sábado, 17 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (90)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

090 - O Menino e o Vento (1967), de Carlos Hugo Christensen *****

Normalmente, os filmes comentados aqui são publicados na ordem em que são vistos. Mas após a palavra Fim do que acabou de ser assistido agora ficou impossível obedecer qualquer método e hierarquia - e daí deixou uns três para trás. Há certos filmes que se impõem de forma avassaladora tamanha a força embutida neles, e que, parece, ficam maiores que a vida. Como esse belíssimo O Menino e o Vento. Em época tenebrosa em que o sexo ficou refém de estimulantes, em que as religiões o perseguem mais que professoras de catecismo enlouquecidas, e em que o papa e todo o clero se afogam publicamente em seu próprio veneno, filmes libertadores como esse deveriam banir compêndios de castração e serem exibidos em praça pública. É impressionante e gigante o talento de Carlos Hugo Christensen, esse cineasta argentino que ficou maior que sua terra e daí criou geografia própria, filmando também no Chile, Peru, Venezuela, e, para sorte nossa, radicalizando-se no Brasil em 1954. Sua filmografia é notável, e quando traz a literatura para as telas faz filmes embebidos de mestres como Aníbal Machado - Viagem aos Seios de Duília (1964), e esse O Menino e o Vento; Carlos Drummond de Andrade - Enigma para Demônios (1974); Jorge Luis Borges - A Intrusa (1979). O Menino e o Vento começa com a maria fumaça trazendo Enio Gonçalves de volta para a cidade mineira de Bela Vista, onde correu um processo à sua revelia e onde terá seu julgamento final. A acusação? o desaparecimento do adolescente Zeca da Curva - Luiz Fernando Ianelli, com quem manteve relacionamento estreito quando passou 28 dias em férias no local. Os moradores acusam-no de abuso sexual e assassinato, suspeita de crime homossexual reforçada e alimentada por Wilma Henriques, a dona do hotel que se apaixona pelo engenheiro, sem ser correspondida. Além de produzir e dirigir, Christensen assina o roteiro com o genial Millôr Fernandes - responsável pelos diálogos. O texto é realmente uma beleza, ainda mais dito pelo talento de Ênio Gonçalves, mais lindo que nunca e perfeito no papel com toda sua carga simbólica. O garoto Ianelli, que viria a atuar em outros filmes do cineasta, também surpreende como o amante do vento, elemento capaz de confortar e libertar suas descobertas do corpo e da sexualidade e que encontra eco nas revelações intímas e mais profundas de Ênio. Wilma Henriques, a Grande Dama do Teatro Mineiro, também acerta no tom da dona de hotel que tem o desejo desperto e sedento por reciprocidade a quaquer custo. Todos eles são açoitados pelo vento, que se revelará para eles e para a cidade como força libertária ou como força de punição - décadas depois Walter Lima Jr realiza o belo A ostra e o Vento (1997), em que esse último também age como agente propulsor da sexualidade. Outro destaque do filme e que impressiona é a bela fotografia de Antônio Gonçalves, com closes que invadem rostos e revelam o que se quer esconder como se atravessasem almas. Baseado no conto O Iniciado do Vento, de Aníbal Machado, o filme é momento luminoso na cinematografia nacional e um dos grandes da década de 1960. Afinal, não é todo dia que a sexualidade é retratada em nossas telas com tamanho vigor, poesia, complexidade e beleza como nesse estupendo O Menino e o Vento.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 16 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (89)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

089 - Independência ou Morte (1972), de Carlos Coibra ***

Se há algo irritante e vergonhosamente reducionista é quando sapecam a frase clássica quase como se sacassem o revólver: o cineasta tal é um bom artesão. Sobretudo pelo duplo sentido que há nessa fala e no modo de dizê-la, algo mais ou menos como faz bem, mas não passa disso. E quase nunca é em sentido mais amplo, quando se utiliza dela para contextualizar um pensamento. No sentido primeiro há aí mais camadas que as que compõem uma cebola: de preconceito, de superficialidade, de descaso. Na ditadura do cinema de autor, é como se uma outra forma de fazer cinema em que o estilo não fique tão evidenciado, ou pelo menos sutilmente evidenciado, fosse desde já menor e não merecedora de olhar mais cuidadoso. O cineasta Carlos Coimbra é um desses casos, pois adoram chamá-lo de bom artesão, em sentido dúbio - e dá até para ver o ar blasé e superior quando dão a canetada final. E quando o assunto é esse Independência ou Morte, filme que ele dirigiu, roteirizou e montou, e que Oswaldo Massaini produziu em 1972, ano do sesquicentenário da indepêndencia, aí é que a porca realmente torce o rabo. Acusado de retrato oficial da versão histórica a serviço da ditadura militar, o que nos faz imediatamente link com os velhos livros de história e cadernos de moral e cívica, essa pecha apressada acabou por encobrir os vários méritos do filme. É verdade que o quiproquó palaciano em torno de Dom Pedro I e a independência nos faz bocejar muitas vezes, mas a forma como Tarcísio Meira encarna o imperador e os acontecimentos depois que o contador crava 40 minutos de filme faz com que os lampejos de sono sejam varridos para o lado de lá. Em relação ao primeiro ponto é importante ressaltar o belo trabalho de ator de Tarcísio Meira no filme. Talentoso e mais pão do que nunca, ele bafeja um ar inconsequente e de Don Juan de botequim em seu Pedro que nos conquista de imediato. Já os tais 40 minutos é a marca em que aparece Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos, momento em que esse Independência ou Morte vai para outro patamar, como no do outro casal torto e conturbado da história, aquele formado pelo Contratador João Fernandes e Xica da Silva. Glória Menezes está muito bem na personagem, mas esse salto não é só por isso, já que o filme tem também outro grande trabalho de atriz, o de Kate Hansen como a Imperatiz Leopoldina. O grande mérito é porque o aparecimento de Domitila é quando Dom Pedro I chuta o balde de vez, e o que poderia ser apenas um retrato oficial, como tantos injustamente o acusam, dá novo tom para o filme, que fica muitos decibéis acima quando traz essa história de amor para a boca de cena, e deixa lá no Ipiranga os outros acontecimentos. E, consequentemente, é também quando a Marquesa de Santos desaparece, em belíssima cena de despedida cruel já nos estertores, que o filme retrocede para o clima daqueles pré-40 minutos e muito de seu interesse se dissipa. Independência ou Morte tem produção caprichada, elenco idem, e muito mais méritos que os urubus de plantão sempre, e insistentemente, negaram-lhe e continuam negando.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quinta-feira, 15 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (88)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

088 - Rota Comando (2009), de Elias Junior *1/2

Impossível desassociar esse Rota Comando, de Elias Junior, de Tropa de Elite (2007), de José Padilha. Seja pelas similaridades, seja pelas diferenças. Tropa é sobre a polícia de elite do Rio de Janeiro, o BOPE - Batalhão de Operações Policiais Especiais, e Rota é sobre a de São Paulo, a ROTA - Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. Há nos dois filmes o uso da narração de um policial, no primeiro do Capitão Nascimento, no segundo do policial Assis, e ambos mostram o cotidiano deles com a família. O filme de Padilha é baseado no livro Elite da Tropa, de Braulio Mantovani, e o de Elias Junior em Matar ou Morrer, do ex-capitão da Rota, e deputado, Conte Lopes. No primeiro há um elenco de atores conhecidos e desconhecidos, no segundo o elenco é todo desconhecido do grande público. Tropa é grande produção e custou mais de 10 milhões, Rota é independente e custou menos de um milhão - fala-se em 500 e 750 mil. Agora, a grande diferença está mesmo no gênero, pois ainda que os dois focalizem polícia versus bandidos, Tropa de Elite está mais para o filme policial e Rota Comando para o filme de ação. Como se sabe, a complexidade de um roteiro pode ser desenvolvida em qualquer gênero, até mesmo no cinema infantil. Mas na comparação entre a trama policial e a trama de ação, costuma-se ter mais espaço para essa complexidade no primeiro, já que o segundo prioriza mais a própria ação. Daí, se Tropa de Elite suscita toda uma discussão moral e ética e mesmo sobre quem emite e paga a fatura na instauração da violência urbana germinada e alimentada pelo mundo das drogas - com direito à ai ai ai de ponta a ponta se o filme é fascista ou não, nesse Rota Comando é tudo preto no branco. Aqui, polícia é polícia, bandido é bandido, e a mulata não é mesmo a tal. E a filosofia da ROTA e a do filme de Elias Junior fica clara em fala emblemática lá pelas tantas: "no mundo há dois lados, o do bem e do mal. E se você escolheu o segundo, saiba que um dia a Rota vai te pegar. E para nós, não importa se você virá na nossa patrulha sentado ou deitado". A trama começa com o policial Assis sendo baleado para, em flashback, acompanharmos as investidas da Rota no seu dia-a-dia, e, sobretudo, no embate com três marginais: Vadão, Alemão e Ceará. O primeiro trocou o Rio por São Paulo, de onde traz seus excessos de violência e sadismo. O segundo é o chefe do morro, que se envereda pela prática do sequestro. E o terceiro, que também veio do Rio, é daqueles que mantém negócio de fachada para comercializar as drogas. Em Rota Comando não há espaço para discussão sobre de onde vem o mal e o porquê daquele estado de coisas, a Rota existe para caçar bandidos. Aqui quem tem voz é a polícia, gênese no livro de origem de Conte, ao contrário de outro livro famoso sobre o tema, o Rota 66, de Caco Barcellos. E como o próprio cineasta já disse, no filme a polícia é o mocinho. Daí, quando um policial morre há todas as honras, bandeira nacional e salva de tiros. No caso do bandido só há o terceiro, e a salva de tiros é nele mesmo. Em Rota Comando impressiona a boa produção desse longa de estreia de Elias Junior, ainda mais levando em conta ser independente - e o mérito maior vem daí. O diretor revela pegada para as cenas de ação, mesmo que em desfile de cenas-clichê - quem aprecia filme de ação pela ação, independente do contexto, pode se entreter. Falta dizer que há um conhecido na ficha técnica do filme sim: Paulo Ricardo, ex-RPM, na trilha sonora - com direito a participação de Andreas Kisser, do Sepultura.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (116)


Cybill Shepherd.




Nu!!!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (87)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

087 - Cipriano (2000), de Douglas Machado **

Como já foi dito mais de uma vez aqui, nada contra atores globais ou figurinhas carimbadas - aqueles que batem ponto em tudo quanto é filme. Agora, é claro que quando vemos um elenco completamente desconhecido e o vemos dando conta direitinho do recado, dá-se uma alegria enorme. Mesmo porque, como no canto da sereia, o Brasil não é só verde anil e amarelo, mas também cor-de-rosa e carvão. E por isso, o cinema tem mesmo é que brotar em cada rincão desse país, para daí nossa complexa geografia não ficar reduzida tão em massa na ponte aérea - já que de concentração, basta a assassina de renda. Como esse Cipriano, que foi anunciado como o primeiro longa feito no Piauí. A rigor, o filme fica um pouquinho abaixo dos 60 minutos, e só chega aos 70 porque intercala cenas de making off durante os créditos finais. As primeiras cenas são acachapantes. De cara vemos o protagonista e narrador Vicente, um doidim deitado na água só com a cara de fora e emitindo sons incompreensíveis. E como na narração ouvimos seu fraseado perfeito, essa ilógica do visto e do ouvido já faz sensação inquietante. Depois, a câmera passa para três daquelas velhinhas carcomidas, como parece que só tem mesmo no sertão, sentadas à frente de um barracão de adobe e entoando suas incelências. São duas cenas belas e de poesia bruta, um abre-alas para contar a história da família de Cipriano -Tarcisio Prado, e seus dois filhos, Bigail - Vilma Alcântara e Vicente - Chiquim Pereira. Cipriano é um velho que sonhou inquietamente a vida inteira e que agora resolveu não sair mais dessa esfera. Ele não fala e faz-se como morto, pelo menos para o doidim Vicente, que o renega como pai, ao contrário de Bigail, que continua cuidando/velando os dois, pai e filho. Os filhos tem como meta e destino chegar a um cemitério em frente ao mar, onde o velho Cipriano poderá bater as botas de vez e ser enterrado. A forma como o roteiro e a direção escolheu para contar essa história foi a partir de uma série de sonhos, território do sujeito e objeto da ação. E é aí que o filme se fragiliza. Não se sabe se por falta de grana - bem possível, ou mesmo por opção estética, os elementos que compõem essas criaturas da noite, como demônios e a própria morte, são mal resolvidos diante aos outros recursos cênicos da narrativa. Usar cospidores de fogo como demônios e dançarino contemporâneo andrógino para simbolizar a morte não é só primário, como também de efeito manjadíssimo. Há ainda um outro efeito utilizado em algumas cenas como se a ação dos personagens se revelassem através das células, o que também revela-se completamente desassociado do resto. Por vezes Cipriano faz lembrar o impactante Crede-Mi (1997), transposição de O Eleito de Thomas Mann para o sertão dirigida por Bia Lessa e Dany Roland. Só que aqui percebemos logo que o olhar é de dentro, o que faz parentesco com outro filme notável da década de 1990, O Sertão das Memórias (1996), de José Araújo. Cipriano, porém, é inferior aos dois. E se fica gigante quando acha seu caminho - como na cena em que volta a mirar Vicente na água, dessa vez levando cócegas das piabas que fazem insinuante bailado em volta de seu rosto - noutras vezes se apequenina, sobretudo quando deixa de lado esse olhar de dentro e sai muito para fora de seu registro orgânico. Ainda assim é filme de proposta corajosa e louvável.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (51)


Tereza Rachel.




Salve Salve!

terça-feira, 13 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (86)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

086 - Nem os Bruxos Escapam - O Resgate (1975), de Valdi Ercolani ****

É difícil entender porque certos cineastas de talento fazem poucos ou mesmo apenas um único filme. Ainda mais quando a partir desses poucos ou mesmo um filme ficamos imaginando até onde poderia ir a carreira desses diretores quase invisíveis. Como o gaúcho Valdi Ercolani, que perambulou por São Paulo, Rio de Janeiro, Madrid, Londres e Paris e depois voltou ao país para, nos anos 1970, montar a produtora Filme Três, responsável por esse seu único filme de ficção. Na trama, Nildo Parente, Paulo César Pereio, Erico Vidal e Luiz Linhares formam uma turma de bandidos que sequestra um garoto para botar a mão em um milhão de resgate. Durante a fuga, o carro enguiça e eles vão parar no que restou de uma fazenda onde vivem Elza Gomes e sua neta Cristina Aché. Enquanto escondem suas identidades e a do menino e convivem com as duas mulheres, a cobiça se instaura e planeja, sorrateiramente, eliminar o número máximo possível de concorrentes da bolada. Esse Nem os Bruxos Escapam tem elenco dos deuses. A começar por Elza Gomes, magnífica atriz em mais que merecido papel de protagonista e premiada no Festival de Brasília. Ela é daquelas velhinhas adoráveis, mas que numa bobeada nossa é capaz de enfiar a faca fundo em nossas costelas. Aqui ela tem um papel sob medida, e quando altera a voz inigualável e o arfar do peito na mesa de jantar em desabafo de ódio, a gente respira em suspenso, pois minutos antes servira um frango ao molho pardo no melhor estilo grande mama - o que também nos faz olhar para os pratos com cuidado para ver se não tem veneno neles. Depois tem Cristina Aché, linda linda linda e em inicinho de carreira. Desde sempre talentosa, ela dá um frescor irresistível para sua Isabel, cujo sonho - sugestionado por Erico Vidal - de ir para o Rio de Janeiro fazer publicidade é, antes de tudo, para poder comprar todos os produtos da Avon. E ao ficar em dúvida se faria sucesso na cidade maravilhosa, Vidal nocauteia com declaração deliciosa: claro que sim, as mulheres bonitas vão para Rio de Janeiro, e as feias mudam-se para São Paulo. Parente, Pereio, Linhares e Vidal também estão ótimos e fazem a cama para a ambiência desse filme notável, mas quase escondido - ainda que muito premiado: Brasília, Governador do Estado, APCA. Esse Nem os Bruxos Escapam, que tem o subtitulo O Resgate, é mais um belo exemplar do cinema policial dos anos 1970. Pena que lá pelas tantas o roteiro, de Ecorlani e Isabel Câmara, mistura rastros de Psicose e de O Caso dos Dez Negrinhos naquela fazenda decadente e saudosa de seus tempos de safra e põe quase tudo a perder. Só que antes dele caminhar para o desfecho, a sedução de bom cinema mostrado é tanta, que só nos resta constatar, mais uma vez, que ainda que um ótimo final pode salvar um filme e um péssimo final pode destruir, há aqueles que se instalam feito posseiros em nosso coração, independente de seus destinos.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

segunda-feira, 12 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (85)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

085 - Grande Sertão (1965), de Geraldo Santos Pereira e Renato Santos Pereira *1/2

Imaginem adaptar para o cinema Dom Casmurro, mas deixar de lado o embate se Capitu foi adúltera ou não? Sim, isso é possível, só que aí já não seria mais a obra-prima de Machado de Assis. Pois foi mais ou menos assim que os irmãos Santos Pereira fizeram com Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Para eles, a relação conflituosa de Riobaldo com Diadorim, devido à atração indesviável do primeiro pelo segundo, foi para as cucuias, já que com meia hora de filme se sabe que ela é mulher, e o centro da ação mesmo é a vingança contra Hermógenes, que matara o pai do falso moço. Com isso, o filme é, antes de tudo, um ajuste de contas entre jagunços, ainda que o narrador Riobaldo de Maurício do Valle faça lá suas digressões roseanas - "viver é negócio muito perigoso", "sertão, esses seus vazios". Fosse uma história original, daria para apreciar esse faroeste de jagunços engolfados em poeira e tiros no sertão das Minas Gerais, pois tem produção caprichada, música de Radamés Gnatalli, fotografia de José Rosa, e atores como Sonia Clara, Luigi Picchi, Joffre Soares, Milton Gonçalves, Zózimo Bulbul, além de do Valle. Mas o livro é gigante demais para esquecermos da fonte, o que nos faz arregalar os olhos enquanto assistimos a redução da complexidade da história em movimento retilineo mais que uniforme. Na trama, Riobaldo leva vida sossegada com o padrinho, mas ao encontrar Riobaldo quando o bando de Joca Ramiro pernoita na casa, segue destino irrefreável, vira jagunço e entra no bando. Quando Hermógenes mata o chefe, Riobaldo jura vingança e, junto com Reinaldo/Diadorim e os outros jagunços, vai em captura do traidor. Os gêmeos mineiros Renato e Geraldo Santos Pereira desenvolveram a carreira em Minas à frente da Vila Rica Cinematográfica, primeiro co-dirigindo e depois atuando como produtor do outro enquanto um deles dirigia. No livro Ciranda Barroca, citado no Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antônio Leão, Geraldo diz que depois da afinação da direção em dupla no primeiro filme, Rebelião em Vila Rica (1958), a experiência em Grande Sertão desafinou com muitas divergências entre eles, que não mais repetiram a co-direção - entre outros filmes de cada um, Geraldo dirige, em 1976, o interessante O Seminarista. A literatura impecável e sofisticada de João Guimarães Rosa teria mais sorte no cinema na obra-prima A Hora e Vez de Augusto Matrága (1965), de Roberto Santos, e em outros belos filmes como Cabaret Mineiro (1980) e Noites do Sertão (1984) - ambos de Carlos Alberto Prates Correia, Outras Estórias (199), de Pedro Bial, e Mutum (2006), de Sandra Kogut.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

domingo, 11 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (84)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

084 - No Meio da Rua (2005), de Antonio Carlos Fontoura *

Ah, as boas intenções... O cinema pode investir na contação de história e pode investir na pesquisa de linguagem - e muitas vezes o melhor resultado é quando essas duas frentes se encontram. Agora quando quer passar mensagem, muitas vezes dá-se com os burros n`água. Como esse No Meio da Rua, de Antonio Carlos Fontoura. Aqui, na forma de recados: pais, não se esqueçam que seus filhos são crianças, e ao invés de atolá-los em uma agenda de cursos disso e daquilo e cobrá-los um futuro de campeão, ofereçam amor e amparo; ou, a favela é difícil, tem criminalidade e seus problemas, mas é também legal, tem moradores trabalhadores e bacanas, e oferece geografia pulsante de vida. Bom, tudo isso pode ser verdade e é algo que ninguém presta mesmo muita atenção, tanto os pais psicologizados de hoje em dia quanto aqueles que adoram ver o morro apenas como ninho de violência. Só que transformar isso em bom cinema requer muito mais que cartilha reducionista, pois afinal diz o bom e velho ditado que de boas intenções o inferno está cheio. Esse No Meio da Rua focaliza o encontro entre o menino bem nascido do asfalto, que corre de um lado para o outro entre escola, aula de computação e de tênis, e o menino do morro que faz malabarismo no sinal de trânsito para conseguir um trocado para o sustento da família. O primeiro é cobrado pelos pais, que adoram ter conversas de adulto com o filho e cobrar responsabilidade do pequeno, enquanto este demonstra precoce estado de stress. O segundo tem pais ausentes, assume com as irmãs o núcleo familiar, tem que se virar no trampo do sinal enquanto se desvia do aliciamento do mundo das drogas, mas mantém o brilho no olhar e a cara de criança feliz. Em uma das paradas no sinal, o primeiro fica amigo do segundo, empresta para ele o game que o pai trouxe dos states, mas este é surripiado pelos fogueteiros do tráfico. Daí, os dois novos amiguinhos resolvem esquadrinhar o morro para recuperar o jogo, no melhor estilo amizade sem fronteiras. Antonio Carlos Fontoura tem carreira das mais interessantes dos anos 1960 aos 80 - Copacabana Me Engana (1969), A Rainha Diaba (1974), Espelho de Carne (1984). Mas dos 90 para cá, seus filmes nem fazem sombra a vitalidade da primeira fase. O susto fica maior porque ele continua assinando o roteiro de seus filmes, e daí ficamos imaginando se ele perdeu a mão de vez, pois também como roteirista a qualidade vem ladeira abaixo - ainda mais que nessa seara brilhou também na TV, em séries memoráveis como Ciranda Cirandinha (1978) e Plantão de Polícia (1979/81). Os meninos podem até ser bonitinhos - Guilherme Vieira e Cleslay Delfino - mas o elenco adulto também não ajuda muito, com um Tarcísio Filho cada vez mais parecido com o pai, mas sem sua presença de impacto, e uma Flávia Alessandra ainda sem o domínio do registro do cinema. E algumas soluções do roteiro e da direção para referendarem a tese descrita acima constrangem. Como para mostrar que a favela é legal e não é esse perigo todo, colocam as donas sambando ou funkiando em cada esquina em pleno dia de feira e um patético chefe do tráfico correndo esbaforido atrás dos meninos. Ou como para mostrar que pais precisam acordar para a realidade dos filhos, encenam redenção do olhar sobre o menino visto até então como pivete de rua para convidado de honra para os banhos de piscina no condomínio de luxo. Ok, é uma opção de cinema infantil distante da realidade embusteira dos filmes da Xuxa - por exemplo. Mas o cinema de um diretor como Antonio Carlos Fontoura pode muito mais que isso. Muito mais.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo