sábado, 15 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (117)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

117 - O Cortiço (1978), de Francisco Ramalho Jr **1/2

Se comparar livro e filme é viagem inútil e equivocada, quando o caso é como esse em que temos um dos mais esplendorosos romances da literatura brasileira aí é pura covardia. Lançado em 1890 pelo maranhense Aluísio Azevedo, O Cortiço é um marco do naturalismo e obra-prima líterária. Para quem já leu ou releu, como se esquecer de personagens absolutamente de carne, osso e suor como João Romão, Rita Baiana, Jerônimo, Bertoleza, Firmo e Pombinha? Em 1945, o veterano Luiz "Lulu" de Barros foi o primeiro a levar a saga dos desvalidos personagens para as telas, já a segunda só foi posta a cabo mais de três décadas depois. Dirigido por Francisco Ramalho Jr, também importante produtor de filmes como Das Tripas, Coração (1982), de Ana Carolina, e O Beijo da Mulher Aranha (1985), de Hector Babenco, aqui ele se fez de produzido, pois levantar um filme desse porte demandou alto investimento, que foi bancado pelo produtor Edgar Castro. Na história, Armando Bógus - João Romão - é um português que comanda com sovinice e mau-caratismo a venda e o cortiço onde vivem funcionários e agregados de sua pedreira, além de explorar Jacira Silva - Bertoleza, negra com quem dorme e trata como escrava. Ao lado, mora a família de Maurício do Valle - Barão Miranda, no melhor estilo Casa Grande & Senzala, e objeto de desejo de ascenção social de João Romão. Quando Mário Gomes - Jerônimo - chega ao cortiço com a esposa, Betty Faria - Rita Baiana - se apaixona perdidamente, esquentando ainda mais os ânimos do lugar e atiçando a ira do seu amante Marcus Vinícius - Firmo. O Cortiço reuniu nas telas um dos casais mais explosivos daquele momento, Betty Faria e Mário Gomes, que vinha de sucesso absoluto na novela Duas Vidas (1976/77), de Janete Clair. Na época, inclusive, cirulou boato infame envolvendo o astro e uma inadequada cenoura, e depois creditado a dor de corno de marido traído. Betty e Mário funcionam bem, ainda que o roteiro, também de Ramalho, não esteja à altura da matriz e não dê conta das matizes dos personagens - pelo menos uma cena de sexo dos dois à beira mar é tesuda. O Mesmo pode se dizer de Armando Bógus, que ainda que repita registro de interpretação, compõe bem seu João Romão. De resto, todos os outros personagens somem e os atores idem. A força do livro está no delineamento perfeito de cada personagem, ainda que para se confundirem e se misturarem naquela caldeira do diabo do cortiço, onde todos os seus dramas são encenados, revividos, julgados, punidos ou absolvidos. É o ambiente que manda na vida rude e crua dos habitantes do fétido lugar, todos eles explorados em sangue por João Romão. Só que do jeito que o roteiro ficou, não vemos muita força nem no conjunto e tampouco no individual. É importante ressaltar que na primeira metade o filme anda bem, e percebe-se lastro de pulsação no que é mostrado. Mas a medida que a história avança, o vigor vai desaparecendo, quando o contrário é que deveria imperar - o destino de Bertoleza então, um dos personagens mais impactantes, fica parecendo picolé de chuchu. Um dos pontos altos é Rita Baiana, a música envolvente de John Neschling na voz quente de Zezé Motta, e que extrapolou o filme e fez sucesso no rádio na época.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (123)


Lilian Gish.




Nu!!!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (116)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

116 - Com Licença Eu Vou à Luta (1986), de Lui Farias *****

Na década de 1980 dois livros autobiográficos sobre jovens foram levados ao cinema e balançaram o coreto: Com Licença Eu Vou à Luta, de Eliane Maciel, e Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva. O de Paiva foi dirigido por Roberto Gervitz em 1988 e fez muito sucesso com a história de superação de Marcelo, que fica tetraplégico depois de um mergulho de cabeça. Já o de Maciel, realizado dois anos antes por Lui Farias, também foi muito comentado e premiado, e é sobre a luta de uma adolescente contra a sua família pelo direito de existir. Em Com Licença Eu Vou à Luta, Fernanda Torres é Eliane, uma garota de 15 anos em permanente conflito com sua família formada pela mãe Marieta Severo, o pai Reginaldo Faria, a avó Yolanda Cardoso, e a tia Tânia Bôscoli. A relação entre mãe e filha é sempre tensa e agressiva, e o embate vai à estratosfera quando Eliane se apaixona por Carlos Augusto Strazzer, um desquitado quinze anos mais velho que ela e adepto da macrobiótica. O roteiro de Lui Farias -com participação de Alice Andrade, Marcos Magalhães, Fernanda Torres, Marieta Severo e Roberto Farias - é primoroso e nos coloca dentro daquela casa explosiva em Nilópolis, na Baixada Fluminese. Com história muito anos antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, fosse hoje Strazzer ia ser acusado de pedofilia e trancafiado para alegria de Marieta que não suporta aquele homem horroroso, barbudo, de dentes ruins, e adepto de comida esquisita, como ele gosta de frisar. Em alguns momentos, sobretudo no início, a gente quase dá razão para ela devido ao jeitão largado do moço, com seu camisão largo, bicicleta velha, e invariável chaleira de cházinhos apaziguadores. Mas com o andar da carruagem, ele vai sendo mais humanizado pelo roteiro, enquanto ela vai ficando cada vez mais e mais histérica. Além do roteiro e da direção, outro diferencial é a qualidade do elenco. Reginaldo Faria, o pai, é um militar mais que à beira de um ataque de nervos, que no fundo parece torcer pela liberdade da filha, mas que fica perambulando em outra esfera de realidade formada por catatonia e breves despertar de ira. Marieta Severo, a mãe, faz aquelas donas de casa de subúrbio engolfadas em vida ordinária, não só pela má qualidade geográfica, mas também pela pobreza de vida interior encurrada e sem saída. Yolanda Cardoso, a avó, usa seu talento expansivo para composição daquelas tipicas senhoras que mordem e assopram, que podem afagar e afogar. Tânia Bôscoli, a tia, é representante da esposa comumente de olho roxo e pré-Delegacia da Mulher. Carlos Augusto Strazzer, o namorado, faz biotipo de mal partido que faz sogras arrepiarem até a medula. E Fernanda Torres... Bom, Fernanda Torres mostra em potencial exuberante porque é, mesmo, uma das maiores atrizes de sua geração - e que é geração fabulosa, com nomes como Débora Bloch, Andréa Beltrão, Giulia Gam, Malu Mader, Cláudia Abreu, Julia Lemmertz, Denise Fraga, Ligia Cortez, Iara Jamra, Claudia Gimenez e Bete Coelho. Encarnando papel difícil, pois a adolescente Eliane poderia parecer insuportável ou resvalar para a vítima inocente aos olhos do público, estereótipos que a atriz evita o tempo inteiro com sua interpretação cheia de nuances. Na época, inclusive, Fernanda Torres foi capa da Veja, ou será a Isto É?, que a saudou como a Garota das Telas, pois protagonizava também A Marvada Carne (1985) de André Klotzel, Eu Seu Que Vou Te Amar (1986), de Arnaldo Jabor e Palma de Melhor Atriz No Festival de Cannes, além de participação especial em Sonho Sem Fim (1986), de Lauro Escorel. Em todos eles Fernanda está arrebatadora e alça seus personagens em momentos luminosos, como faz com essa sua Eliane Maciel, personagem que terá contrapartida masculina anos depois, ainda que em registro diferente, do Neto de Rodrigo Santoro em Bicho de Sete Cabeças (2000), de Laís Bodanzky. Na trilha sonora, a canção-tema Já Fui, um petardo poético cantado por Marina Lima e composto por ela e pelo irmão Antônio Cícero. Com Licença Eu Vou à Luta é ótimo filme sobre extrato quase nunca focalizado pela lente dos nossos cineastas atualmente: os conflitos sociais, psicológicos e existenciais de uma família proletária não subjugados apenas ao contexto da violência.


Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quinta-feira, 13 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (115)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

115 - Por Incrível Que Pareça (1986), de Uberto Molo +

Tim Rescala é um funcionário do baixo escalão de uma usina nuclear. Depois de futucar o nariz e coçar as partes pudentas, ele se tranca no banheiro para sentar no trono enquanto lê em voz alta as tirinhas do Hulk. Quando o sinal de alerta avisa acidente radioativo, todos abandonam o local, mas ele não consegue sair. Enquanto vira caso de governo, pois as autoridades não querem que a notícia vaze, ele sofre novo acidente ao ser transportado de ambulência e sua cabeça se separa do corpo, ficando perdida debaixo de um banco de praça. Daí, acompanhamos a cabeça de Tim Rescala, que socorrida por uma patinadora, vai se apaixonar por ela, passando depois por outras situações de sonho, de realidade e de viagem de canabis. Esse Por Incrível que Pareça começa até bem, parecendo aqueles filmes de ficção científica em que funcionários robotizados circulam por corredores azulados. Mas a boa impressão fica só aí mesmo, pois depois o filme descamba por completo, sem saber para onde ir. Nem como fantasia o roteiro de João Carlos Motta funciona, pois mesmo nesse registro espera-se uma lógica orgânica que a sustente. Aqui fica tudo na esfera do inverossímel, cuja entonação infantil do talentoso Tim Rescala ajuda ainda mais no naufrágio. Há uma busca pela denúncia social, com pré-descamisados fazendo passeata em lixão comandada por um constrangido Gianfrancesco Guarnieri, e também um tom político-existencial, com máximas de auto-ajuda proferidas por Tim, que despiroca tudo ainda mais. E mesmo na fábula de amor entre a bela e a fera não há um fotograma sequer dessa relação inverossímel que convença - a patinadora de Tereza Mascarenhas, atraente, mas cheia de caras e bocas, e a cabeça de Tim Rescala . O único que consegue impor presença é o GRANDE Joffre Soares, um fuçador de lixão que anda com um violino velho a tiracolo e que vive a conversar com vozes que ninguém mais ouve. Por Incrível que Pareça quer sugerir algo extraordinário, mas com legitimidade de interesse real já no título. Só que o que fica de incrível mesmo é capacidade de conseguirmos chegar até o final de seus longúissimos 100 minutos.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quarta-feira, 12 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (114)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

114 - Prá Ficar Nua, Cachê Dobrado (1977), de Élio Vieira de Araújo **

Sinônimo de modernidade, sobretudo para o cinema yuppie dos anos 1980, a metalinguagem também foi encarada pela comédia erótica dos anos 70. Ainda que de forma curiosa, mas sem deixar de ser antropofágica e autofágica, o uso dela nesse Prá Ficar Nua, Cachê Dobrado já dá as caras no próprio título. Isso porque na trama, vemos o embate entre um diretor e um produtor, já que o primeiro quer fazer um filme de arte, ao contrário do segundo, que exige uma pornochanchada. Como se sabe, era uma realidade o tripé das pornochanchadas e comédias eróticas formado por produtor/diretor/exibidor. E, na maioria das vezes, o último garantia a exibição do filme apenas comprando um título, que depois veríamos quase nada ter a ver com a trama. O título desse vem da boca de uma das figurantes, que cansada de apenas mostrar o corpo e entrar nos filmes muda para sair calada, brada em ato feminista enviesado: Prá Ficar Nua, Cachê Dobrado! Esse é apenas um elemento da metalinguagem que será desenvolvida no filme inteiro, já que a equipe de filmagem - diretor, produtor executivo, chefe das figurantes, atrizes, câmera - ficará discutindo sobre esse gênero o tempo todo. Como trilha de gato e rato, a equipe, chefiada pelo diretor Ivan de Almeida, vai fingir que está realizando um filme erótico quando o produtor Carlos Kurt estiver presente - e que está mais é de olho na butique da estrela principal - inclusive filmando sem filme, enquanto realiza o filme de arte A Louca da Praia. A antropofagia irônica está no fato de que a equipe prova que é possível fazer um filme de arte como se fizesse um erótico, usando os mesmos componentes, como atrizes e técnicos - e o riso sardônico na ponta da boca está aí em cutucada ao dito cinema sério e elevado. Mas a autofagia está presente pois cutuca também a pornochanchada e a comédia erótica, já que reserva o sucesso para o resultado final do filme que realmente estavam fazendo, ou seja para o filme de arte. Protagonizado por Olívia Pineschi - casada com diretor Élio Vieira de Araújo e ótima e divertida presença no filme, Ivan de Almeida - versátil e talentoso ator, e Carlos Kurt - que aqui encontra personagem ideal para seu estilo caricato de interpretação, esse Prá Ficar Nua, Cachê Dobrado é produção curiosa e pouco conhecida. E prova inconteste que as pornochanchadas e comédias eróticas também sabiam rir de si mesmas.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (55)


Wanda Stefânia.




Salve Salve!

terça-feira, 11 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (113)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

113 - Ganga Zumba (1964), de Carlos Diegues *****

Ganga Zumba marcou a estreia de Cacá Diegues em filmes de longa-metragem com a história de escravos que vivem a dura realidade de sua condição, mas que sonham fugir para viverem no Quilombo dos Palmares, onde todos são iguais. São, dentre eles, Antonio Pitanga, Eliezer Gomes e Cartola, mais as duas escravas pelas quais Ganga Zumba vai se apaixonar, Léa Garcia e Luiza Maranhão. Depois de sofrimentos no tronco e nas mãos de feitores e dos capitães do mato, Eliezer Gomes conscientiza seus pares sobre questões como justiça e liberdade, e guiados por Jorge Coutinho partem em busca do Quilombo. Durante a fuga eles são perseguidos sem trégua, em trajetória inciadora que confirmará Ganga Zumba como líder de seu povo. Nenhum outro cineasta não negro - pelo menos não totalmente - se debruçou com tanto foco sobre essa cultura como Cacá Diegues. E aí tanto vale para filmes específicos sobre ela, como esse Ganga Zumba, Xica da Silva (1976), Quilombo (1984) e Orfeu (1999), como também reservando papéis para atores negros sem que os personagens assim exigissem, como o delegado de Milton Gonçalves em Um Trem Para as Estrelas (1987), e a dubladora de Zezé Motta em Dias Melhores Virão (1989) - e que é o que sempre deveria ser. Já que, em grande parte, seja no cinema ou, principalmente, na televisão, hordas de atores negros são recrutadas quase sempre mesmo para filmes e novelas de época e que contém escravos. Ganga Zumba é uma belíssima estreia, pois é filme que jamais espetaculariza os negros e faz registro duro e seco, ainda que sem abrir mão da poesia. Com roteiro do GRANDE Leopoldo Serran - mais Rubem Rocha Filho e Cacá - o filme é baseado em romance de João Felício dos Santos, o mesmo de Xica da Silva. Todos os atores estão ótimos, com Eliezer Gomes confirmando o talento revelado em Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias, Antonio Pitanga segurando com pulso firme mais um protagonista, Jorge Coutinho com o porte e elegância apropriados como o guia, e um surpreendente Cartola como ator. Já no elenco feminino, Luiza Maranhão impõe sua beleza altiva, mas quem rouba a cena mesmo é Léa Garcia - são marcantes vários de seus momentos, como o seu cantarolar, a cena de amor com Pitanga no rio, o arrastar no chão para apanhar o leque, o encontro com o escravo fugido. Não à toa, Léa se tornou uma das principais musas do cineasta, ao lado de Zezé Motta. Com tantos destaques, um dos maiores desse Ganga Zumba é, com certeza, a majestosa música de Moacir Santos, com participação nos vocais de Nara Leão - inesquecível, impactante e irresistível.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (122)


Jacqueline Bisset.




Nu!!!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (112)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

112 - Cidade Oculta (1986), de Chico Botelho ***1/2

Nem por você, nem por ninguém, eu me desfaço dos meus planos, quero saber bem mais que meus 20 e poucos anos, já avisava Fábio Jr ali na virada de década, dos 1970 para os 80. Quem tinha vinte e poucos anos viu, na chamada década perdida, a chegada do videocassete, da Aids, das boates gays de música eletrônica, do fim da ditadura, dos yuppies, do BRock, do Rock in Rio, do Blade Runner de Ridley Scott, da Betty Blue de Jean-Jacques Beineix. E no cinema nacional, viu, sobretudo, o Eu Sei Que Eu vou Te Amar (1986), de Arnaldo Jabor, o Anjos da Noite (1987), de Wilson Barros, A Dama do Cine Shangai (1987), de Guilherme de Almeida Prado, e Cidade Oculta, de Chico Botelho. Eles são mesmo a cara dos anos 80. Esses filmes de Barros, Prado e Botelho passaram para a história como o nosso neon-realismo, e como é de praxe rotular, e nivelar, tudo por aqui, nossas cabeças pensantes tascaram esse rótulo que colou feito visgo para sempre. Mas para quem, na época, queria saber dos seus 20 anos e poucos anos, ou exatamente não sabia o que fazer com eles, esses filmes foram o repouso de um guerreiro estimulado por bolinhas - ou por cocaína, dependendo do peso da carteira - e que viu ali a roupa que lhe cabia. A Shirley Sombra, o Anjo e o Japa foram heróis de companhia para o desajuste e a busca de um caminhar alternativo e pretensamente moderno. Vividos, respectivamente, por Carla Camurati, Arrigo Barnabé e Celso Saiki, eles são os personagens desse Cidade Oculta, de Botelho, embebido até a medula no universo dos quadrinhos, do neon e da fumaça. Todos eles hibernam durante o dia e saem à noite, que é quando a cidade se faz oculta e torna-se geografia de pertencimento. No começo, Arrigo Barnabé está deixando a cadeia depois de uma cana de sete anos por involuntário tráfico de drogas. Ao botar o pé do lado de fora ele vai saber à forceps que só mesmo esse submundo o caberá. Daí, voltará a se envolver com o amigo Celso Saiki, agora um traficante de fato e chefe de uma guangue, e cairá de paixão pela dançarina e bandida Carla Camurati, ao mesmo tempo em que serão perseguidos pelo policial corrupto Cláudio Mamberti. Como se vê, a trama desse Cidade Oculta é policial, mas aqui o que vale mesmo não é tanto a história, mas como se conta essa história - o que é, afinal, ou pelo menos deveria ser, o cinema. A fotografia e a câmera de José Roberto Eliezer se ajustam intimamente à estética construída com o diretor e à música pulsante e cortante de Arrigo Barnabé - como não fazer coro com ele e Tetê Espíndola rascantes em Pô, amar é importante? Como nos quadrinhos, todos esses personagens - tem também um Jô Soares deliquente - são anti-psicologizados e funcionam mesmo como guias. E sob esse viés estão todos magníficos, o que afirma o talento de Botelho tanto na direção de cenas quanto na de atores. Fora que Carla Camurati, de cabelos pretos, jamais esteve outra vez tão bonita e sedutora. Seu número de canto e dança performáticos na boate com as meninas do coro, os rapazes musculosos e uma cadeira, não apenas remete ao Cabaret (1972), de Liza Minnelli e Bob Fosse, como resulta em cena deliciosamente insinuante e lascíva. Rever esse Cidade Oculta não é olhar para trás em obra datada que ficou lá nos 80. Rever esse Cidade Oculta é ouvir batidas na porta da frente dos próprios anos 80, aqui e agora.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

domingo, 9 de maio de 2010

Zingu! no ar


A edição de março/abril da Zingu! está no ar, e traz primoroso dossiê sobre a Vera Cruz, com artigos sobre sua história, seus astros, estrelas e técnicos, e resenhas dos filmes.

Tem também especial sobre o genial cineasta Luis Sérgio Person, também com artigo sobre sua trajetória e resenha de seus filmes.

E, claro, tem as colunas: Reflexos em Película, Cinema Extremo, Lançamentos, Musas Eternas, Iventário Grandes Musas da Boca e Musas do Diniz.

Nessa edição, homenageio Adele Fátima no Inventário Grandes Musas da Boca. Caso singular, a desejada mulata fez sua carreira no Rio de Janeiro, mas bastou o deliciosamente sacana As Histórias Que Nossas Babás Não Contavam (1979), de Oswaldo Oliveira, para alçá-la a uma das mais amadas musas da Boca.

Participei também do dossiê sobre a Vera Cruz e do especial Luís Person.

Nem é preciso dizer que a Zingu! está, mais uma vez, sensacional.

Vejam aqui: