com seus inferninhos e infernões, que reencarnaram a perdição incontrolável bíblica. Bom, estamos falando de Perdida em Sodoma (1983), de Nilton Nascimento.


Em Perdida em Sodoma Nicole Puzzi é Marlene, uma jovem do interior que chega a São Paulo em busca do pai rico que lhe manda mesada, mas não conhece; e da mãe que a abandonou ainda criancinha. Depois do encontro ríspido com o pai, Marlene perambulará pela noite de São Paulo e do Rio de Janeiro pelas mãos do cafetão Nassif  em busca do paradeiro da mãe, veterana cantora da noite de canções italianas e prostituta. Daí, trafega por boates com shows de striptease e de sexo, casas de encontro e antros de prostituição. Tá aí a reencarnação dos pecados da Sodoma do título. O filme começa na própria Sodoma, com direito a Zilda Mayo de Pitonisa e tudo - e com cena de sexo explícito, aparentemente enxertada; outras acontecerão durante a trama. Depois desse prólogo, a trama se situa em São Paulo e, mais adiante, no Rio de Janeiro. Daí, a gente já fica imaginando o que motivou atores como José Lewgoy e, sobretudo, Juca de Oliveira, embarcarem nessa canoa. Ok, o explícito pode ter vindo depois, mas Juca, por exemplo, protagoniza cena pra lá de patética em uma boate, algo como um sub-sub-Rio Babilônia (1982), de Neville D´Almeida. O filme tem como principal destaque a façanha de ter reunido muitas musas da Boca – a protagonista Puzzi, pra variar lindíssima; mais Aldine Müller, Zilda Mayo, Sílvia Gless, Maristela Moreno, Tânia Gomide, Lia Furlin, Noelle Pinne, e ainda a carioca Alcione Mazzeo.  Só que se transformou em mezzo pornochanchada mezzo pornô  sem um décimo do talento dos verdadeiros realizadores do gênero. No caso aqui, dirigida pelo gaúcho radicado em solo paulista Nilton Nascimento, que foi de trajetória cinematográfica de interesse neo-realista até cair de boca no filão pornográfico como produtor dos filmes do filho, Carlos Nascimento, que assina a fotografia desse Perdida em Sodoma.

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (016)

Permanência (2014)
Direção: Leonardo Lacca


Falar da importância do cinema de Pernambuco hoje é chover no molhado. Há muito, crítica e público voltam os olhos para o estado, sobretudo para Recife, polo de produção que se impôs para todo o país pela qualidade de seus realizadores e filmes. São muitos os nomes: Lírio Ferreira, Cláudio Assis, Marcelo Gomes, Hilton Lacerda, Kleber Mendonça, Daniel Aragão, Gabriel Mascaro. E também, Leonardo Lacca. Diretor de vários curtas, como Interferência (2004), Ela morava na frente do cinema (2011), Décimo segundo (2007), e Ventilador (2015), Permanência (2014) é sua estreia em longa-metragem. O filme recebeu cinco prêmios no Cine PE, Festival de Recife: Melhor Filme, Atriz (Rita Carelli), Atriz Coadjuvante (Laila Pas), Ator Coadjuvante (Genézio de Barros) e Direção de Arte.


Em Permanência Irandhir Santos é um fotógrafo que sai do Recife para a abertura de sua primeira exposição individual em São Paulo. Daí, hospeda-se na casa de sua ex-namorada, Rita Carelli, agora casada com Sílvio Restiffe. Esse reencontro afetará os sentimentos de todos esses personagens. Em seu primeiro longa, Leonardo Lacca aposta muito mais no mundo interior de cada personagem do que em qualquer outro tipo de ação externa. Elas até acontecem, mas são miúdas. Só que de miúdas não tem nada as entrelinhas e os subtextos pelos quais a trama e aquelas pessoas trafegam. Em um primeiro momento poderia se pensar em sentimentos internos que estão submetidos apenas a acontecimentos pretéritos, mas aos poucos vamos percebendo que o externo também se impõe, principalmente pelo novo estado de coisas: há um novo casal e o protagonista está alijado dessa história; há o momento da primeira exposição, em metáfora paradoxal, já que o personagem não parece nem um pouco à vontade de se mostrar; há o relacionamento com o pai amoroso, Genézio de Barros, mas que não o assume para a família oficial; há o breve envolvimento com a bela assistente da galeria, Laila Pas; e há o deslocamento da Recife natal e a impessoalidade da megalópole São Paulo. Em determinado momento, a dona da galeria, Sabrina Greve, diz para o fotógrafo que “menos é mais”. E parece ser nisso que Lacca acredita, pelo menos para tecer a teia desse reencontro, que se revela mais pelo não dito e pelas informações negadas ao espectador por inteiro, ainda que sempre sugeridas ou deixadas aqui e acolá como pistas. Incomoda o fato da nudez das atrizes, inclusive frontal, enquanto o protagonista é poupado. Poderia até ser uma leitura para mais uma recusa paradoxal em relação ao fotógrafo que está para "se mostrar" em exposição para o público, mas o desconforto com essa opção estética se impõe. Só depois de assistir esse Permanência é que fui saber que ele é uma retomada da história e dos personagem do curta do cineasta, Décimo segundo - vale a pena assistir também ao curta para ver se o tal pretérito dos personagens será revelado ou se as tais mais informações continuarão "escondidas" pelo roteiro.

sábado, 16 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (015)

A volta de Jerônimo no sertão dos homens sem lei (1981)
Direção: Agenor Alves



O baiano radicado em São Paulo Agenor Alves fez história. Afinal, é o cineasta negro que, até agora, mais dirigiu longas no cinema brasileiro, só perdendo para o pioneiro Cajado Filho, carioca que nas décadas de 1940 e 50 dirigiu cinco. Agenor Alves subiu ao pódio em lugar mais alto, pois dirigiu sete: Tráfico de fêmeas (1978), Noite de orgia (1980), A volta de Jerônimo no sertão dos homens sem lei (1981), As prisioneiras da ilha do diabo (1981), A cafetina de meninas virgens – O kapanga (1982, codireção de Guilermo Vera), Lídia e seu primeiro amante (1982), Eu matei o Rei da Boca (1987). Depois de atuar, estreia como cineasta em Tráfico de fêmeas, e a partir daí dirige filmes eróticos, aventura e policial.


Em A volta de Jerônimo no sertão dos homens sem lei nosso herói, Antônio Fonzar, acabou de chegar da cidade com a esposa a tiracolo, Fátima Celibrini, para a lua de mel em sua fazenda. Só que a moça resolve passear pelas terras, encontra uma gangue de bandidos, que a estupra e mata. Os ladrões estavam a caminho de um golpe no fazendeiro vizinho de Jerônimo, chefiados pelo homem de confiança do ingênuo patrão, Hélio Souto na pele de um cigano, que foi entregar o gado em um matadouro, mas com a intenção de botar a mão na grana e dividi-la com seus comparsas. Com isso, Jerônimo sai no encalço deles para vingar a morte da esposa, acompanhado do fazendeiro e amigos da região, que tentam reaver o dinheiro e também fazer justiça. Aqui nesse filme é melhor esquecer Cerro Bravo, Moleque Saci, Aninha, e todo aquele ar juvenil do seriado da Tupi – para quem é da época – de Jerônimo, o herói do sertão (1972/73), protagonizado por Francisco di Franco e Canarinho – e mesmo o longa homônimo dirigido por C. Adolpho Chandler em 72. Pois imagina se um dia algum espectador da época iria imaginar Jerônimo todo dengoso na cama com a esposa – que não é sua mítica noiva Aninha do seriado e do primeiro longa-, em filme com cenas de sexo e salpicado de nudez dos mais diferentes quilates? O argumento e o roteiro são assinados pelo próprio Agenor Alves, mas o que ele fez mesmo foi se apossar, do seu jeito. do lendário herói do campo para fazer um filme de aventura sim, mas, como é produção da Boca do Lixo, aproveitar cada situação para tirar a roupa das moçoilas – e aí vale tanto uma cena esdrúxula na zona da cidade ou até as bem filmadas cenas de sexo entre Fonzar e Celebrini, e também entre Souto e sua parceria. Aliás, os grandes destaques são a câmera e a fotografia espetacular de Pio Zamuner, realmente um mestre na captação daquele universo rural – pena que a trilha sonora onipresente fique o tempo todo querendo destruir o mostrado, já que não se cala um só momento. Esse filme é um exemplo inconteste de como todo o universo possível de gênero e subgênero, trama e situações, foi reapropriado pelos produtores e diretores da Boca do Lixo. Mesmo que na cara dura como foi nesse A volta de Jerônimo.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (014)

Jerônimo, o herói do sertão (1972)
Direção: C. Adolpho Chadler



É praticamente impossível para quem foi criança e adolescente no início da década de 1970 e espectador da Rede Tupi não ter acompanhado as aventuras de um intrépido e corajoso justiceiro de moral ilibada na série Jerônimo, o herói do sertão (1972/73). Mais difícil ainda esquecer Francisco di Franco, em seu porte viril, como o protagonista, e seu parceiro Moleque Saci, interpretado com gaiatice por Canarinho – e mais a heroína Aninha (Eva Christian). Na verdade, a saga do cavaleiro que enfrentava um temido coronel e seus capangas na cidadezinha de Cerro Bravo já havia conquistado muitos na década de 50, na radionovela homônima interpretada por Milton Rangel. Em 1984, o SBT tentou ressuscitar o herói na novela Jerônimo, também protagonizada por Di Franco, com Eduardo Silva como o moleque e Susy Camacho como Aninha, mas não repetiu o sucesso. E é esse herói do campo que o cineasta carioca C Adolpho Chadler levou para as telas do cinema também em 1972.


Em Jerônimo, o herói do sertão nosso cavaleiro destemido e seu parceiro Moleque Saci são chamados pelo delegado e por um empresário para recuperarem um grande diamante, o Rainha do Sul, roubado por um bando de criminosos. A trilha vai levar a dupla até a fazenda da velha Tabarra e seus filhos, que em um primeiro momento se apresenta como uma bondosa mãe de família, para depois se revelar como uma vilã implacável. O que Jerônimo nem imaginava é que sua noiva Aninha viria em seu encalço e se tornaria refém dos bandidos. Se na televisão, lá nos idos de 70, a saga de Jerônimo já era vista por espectadores mirins como eu como um tanto infantilizada, imagine a impressão assistindo a esse filme da mesma época? Pois C. Adolpho Chadler levou para as telas o universo criado nos anos 50 por Moysés Weltman, que assina o argumento e o roteiro do filme, sem injetar adrenalina necessária tanto na trama quanto na direção. Também ator, ele mesmo encarna o herói, ao lado de Osório Polico como o Moleque Saci e Elizabeth Baker – ao que parce filha de Adolpho, pois consta em registros com Elizabeth Chadler – como Aninha. O grande destaque mesmo é Yara Cortes, que surpreenderia com sua perfeita vilã em A rainha diaba (1971), de Antônio Carlos da Fontoura – em contraposição a inúmeros personagens de mãezona nas novelas de TV -, vivendo aqui também uma daquelas vilãs implacáveis e sanguinárias de faroeste com toda a pompa. A cena em que ela se despe do vestido de chita e rendinhas de velhinha amorosa para revelar a calça comprida, botas e revólver na cintura é impagável. Outro destaque no elenco é a beleza de Marly de Fátima, como a a rebelde e única filha do bando, uma das musas do cinema popular. Pena que Chadler, que se deu tão bém como diretor no policial de espionagem Os carrascos estão entre nós (1968), tenha demonstrado aqui mão tão frouxa para um filme que poderia ter sido um vigoroso representante do cinema brasileiro de aventuras.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (013)

alguém... (1978)
Direção: Julio Xavier da Silveira



André Carneiro (9/05/1922 - 4/11/2014) tem trajetória importante como poeta, contista, romancista, artista plástico e fotógrafo – como poeta foi nome de destaque na Geração 45, ao lado de mestres como João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Mário Quintana e Lygia Fagundes Telles. E foi um dos pioneiros e maiores escritores do gênero ficção científica no país. Nascido em Atibaia, São Paulo, foi ligado ao cineclubismo e dirigiu filmes experimentais. Um deles é o belo Solidão (1951), representante do Brasil no festival de cinema amador na Inglaterra. É de sua autoria o conto "Mudo", adaptado para o cinema no primeiro e único longa do cineasta paulista Júlio Xavier da Silveira, alguém... (1978). 


Em alguém... Nuno Leal Maia é o estranho e enigmático Mudo, um camponês que vive e trabalha nas terras do fazendeiro Henrique Cesar e sua família formada pela esposa Rachel Araújo, em ótima composição, e os filhos do casal Denis Derkian e Myriam Rios - depois ainda chega o professor de francês Ewerton de Castro. Mudo fica horas passando a mão em plantações, como frutas e flores, e olhando fixamente para elas. O resultado? Jabuticabas, uvas, pêssegos e flores atingem tamanhos enormes, independentemente de suas estações climáticas específicas. Tido como excêntrico e até mesmo como santo por alguns moradores rústicos da região, é na Casa Grande que ele vai causar ebulição ao despertar o interesse da adolescente rica, que vai iniciar uma relação com o rapaz, que poderá significar sua rendição ou perdição. Alguém... procura instalar um registro sério e de ambiência intimista, no mundo telúrico de Mudo em contrapartida ao mundo de whisky, Elvis Presley, vitrola e lambreta da família. Tudo situado em universo com elementos do fantástico – as mutações na natureza sem explicação lógica - e um despertar da juventude nos anos 1950. Bom, mas aí Júlio Xavier da Silveira comete o primeiro pecado: a escalação de Nuno Leal Maia como o protagonista. Nuno é ator de talento e uma das caras mais legítimas do cinema dos anos 70 e 80, mas é impossível vê-lo em volta de suas uvas verdes enormes sem vir imediatamente à cuca seu matuto de O bem dotado – o homem de Itu (1977), de José Miziara. Daí fica difícil embarcar de verdade naquele universo proposto, já que a comédia rasgada de Miziara fica o tempo todo perambulando as ideias e embaçando o clima - os dois filmes são mais ou menos da mesma época, mas como O bem dotado foi sucesso e esse não, o primeiro se impõe no imaginário, Segundo: a direção não consegue ligar, em sentido orgânico, os diferentes planos da narrativa. O universo de Mudo e da casa grande até que sim por causa do fascínio recíproco entre ele a personagem de Myriam Rios – linda e muito antes de se transformar na política homofóbica atual; mas o mundo dos outros moradores, camponeses que destilam maledicência em seus repentes sobre os personagens, fica descolado do resto. Com tantos descompassos, alguém... é filme que fica pelo meio do caminho, ainda que ao terminar a gente nem saiba mesmo por onde andou ou ficou.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (012)

O gato de botas extraterrestre (1990)
Direção: Wilson Rodrigues


Heitor Gaiotti de gato com direito a rabão grosso e look antropofágico de A bela e a fera, de Jean Cocteau; Felipe Levy de rei que faz cara de que não acredita minimante nesse figurino de manto, cetro e coroa; Zezé Motta transformada em coruja; Joffre Soares de feiticeiro com estampa psicodélica; um elenco que junta Maurício Mattar, Tony Tornado, Zé do Caixão e Tônia Carreiro; e tudo embalado pela trilha sonora de Blade Runner – o caçador de androides. Ah, e ainda tem nave espacial, que parece ter sido feita mesmo de papel crepom. E o nome do filme - que é por si só uma maravilha? O gato de botas extraterrestre. Pois é, o baú do cinema brasileiro não é para amadores e tampouco minimamente assemelhado a essas comédias em pencas atuais que fazem as bilheterias tilintarem. Quer coquetel mais saboroso que esse? Ok, ok, a receita pode desandar ali e acolá, mas é muita criatividade nonsense, o que valeria anos de aprendizado por correspondência pelo Instituto Universal Brasileiro para inúmeros e empostados cineastas atuais que acham sempre que estão reinventando a roda. O responsável por isso tudo? O mineiro radicado em São Paulo, Wilson Rodrigues, diretor e também produtor da façanha.


Em O gato de botas extraterrestre somos conduzidos à fábula de Perrault reescrita pelos Irmãos Grimm, em adaptação de Rubens F. Luccheti – só que dessa vez o bamba parece ter ligado o foda-se e o roteiro morno contradiz sua habitual mente criativa. Quem deita e rola mesmo é o diretor – ainda que isso não signifique injeção de adrenalina. Na história, o dono de um moinho morre e deixa a herança para os três filhos: a propriedade para o mais velho; um burro para o do meio; e um gato para o caçula. Só que não é um gato qualquer não. Ele tem o tamanho dos marmanjos, caminha em duas pernas, e fala baldes – ainda que ninguém estranhe nada disso, seja a realeza, seja a plebe. Ele então bola um plano rocambolesco para mudar a vida de seu dono miserável - um Maurício Mattar na extrema beleza de seus poucos mais de vinte anos, dois depois de estampar – para alegria quase geral - o pau em close em O cinema falado (1986), de Caetano Veloso. O tal quiproquó o fará se tornar um marquês riquíssimo, dono de terras e de castelo,  e pretendente natural à mão da filha do rei – uma Flávia Monteiro de princesa  só no estilo caras e bocas. Bom, mais aí tem o detalhe extraterreste do título, né? E que diabos de recurso foi esse enxertado na clássica fábula? Ora ora ora, melhor não revelar, pois isso torna tudo ainda mais delirante. O  filme é creditado no "Dicionário de Cineastas Brasileiros", de Luiz F. A Miranda, com a data de 1988 – a publicação sempre prioriza a realização; mas parece que o lançamento foi só depois, em 1990. Produção infanto-juvenil que mais parece viagem de LSD em slow motion – são inacreditáveis os longos tiriricotés de rabos abanando do tal bichano pelos campos -, O gato de botas extraterrestre, se degustado com diversão zombeteira e piscadela de olho, pode se transformar em momento único. Mas aí vai depender do gosto do freguês.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Filmes Brasileiros assistidos em 2016 (011)

O predileto (1975)
Direção: Roberto Palmari



São inúmeros os filmes brasileiros que, parece, entraram num buraco negro e ficaram anos-luz de distância do público, pelo menos o atual. Como é o caso de O predileto (1975), primeiro longa do diretor paulista Roberto Palmari, ainda que premiado  como Melhor Filme, Ator, Roteiro e  e Fotografia no Festival de Gramado, e também pelo INC e pela APCA  – o episódio As três virgens do longa Contos eróticos (1976) e Diário da província (1977) são seus outros filmes. Nada mais injusto, pois O predileto é filme vigoroso desse que foi um dos homens da história da televisão brasileira – foi um dos fundadores da TV Excelsior, com passagem importante também pela Tupi. E só por ter dado o protagonismo para o notável Joffre Soares, como outros cineastas espertos também fizeram em filmes ótimos naqueles anos 70, como George Sluizer em A faca e o rio (1972), Luiz Paulino dos Santos em Crueldade mortal (1976), Carlos Diegues em Chuvas de verão (1977, e Osvaldo de Oliveira em O caçador de esmeraldas (1978)), já seria uma bola dentro.  O filme é uma adaptação do romance Totônio Pacheco, de João Alphonsus, com roteiro de Palmari e do genial Roberto Santos.


Em O predileto Joffre Soares é o velho autoritário, machista e irascível coronel Pacheco. Com a morte de sua esposa, seu filho Othon Bastos retorna à velha fazenda para um áspero reencontro com o pai. Convencido a passar alguns dias na cidade, sobretudo pelo amor que tem pelo neto, o coronel encontra na casa do filho a oposição da nora Célia Helena, que mal suporta a presença  do sogro e está interessada mesmo é na herança que poderá receber. No asfalto, a única companhia que encontra, além do neto, é do vigia de obra Abrãao Farc, até que conhece a casa da cafetina Wanda Kosmo e se encanta com Suzana Gonçalves, a prostituta Coló. O velho Pacheco é um homem rude de outros tempos, com frequência exalta seu orgulho do avô escravagista e de como derrubou sua primeira negrinha e virou homem. E é esse seu mundo sem docilidades que se choca até mesmo com o mundo miserável e ordinário das prostitutas da mãezinha Kosmo. Dentre elas, a Coló de Suzana Gonçalves, em maravilhosa atuação – com um aparente desleixo de composição alcançado com rigor - de uma atriz que abandonou a carreira artística para retomá-la só muitas décadas depois. O predileto conta com grandes atuações femininas, como a amarga e moralista de Célia Helena, a voluptuosa empregada ofendida  de Ruthinéa de Morais – tenho paixão por essa atriz -, e a mercantilista cafetina de Wanda Kosmo. Mas é na dobradinha Joffre/Suzana que o filme atinge fervura máxima. O predileto é filme que merece ser mais conhecido.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (010)

Uma longa viagem (2011)
Direção: Lucia Murat



Lucia Murat é um caso único dentre os cineastas, homens ou mulheres, pois a sua história pessoal já é um roteiro pronto – e já virou vários filmes. Durante a ditadura civil-militar, ela atuou na luta armada, foi presa e torturada, e ficou encarcerada durante três anos e meio. O primeiro sobre o tema e a partir dessa sua história, Que bom te ver viva (1988), é ainda o melhor deles. Depois dirigiu outros filmes, e em mais três retornou ao seu drama ou contexto pessoal e também de todo uma geração e um país – Quase dois irmãos (2004), Uma longa viagem (2011), e A memória que me contam (2012). A diferença deste Uma longa viagem é que nos outros ela usou atores para encarnarem ela e seus companheiros de luta, já aqui, ainda que também utilize um ator, Caio Blat, ela mesma está em cena, em primeiríssima pessoa.


Uma longa viagem é um registro familiar sobre ela e dois de seus irmãos. Com a morte do mais velho, Miguel, ela recupera as cartas que o mais novo, Heitor, um andarilho pelo mundo, escreveu para a família de diferentes países e continentes. Como Miguel era um médico com forte atuação social e Lúcia se tornara uma militante política, a mãe dos três resolve mandar Heitor para fora do país, receosa de que ele seguisse os passos da irmã. E é aí que ele inicia uma longa viagem tanto pelo mundo quanto pelas drogas, em seus mais diferentes formatos e calibres. A época que Heitor escreve as tais cartas é  grande parte do período que Lucia está presa, na década de 1970, daí, com isso, ela refaz não só a história de uma família, mas também do período mais sombrio do Brasil. Para contar essa história, a cineasta se coloca em cena junto com Heitor, que depois de tantos experimentos tornou-se esquizofrênico - informação que o filme não fornece -, ainda que bem-humoradamente lúcido. E coloca em cena também o ator Caio Blat, que encarna o irmão na juventude, não só escrevendo as cartas, como também as lendo e interpretando. O maior achado do filme reside exatamente nesse recurso, já que Blat atua em monólogo sobre projeções, seja de fotos ou de vídeos, o que causa belo efeito cinematográfico, somado à  uma maravilhosa composição do ator. Uma longa viagem é um filme premiado e comentado - no Festival de Gramado de 2011 ganhou, inclusive, o prêmio máximo de Melhor Longa e também o de Melhor Ator e Especial do Júri. Muitos se emocionam e se divertem com o depoimento de Heitor e suas cartas, já para mim esse embarque não se completa. Penso que o maior, e melhor, atrativo está mesmo na estética que a cineasta adotou para fazer a sua viagem e nos fazer conduzir por ela.

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (009)

Meu destino é pecar (1952)
Direção: Manuel Peluffo



Assim como aconteceu no Rio de Janeiro com a Cinédia e a Atlântida, São Paulo também investiu em estúdios de cinema na primeira década do século passado. A ambição dos paulistas era grande, nada menos que a industrialização do cinema brasileiro. O mais bem-sucedido foi a Vera Cruz, mas podemos citar também a Maristela e a Multifilmes.  Nas décadas de 1950 e 60, a Maristela produziu cerca de uma dezena e meia de longas, e Meu destino é pecar (1952) é um de seus títulos. Primeira adaptação cinematográfica de Nelson Rodrigues, aqui sob o pseudônimo de Suzana Flag, o filme é dirigido pelo uruguaio Manuel Peluffo. E se os outros estúdios tiveram suas musas, como Carmen Miranda e Gilda de Abreu na Cinédia; Eliana Macedo e Adelaide Chiozzo na Atlântida; e Eliane Lage e Tônia Carrero na Vera Cruz; a Maristela também teve as suas, como Vera Nunes e Antonieta Morineau.


Em Meu destino é pecar, Antonieta Morineau é Leninha, bela jovem obrigada pela madrasta a se casar com um homem que não ama, Paulo (Rubens Queiróz), devido aos problemas financeiros de sua família – inclusive para comprar uma perna mecânica para a irmã mais nova, Netinha (Nair Pimentel). Daí vai para ele com sua fazenda, onde tem que enfrentar a memória fantasmagórica de Guida, a primeira esposa, presença onipresente e sufocante na casa e na família composta, dentre outros, pela obsessiva prima do marido Lídia (Zilah Maria) e pelo irmão cafajeste e sedutor dele Maurício (Alexandre Carlos). Depois desse Meu destino é pecar várias obras de Nelson Rodrigues chegaram ao cinema, e pode-se, inclusive, notar nelas uma certa identidade estética na forma de filmá-las e no estilo de interpretação de seus personagens. Aqui, a condução é pesada, com certo ranço teatral, ainda que não descarte belos planos, como a visita de Leninha ao mausoléu da família do marido debaixo de chuva torrencial. Mas no geral Manuel Peluffo não consegue imprimir nem os elementos de horror que impregnam a narrativa, e nem faz uma eficaz direção de atores. O exemplo maior está na personagem Lídia, a mais fascinante da história, prima de Paulo obcecada pelo fantasma de Guida, que tem na interpretação de Zilah Maria um registro sem nuances – Esther Góes nadaria de braçada em interpretação maravilhosa na minissérie homônima realizada pela Globo em 1984. Já Antonieta Morineau está bem, e linda - pena que atuou só em mais um filme, o anterior Presença de Anita (1951), de Ruggero Jacobbi, abandonando o cinema depois.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (008)

A prisão (1980)
Direção: Osvaldo de Oliveira



Filmes sobre presídios formam um subgênero potente do cinema mundial e que fazem as bilheterias tilintarem – os americanos adoram. E quando a ação se passa em presídios femininos aí é que os marmanjos de plantão salivam em combustão. Sobretudo se forem as produções da Boca do Lixo nas décadas de 1970 e 80, pois daí é certo que além das brigas arranca-cabelo, as moças vão mostrar o corpo fartamente, seja em banhos de sol, seja em cenas de sexo entre elas. Dessa produção do período no pedaço paulista podemos citar dois exemplos bacanas: Escola penal de meninas violentadas (1977), de Antônio Meliande; e Fêmeas em fuga (1985), de Michele Massimo Tarantini. E, acima de todos, temos A prisão (1981), de Osvaldo de Oliveira, o mais famoso deles, inclusive com carreira internacional. É que o filme rodou mundo em uma cópia, não sei se pirata ou não, com as belas/feras dubladas, e que é a versão assistida com legenda em português. Veterano nome do cinema brasileiro com passagem por diferentes áreas técnicas - com importante carreira como fotógrafo -, como diretor o Carcaça, como era chamado, diversificou-se em muitos gêneros e subgêneros: dramas, comédias, policial, faroeste, cangaço, sertanejo, aventura, sátira, e, claro, os filmes de presídio.


Em A prisão, a loiraça – ainda que as partes pudicas traiam a psiquê blondie – Maria Stela Splendore é a diretora lésbica e sádica do recinto, que comanda sua detentas com direito a sessão de torturas e de amassos. Tudo isso para espanto de sua assistente, a bela Neide Ribeiro, a única estrela do elenco que não protagoniza cenas eróticas, no máximo aparece nua em uma cena. Entre as detentas têm piteuzinhos como Márcia Fraga, Daniele Ferrite e Nádia Destro, todas feitas de gato e sapato pela diretoria, que inclui Marta Anderson – a melhor do elenco – como uma enfermeira tresloucada viciada em éter. Por fim, tem ainda Meiry Vieira, como uma escravagista que compra as meninas em dólar para seu desfrute sexual. A prisão não economiza em cenas de torturas, nudez, sexo entre as garotas ou entre elas e as carcereiras. E quando a ação avança, cenas de sexo explícito também marcam ponto na narrativa. Todas aquelas mulheres deixam de ser gente para se transformarem em objetos de prazer e de sadismo, não à toa são rebatizadas e chamadas por números e não mais por nomes. Para além do gozo e da exploração de seus corpos, há, no roteiro de A prisão, um entendimento crescente de que aquele mundo é real e que toda aquela gente está submetida apenas a sua sorte. E isso dentro ou fora da prisão, seja como encarceradas, como fugitivas ou como mercadoria comprada, pois quando não penam e morrem entre os muros, penam e morrem sob as garras de seus novos donos. Quando dão o último suspiro, assassinadas por colegas, pela diretoria ou por quem as compra o destino é a vala rasa ou como comida de peixe. E daí, vai se instalando um certo desconforto frente ao mostrado, num misto de tristeza e excitação doentia.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (007)

Os carrascos estão entre nós (1968)
Direção: C. Adolpho Chadler


O baú do cinema brasileiro é mesmo infinito e inacreditável. Sempre que se fala sobre nazistas em nossos filmes vem de imediato o notável Aleluia, Gretchen (1975/76), de Sylvio Back. Mas aí tem esse Os carrascos estão entre nós, que C. Adolpho Chandler dirigiu, e protagonizou ao lado de Atila Iório, em 1968. Há muito sei sobre esse filme, mas só agora tive oportunidade de assisti-lo. E as surpresas só aumentam ao ler a ficha técnica. Afinal, o filme foi produzido pela Cinedistri de Oswaldo Massaini, e ainda tem como associados a união daqueles que foram os dois galãs mais famosos das chanchadas da Atlântida, Anselmo Duarte e Cyl Farney. Não é demais!  A variedade das produções da Boca do Lixo é um capítulo a parte na história do nosso cinema, e ainda tem desavisado que acha – sim, ainda tem gente que pensa isso -, que por lá foi só mesmo filme de mulher pelada.


Em Os carrascos estão entre nós, em 1944 alguns nazistas se refugiam no Brasil, com direito a transporte em submarino, operação plástica em pleno bordo, e explosão do cujo para não deixar pistas do refúgio dos monstros de guerra. E com direito também a um Átila Iório encarnando um alemão com sotaque e tudo. Sim, porque se no Cinema Novo ele foi o nordestino retirante de Vida secas (1963), na Boca o buraco é mais embaixo, e aí ele ganha cabelo aloirado e vilania germânica. No encalço desses criminosos, que se escondem no país e agem em uma secreta irmandade chamada de Aranha, estão dois policiais detetives, um brasileiro interpretado pelo próprio Chadler, e um americano interpretado pelo gringo Larry Carr. Esse último acaba por se envolver com a misteriosa Eva, em bela aparição e atuação de Karin Rodrigues. O filme  conta com vigorosa fotografia p&b de Afonso Viana e a elegância de Erlon Chaves na trilha musical, o que já nos apresenta a ambiência que permeará o mostrado já nos créditos. Com sua narrativa em labirinto, que mais esconde que clareia, Os carrascos estão entre nós é uma produção curiosa sobre um tema apropriado, já que sabemos que a América do Sul foi mesmo destino para os criminosos nazistas, como foi o caso de Josef Mengele no Brasil - o terrível médico do Riech conhecido como "Anjo da Morte". E muito sintomático que a Boca do Lixo, nicho riquíssimo para a proliferação da diversidade do cinema brasileiro, tenha se detido sobre o tema.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (006)

Sinal Vermelho: as fêmeas (1972)
Direção: Fauzi Mansur


Fauzi Mansur é mesmo um cineasta que merece ser mais comentado. Não só em relação aos seus pares dentro do modelo de produção da Boca do Lixo, mas no cinema brasileiro como um todo. Há uma elegância na forma como filma e apresenta seus personagens que o torna quase único na Boca nesse registro. E há ainda um viés existencialista muito perceptível em seus filmes, que vai desaguar com toda a sua força no seu maior momento, A noite do desejo (1973). Os planos são pensados, nunca atirados a rodo. A fotografia não tende a realçar o mostrado, mas embuti-lo de significados, que, muitas vezes, não estão nas falas e nem na ação, mas dentro da persona daqueles homens e mulheres que trouxe á cena. E isso já está em seus primeiros filmes, como Sinal vermelho: as fêmeas (1972), que marcou a estreia de Vera Fischer no cinema.


Em Sinal vermelho: as fêmeas vemos um Sérgio Hingst – um dos atores mais interessantes do nosso cinema - sisudo, ofendido e dissimulado. O motivo ele conta para a esposa, a lindíssima Marlene França: a firma ganhou muito dinheiro, inclusive ás minhas custas, e agora eles, a diretoria, resolvem fechar o negócio, e eu, como fico? É aí que resolve aplicar um grande golpe contra os ex-parceiros e para isso contrata uma turma da pesada chefiada por Ozualdo Candeias e com a presença de um David Cardoso em crise. Depois do roubo, ele coloca todos em uma casa de praia a fim de que a poeira abaixe.  Ficam lá a esposa, a filha, Vera Fischer, e o bando – além de Candeias e Cardoso, Roberto Bolant, Enoque Batista. O que seria apenas um esconderijo vira uma bolha de alta combustão, inclusive sexual. E, mas que isso, nada é tão preto no branco como aparenta. Sinal vermelho: as fêmeas é filme policial jamais rasteiro, e não muito simples de acompanhar, já que vai e volta em sua narrativa, exigindo atenção da plateia. Fauzi Mansur não facilita o jogo ao público de seu cinema popular, aposta, acertadamente, na sua inteligência.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (005)

Coração materno (1951)
Direção: Gilda de Abreu


Gilda de Abreu é capítulo importante na história do cinema brasileiro, e, para as mulheres, fundamental. Afinal, é uma das pioneiras na direção de longa-metragem no país; Cléo de Verberena foi a primeira com O mistério do dominó preto (1930), e Carmen Santos começou a dirigir antes de Gilda seu sonhado Inconfidência Mineira (1939/48), mas só o concluiu depois. E Gilda não debutou nas telas dirigindo um filme qualquer, foi nada mais nada menos que o arrasa-quarteirão O ébrio (1946), arrastando multidões aos cinemas na época. O filme é uma adaptação da canção homônima de sucesso - e da peça originada dela - de seu marido, o cantor e compositor popularíssimo Vicente Celestino, protagonizado pelo casal. Seu passaporte para o cinema foi um caminho derivado dos palcos, onde se consagrara como cantora de operetas, além de empresária e diretora. Soma-se a isso o fato de ter causado também em sua estreia como atriz de cinema no bem-sucedido Bonequinha de seda (1936), de Oduvaldo Vianna, uma produção do estúdio carioca Cinédia, o mesmo que produziu sua estreia como cineasta. Com essa carreira avassaladora, Gilda então leva, em seu segundo longa, mais uma adaptação de uma canção do marido, que também já originara peça de teatro, Coração materno (1951).


Coração materno, a música, seria prato cheio para um filme de horror, afinal conta a história tenebrosa de um casal em que, para provar seu amor, a mulher exige do amado que ele arranque o coração de sua própria mãe para oferta-la. Só que nas mãos de Gilda de Abreu essa história maravilhosamente sugestiva e horripilante virou um melodrama dos mais carregados, e o tal gesto tresloucado não passa de uma simbologia na trama – que é melhor não revelar. Coração materno é a história de amor entre um camponês bronco e uma jovem rica prometida em casamento a um conde falido. Maliciosa, ela, Julieta, faz gato e sapato daquele que a amou desde criança, até descobrir/assumir que também morre de amores por ele, Carlos, um homem abandonado em uma igreja e criado pelo padre – por isso é conhecido como o Enjeitado. Na época das filmagens, Gilda tinha entre 46/47 anos, e Celestino entre 56/57, mas isso não os impede de encarnar jovens moços suspirantes de amor, às voltas com encontros e desencontros, o que tira grande parte de identificação com a história. Amor materno tem produção caprichada, com cenários e figurinos condizentes com o pretendido, mas se afoga no roteiro pesado – também de Gilda – e na interpretação carregada de Celestino. Infelizmente, não chega perto do que foi/é O ébrio, o cartão de visitas do casal nas telas. Um adendo: só em 2003 a história contada na canção Coração materno ganharia seu registro de horror no acachapante curta Amor só de mãe, dirigido por Dennison Ramalho.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (004)

O prazer do sexo (1982)
Direção: John Doo


Berço por excelência do cinema popular, a Boca do Lixo produziu muitos filmes de diferentes gêneros e subgêneros. Um deles foi as famosas pornochanchadas. Só que pornochanchada é cinema popular, mas cinema popular não é pornochanchada. É também - como se sabe pornochanchadas são aqueles filmes em que tudo gira em torno de sexo gratuito sem acrescentar nada à história, apenas pretexto para tirar a roupa das mulheres e mostrar peitinhos, coxas e bumbuns. Se a década de 1970 foi o período para a produção dessa enorme gama de filmes na Boca, quando entram os anos 80 chegam os filmes pornôs. E aí, com o perdão do trocadilho infame, a Boca cai de boca no filão, o que se torna um caminho sem volta. As musas em quase sua totalidade abandonam o pedaço, e o mesmo vale para astros e alguns cineastas. Outros diretores aderem ao novo estado de coisas assinando sob pseudônimo ou não. O prazer do sexo (1982), de John Doo, se situa aí. Notável diretor de filmes de horror, como o longa Ninfas diabólicas (1979), e o episódio O gafanhoto (do longa Pornô, 1981), Doo também marcou presença como ator em vários filmes – tem ótima atuação no clássico O pasteleiro (1981), episódio dirigido por David Cardoso no longa Aqui, tarados!.


O prazer do sexo é mais uma parceria entre Ody Fraga e John Doo, o primeiro no roteiro e o segundo na direção. Mas se a dobradinha funcionou em outros momentos, aqui deu xabu, Mesmo porque o interesse maior dessa vez é a junção da mais reles pornochanchada com os filmes de sexo explícito que já batiam ponto na Boca. A estranha relação entre pai (Rubens Pignatari) e filho (Carlos Milani), que só conseguem se divertir juntos em noites de sexo com prostitutas, poderia até render caminho interessante vide a folha corrida criativa da dobradinha Fraga/Doo se o modelo de produção fosse outro. E quando na primeira cena ouvimos The winner takes it all do ABBA, e mais adiante One day in your life com os Jackson 5, a gente até pensa que vem coisa boa.  Mas não dessa vez, em que o fiapo de história – os dois se apaixonam, o pai por Zaíra Bueno e o filho por Márcia Aoki, o que desanda a velha parceria de farra – é recheado com cenas de sexo explícito que nada tem a ver com a trama. Faz até pensar no famoso recurso de algumas produções da Boca que enxertaram cenas explícitas em pornochanchadas depois de concluídas no período para tentar faturar na bilheteria. Zaíra Bueno, sempre bela, assim como em Coisas eróticas (1981) - o marco definidor do período pornô dirigido por Raffaele Rossi - não participa das cenas explícitas. Sem saber para que lado caminha, O prazer do sexo não vai para lugar nenhum, nem diverte como em algumas pornochanchadas, nem excita. Ainda no elenco feminino, Ana Maria Kreisler, como uma desinibida prostituta, e Áurea Campos como a governanta Consuelo.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (003)

Até o último mercenário (1971)
Direção: Penna Filho


O produtor, ator, roteirista e diretor paulista Ary Fernandes parecia ter afeição pelo universo das forças armadas brasileiras, pelo menos por uma ideia de heroísmo que via em seus integrantes. Isso sem falar, claro, no apreço pela aventura, gênero importante habitado por heróis dos seriados da época que eram exibidos nas telas dos cinemas de rua. Na década de 1960, criou o marco televisivo O vigilante rodoviário, série que fez muito e merecido sucesso na época sobre a polícia rodoviária, revelou Carlos Miranda, o Vigilante, e sobrevive até hoje em interesse fílmico. Depois, criou ainda a série Águias de fogo, dessa vez sobre a força aérea. Por isso, nada mais coerente do que produzir o longa Até o último mercenário em 1971, dirigido por Penna Filho – com quem assina o roteiro – e protagonizado pelo mesmo Carlos Miranda. Mas se em O vigilante rodoviário o interesse persiste até os dias atuais é porque lá, além do pioneirismo histórico, havia um interesse em desenvolver os personagens que cruzavam o caminho do herói em cada episódio, o que humanizava a narrativa. Já aqui...


Em Até o último mercenário Carlos Miranda é o policial destacado para descobrir, investigar e desbaratar uma quadrilha de contrabandistas chefiada por Luciano Gregory e Marlene França – amada atriz e musa que Ary descobriu ainda adolescente para o filme Rosa dos ventos (1957), de Alex Viany, do qual era diretor de produção -, e mais alguns "habitués" do gênero das produções da Boca do Lixo como Tony Cardi, Genésio de Carvalho e Betinho. Há ainda a repórter que acompanha o caso enquanto suspira pelo policial, estreia no cinema da bela Elaine Cristina; e seu irmão adolescente aprendiz de detetive, Reginaldo Vieira, o Tuca da série televisiva. Mas não pensem que o entrecho amoroso ou mesmo a prisão da quadrilha é que estão mais valorizados na narrativa não - para se ter uma ideia, o policial segue os bandidos na espreita, mas de berrante camisa vermelha... O que a direção de Penna Filho estampa em holofotes garrafais é o aparelhamento da polícia militar, com direito à cenas de treinamento/desfile de cães, sala de instruções, exibição de maquinário e veículos de guerra, campanas, ataques coreografados em grupos e etc. Isso tudo com direito a trilha sonora bélica, o que, mais que constranger, deixa um gosto amargo já que aqueles – a época do filme – eram os temidos anos de chumbo. Desconforto que aumenta ainda mais com o texto de agradecimento final aos homens valorosos da polícia por manter a Ordem e o Progresso do Brasil. Mesmo se dessemos desconto para isso tudo, ainda assim o filme realmente não decolaria, pois o gênero policial - bela página do cinema brasileiro - e mesmo a aventura estão aqui apresentados sem vigor e sem maiores elaborações. Ary Fernandes é um nome importante do cinema popular, mas Até o último mercenário não é, nem de longe, um de seus melhores feitos.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 20016 (002)

Belas e corrompidas (1977)
Direção: Fauzi Mansur


Fauzi Mansur é um cineasta subestimado do cinema brasileiro. Sua culpa no cartório? Ser um dos cineastas da Boca do Lixo, que, ainda que seja grande, foi por isso renegado por grande parte da crítica da época. Afinal a Boca só fazia pornochanchada de quinta, né? Santa ignorância. Foi principalmente com o advento da internet, sobretudo com sua popularização, que toda uma constelação desse período fértil do cinema paulista veio à luz em sua grandeza – além do público, né, que lotava os cinemas e não estava nem aí para os caretas de plantão. E Fauzi é um deles. Mesmo que tivesse dirigido apenas A noite do desejo (1973) - que foi premiado -, já teria seu nome assegurado no cinema brasileiro. Uma das facetas interessantes da carreira do cineasta é formada pelos seus filmes de horror. Belas e corrompidas (1976), que alia o terror à farsa, é um desses exemplares.


Em Belas e corrompidas Maria Isabel de Lizandra é uma mulher solteira e misteriosa que vive em seu casarão com a fiel governanta corcunda, Stella Maia, e o irmão boêmio, Luigi Picchi. Socialmente, Isabel - mesmo nome da atriz - é a presidente pudica e respeitosa de uma associação beneficente, mas o que as donas de casa carolas integrantes do grupo nem imaginam é o que acontece dentro daquelas paredes do casarão, para onde a benemérita atrai suas vítimas. E aí dá-lhe machadinhas, punhais, estiletes, morcegos, escorpião, guilhotina, e, claro, sangue para todo lado. Alguns homens circulam em torno daquela que os jornais apontam como a Mulher Fera: o policial apaixonado por ela, Fernando Reski; o cego amante de Tula, a corcunda, doido para apalpar a patroa, Carlos Reichenbach; o auxiliar de açougueiro que suspira de amor e tesão, Carlos Bucka; e por fim o irmão farrista que quer por que quer vender o casarão, Luigi Picchi. O filme tem roteiro do bamba Marcos Rey e de Mansur, que na direção aposta em cenas noturnas, muita chuva, escuros e cores quentes para compor a atmosfera de horror sexual. Maria Isabel de Lizandra e Stella Maia estão bem em sua cumplicidade macabra, em elenco que segura a peteca. É claro que a polícia tinha todas as evidências para descobrir desde o início quem é a tal Mulher Fera por causa das inúmeras “coincidências” que ligam as vítimas ao casarão. Mas quem disse que Belas e corrompidas está interessado nas evidências do entrecho policial?  O filme só cai quando abandona o horror para apostar na farsa em sua conclusão no julgamento inverossímil até mesmo para a condução do mostrado até então. Ainda assim é filme que se assiste com interesse, tanto pelo desenrolar da trama quanto pelo destino de seus personagens.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (001)

Que estranha forma de amar (1977)
Direção: Geraldo Vietri


Importante teledramaturgo, Geraldo Vietri fez história na TV brasileira. Afinal, qual outro autor que além de escrever novelas também as dirigia e as editava? Essa façanha rendeu grandes sucessos na fase áurea da Tupi, em obras como Antônio Maria (com Walter Negrão, 1968/69), Nino, o italianinho (com Walter Negrão, 1969/70), A fábrica (1971/72) e Vitória Bonelli (1972/73). Com o fechamento da Tupi, foi para a Globo em 1980, onde escreveu Olhai os lírios do campo, adaptada do romance homônimo de Érico Veríssimo, mas como não conseguiu o controle sobre a obra como tinha na antiga emissora, desentendeu-se com o diretor Herval Rossano e acabou deixando a novela antes de seu final. Antes da TV estreou no cinema, onde dirigiu 13 filmes, a maioria atualmente sem possibilidades de acesso – seu primeiro filme é Custa pouco a felicidade (1952). Sua carreira cinematográfica é pontuada por comédias (na primeira fase), filmes de época (adaptações literárias e filme histórico, na segunda fase), e dramas urbanos (terceira fase). As comédias continuam inalcançáveis, mas alguns filmes das fases seguintes foram lançados em VHS e recuperados pela Cana Brasil. Os dramas urbanos – Adultério por amor (1978), Os imorais (1979, o ponto alto da carreira), e Sexo, sua única arma (1981) – formam o melhor do seu cinema.


Que estranha forma de amar (1977) é filme da segunda fase, aqui uma adaptação de Iaiá Garcia, de Machado de Assis. Assim como em Senhora (1976) e em Tiradentes, o mártir da Inconfidência (1976), há no filme uma condução excessivamente conservadora, tanto no roteiro quanto na direção. Vietri costumava trabalhar em seus filmes com seu elenco da Tupi, daí temos nomes habituais do seu universo, como Paulo Figueiredo, Márcia Maria, Dina Lisboa, Wilson Fragoso e Jonas Mello. E tem como protagonista Berta Zemmel, que havia brilhado em Vitória Bonelli, uma de suas melhores novelas. Não li o livro de Machado por isso não saberia dizer sobre o protagonismo na obra literária, mas no filme todo o foco recai sobre a Estela de Berta Zemmel, uma mulher que terá que abrir mão duas vezes de seu grande amor inconfesso, o jovem Jorge de Paulo Figueiredo. Na primeira vez para a Guerra do Paraguai, por incentivo da mulher abastada que a criou e mãe dele, Dina Lisboa - para afastar o filho de um inconveniente casamento fora da sua classe social; e na segunda para a enteada, a Iaiá, Solange Theodoro (acima da idade da personagem e excessivamente infantilizada e saltitante, com direito a laços enormes na juba), quando a percebe apaixonada pelo rapaz. O elenco é experiente, mas a direção pede gestos dramáticos, muitas vezes caros ao melodrama – há de se destacar Márcia Maria, que está belíssima e compõe sua Eulália, apaixonada por Jorge e preterida por ele, com sutileza e meios tons de melancolia e elegância. Ainda que o tom solene prejudique o mostrado, a espinha dorsal do cinema de Vietri está lá – pelo menos o possível de conhecer de sua obra: uma crítica à estrutura familiar, que para se manter apoia-se em tradição, convenções, valores de autoproteção e hipocrisia. A Estela de Berta é uma mulher vítima dessa estrutura, que a faz "não existir" - se vê como uma criada pela família que a criou e quando se torna enteada de Iaiá escuta desta em momento chave - ainda que o amor seja correspondido entre as duas -, que ela não é sua mãe. Em Que estranha forma de amar todos os personagens estão infelizes, mesmo aqueles que não "sabem" dessa infelicidade, pois não a querem ver.