sábado, 29 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (126)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

126 - O Beijo no Asfalto (1980), de Bruno Barreto *****

As adaptações da obra de Nelson Rodrigues nos anos 1980 são quase um capítulo à parte na cena cultural brasileira. Se o genial escritor e dramaturgo já era gigante no teatro e nas crônicas dos jornais desde o início, já vinha sendo adaptado para o cinema desde os anos 50, e tinha bagunçado o coreto com força nos 70 - com os filmes de Arnaldo Jabor, Toda Nudez Será Castigada (1972) e O Casamento (1975), e A Dama do Lotação (1978), de Neville D´Almeida - nos 80 invadiu o audiovisual com força total. Quase ao mesmo tempo vários filmes no cinema mais novela e minissérie na TV trouxeram para o cotidiano dos brasileiros de uma só vez seu impactante universo e sua singular galeria de personagens gente como a gente, só que vistos pelo buraco da fechadura. É a época dos filmes de Braz Chediak - Bonitinha, Mas Ordinária ou Otto Lara Rezende (1980), Álbum de Família (1980), e Perdoa-me Por Me Traíres (1981); de Neville D´Almeida - Os Sete Gatinhos (1980); de Haroldo Marinho Barbosa - Engraçadinha (1981); a novela O Homem Proibido (1982), de Teixeira Filho; e a minissérie Meu Destino É Pecar (1984), de Euclydes Marinho. E é a época também desse O Beijo no Asfalto, de Bruno Barreto. O filme conta a história de Arandir - Ney Latorraca, um pai de família comum que tem a vida revirada de ponta à cabeça depois de atender o pedido e beijar um homem agonizante em via pública. O episódio é explorado pelo jornalista Amado Pinheiro - Daniel Filho - e pelo delegado Cunha - Oswaldo Loureiro - dois mau-caráter com interesses próprios e que perseguem Arandir e sua família a qualquer preço. Em meio a isso, ainda tem as relações familiares e de desejo entre Arandir e sua esposa Selminha - Christiane Torloni, a cunhada Dália - Lídia Brondi, e o sogro - Tarcísio Meira. A época de lançamento de todos esses filmes era ainda a época dos cinemas de rua - ou seja, quando o cinema tinha importância política e social muito maior que a que tem hoje, pois consumido por todas as classes, e em estado diverso desse mundo atolado em novas tecnologias e com acesso a um acúmulo de informações mas pouco conhecimento. Daí que ver Nelson Rodrigues no cinema, e quando chegar em casa vê-lo também na TV, era não só oportunidade única para mirar o olho para o que comumente se esconde debaixo do tapete, como também ver refletido na rua e no doce lar lados de nossa face nem sempre apaziguadoras. Parte da crítica da época torceu o nariz para o filme, classificando-o de acadêmico. Mas para quem deu de ombros e embarcou nesse labirinto movido a desejos secretos, preconceitos e interesses sórdidos, não só viu Bruno Barreto se despedir de sua primeira e melhor fase como cineasta - só em 1987 voltaria a fazer um GRANDE filme, Romance da Empregada - como também um belo trabalho de atores, de fotografia assinada por Murilo Salles, de música inesquecível de Guto Graça Mello, e de roteiro de Doc Comparato. Fora que ainda tem Lídia Brondi (em cena do filme na foto) em seus vinte aninhos e uma das ninfetas mais desejadas do país. E ese alguém ainda tinha dúvida disso, o filme não deixa de provar essa condição de musa em cada fotograma em que ela aparece. Aliás, a câmera parece mesmo amar a atriz e a eterniza em closes fabulosos, um pouco como se já soubesse que não a teríamos por mais muito tempo, já que Brondi abandonoria a carreira uma década depois.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 28 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (125)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

125 - Floradas na Serra (1954), de Luciano Salce ****

O cinema registrou para sempre algumas de nossas Grandes Damas do Teatro, como Dulcina de Moraes em 24 Hora de Sonho (1941), de Chianca de Garcia, e Alda Garrido em Dona Xepa (1959), de Darcy Evangelista. E foi assim também com Cacilda Becker nesse Floradas na Serra, de Luciano Salce. Última e tumultuada produção da primeira fase da Vera Cruz, o filme é um melodrama dos melhores feitos por nosso cinema. A história é prato cheio para o gênero, com o amor acontecendo inesperadamente na vida de dois tuberculosos, Cacilda e Jardel Filho, e tendo como cenário uma pensão de luxo e um sanatório público na Campos do Jordão, cidade propícia para a cura da doença pelo verde abundante- e é bom frisar que na época a tuberculose era um mal sem tantos recursos de cura como temos hoje. Adaptado do belo, primeiro e premiado livro de Dinah Silveira de Queiróz, o filme tem roteiro assinado pelo roteirista e cineasta Fabio Carpi, um dos italianos que a Vera Cruz recrutou e que décadas depois dirigiria o comentado O Quarteto Basileus, já na volta à Itália. Tanto o roteiro de Carpi quanto a direção elegante de Salce fogem das tintas pesadas comumente presentes em muitos melodramas, a não ser aqui e acolá, como na personagem Belinha de Gilda Nery. Cacilda Becker tem a postura trágica que assenta como uma luva para a sua impulsiva e geniosa Lucilia. A trama gira em torno dela, uma mulher que ao visitar Campos do Jordão resolve ficar por lá para descansar e descobre quase sem querer que está tuberculosa. O que em princípio seria uma promessa de vida de paz em meio às floradas se revela, depois da doença, como prisão tediosa. As coisas mudam com a chegada de Jardel Filho, também doente, mas que por ser pobre se interna no sanatório público, enquanto ela, rica, fica retirada na pensão de Marina Freire. Lucília se agarra a Bruno como se agarrasse à própria vida, mas como todo bom melodrama, a consumação do amor pode ser dolorosa ou até não se concretizar - se não há engano, no livro o destino dos dois é ao contrário, não? Cacilda Becker se empenhou pessoalmente na conclusão de Floradas na Serra, cuja produção foi interrompida várias vezes, reflexo dos últimos momentos difíceis da Vera Cruz. Sua entrega é total e isso pode-se presenciar assistindo ao filme e constatando que é mesmo impossível desviarmos os olhos dela. Não só porque está presente de ponta a ponta, mas porque seu magnetismo é mesmo impressionante. Ainda que tenha ótimas presenças de Ilka Soares, Marina Freire, Jardel Filho e John Herbert, além de Gilda Nery e uma Célia Helena novinha e quase irreconhecível, nossos olhos só abandonam Cacilda quando a GRANDE Lola Brah surge com sua habitual elegância e altivez, aqui em delioso personagem, Olga, uma das pacientes e que adora tomar todas - não à toda recebeu alguns prêmios de Melhor Atriz Coadjuvante, valendo os de Melhor Atriz para Cacilda e outros de coadjuvante para Gilda Ney. A direção de fotografia de Ray Sturgess e a câmera de Jack Lowin e Sidney Davies ajudaram Salce a contar de forma magistral essas história de amor entre sãos e doentes, o que para os últimos era quase que sinônimo de condenados na época, e fazer de Floradas na Serra um dos marcos do cinema nacional e despedida em grande estilo das produções da primeira fase da Vera Cruz.


Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grande damas da tv (58)


Lélia Abramo.





Salve Salve!

domingo, 23 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (124)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

124 - Aqueles Dois (1985), de Sergio Amon ****1/2

Dedes tempos imemoriais que os gays brasileiros são chamados de veados, o que por sua vez tem identificação no número 24 do jogo do bicho - que como o samba, o futebol e o carnaval é cartão de visita amado ou não da cultura nacional. Daí a graça involuntária do número dessa postagem. Atualmente, para muitos, a única estética possível para os gays é o de pessoas discretas e masculinizadas ou bombadas. É bom mesmo que as pessoas saibam que um homo não é nem mais nem menos homem que um hetero. Mas é bom que essa gente saiba também que ser mais ou menos homem não tem nada a ver com ser discreto, masculizado, bombado, efeminado, chamativo, bichinha ou boneca. As pessoas devem ser do jeito que elas querem ser. Inclusive para esse gays discretos, masculinizados e bombados que se equecem que só podem circular hoje com uma certa liberdade porque foram esses efeminados, chamativos, bichinhas e bonecas que sempre deram a cara para bater, e muito das conquistas de hoje devem-se a eles. Pode não haver desejo entre as partes, mas há de se ter respeito. Esse belo Aqueles Dois, de Sergio Amon, fala muito sobre isso. Não sobre o embate entre gays, mas sobre o escárnio - eterno? - dos heteros sobre os gays, e do medo que homens e mulheres têm da sexualidade. E fala, sobretudo, das sutilezas que existem em uma relação como a que é mostrada. Raul e Saul começam a trabalhar em uma repartição pública no mesmo dia. Raul é extrovertido, adora boleros espanhóis e de Dalva de Oliveira, confraterniza-se com os colegas, e até engata um pega sem muita vontade com uma funcionária. Já Saul é introvertido, fica na dele, saiu de uma tentativa de suicídio, e gosta mesmo é de assistir filmes velhos na TV. As paradas para o cafezinho de garrafa térmica no serviço vão aproximar os dois, e mais que devia pelo julgamento dos colegas de trabalho. Começam aí os cochichos, as piadinhas e o escárnio da repartição, e a descoberta de identificação e de afetos entre os dois. Produção gaúcha da Z Produtora, que reuniu integrantes de ampla experiência no Super-8 do pedaço, o filme tem na ficha técnica nomes muitos conhecidos desde então: Giba Assis Brasil na co-assistência de direção; Sérgio Daniel Lener na co-produção executiva; Rudi Lagemann na co-produção executiva e na co-direção de produção; e Cesar Charlone na direção de fotografia. Baseado no conto Aqueles Dois - História de aparente mediocridade e repressão, do GRANDE Caio Fernando Abreu, o filme tem roteiro de Pablo Vierci e de Amon. Há, lógico, muitas diferenças entre filme e conto, sobretudo no universo interior dos personagens, mas a base exterior da mediocridade da repartição - o deserto de almas, como Raul e Saul a chamavam - mantém-se. Protagonizado belamente por Pedro Wayne - Saul, dublado por Werner Schunemann, e Beto Ruas - Raul, o filme foi premiado no Rio Cine Festival 1985 e no Festival de Fortaleza no mesmo ano. Aqueles Dois é uma pequena jóia, que sem grande arroubos aposta no tempo da delicadeza para falar de pressões e de pulsões internas e externas, de amor, de vida e de morte.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (125)


Rosanna Schiaffino.




Nu!!!