sexta-feira, 14 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (116)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

116 - Com Licença Eu Vou à Luta (1986), de Lui Farias *****

Na década de 1980 dois livros autobiográficos sobre jovens foram levados ao cinema e balançaram o coreto: Com Licença Eu Vou à Luta, de Eliane Maciel, e Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva. O de Paiva foi dirigido por Roberto Gervitz em 1988 e fez muito sucesso com a história de superação de Marcelo, que fica tetraplégico depois de um mergulho de cabeça. Já o de Maciel, realizado dois anos antes por Lui Farias, também foi muito comentado e premiado, e é sobre a luta de uma adolescente contra a sua família pelo direito de existir. Em Com Licença Eu Vou à Luta, Fernanda Torres é Eliane, uma garota de 15 anos em permanente conflito com sua família formada pela mãe Marieta Severo, o pai Reginaldo Faria, a avó Yolanda Cardoso, e a tia Tânia Bôscoli. A relação entre mãe e filha é sempre tensa e agressiva, e o embate vai à estratosfera quando Eliane se apaixona por Carlos Augusto Strazzer, um desquitado quinze anos mais velho que ela e adepto da macrobiótica. O roteiro de Lui Farias -com participação de Alice Andrade, Marcos Magalhães, Fernanda Torres, Marieta Severo e Roberto Farias - é primoroso e nos coloca dentro daquela casa explosiva em Nilópolis, na Baixada Fluminese. Com história muito anos antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, fosse hoje Strazzer ia ser acusado de pedofilia e trancafiado para alegria de Marieta que não suporta aquele homem horroroso, barbudo, de dentes ruins, e adepto de comida esquisita, como ele gosta de frisar. Em alguns momentos, sobretudo no início, a gente quase dá razão para ela devido ao jeitão largado do moço, com seu camisão largo, bicicleta velha, e invariável chaleira de cházinhos apaziguadores. Mas com o andar da carruagem, ele vai sendo mais humanizado pelo roteiro, enquanto ela vai ficando cada vez mais e mais histérica. Além do roteiro e da direção, outro diferencial é a qualidade do elenco. Reginaldo Faria, o pai, é um militar mais que à beira de um ataque de nervos, que no fundo parece torcer pela liberdade da filha, mas que fica perambulando em outra esfera de realidade formada por catatonia e breves despertar de ira. Marieta Severo, a mãe, faz aquelas donas de casa de subúrbio engolfadas em vida ordinária, não só pela má qualidade geográfica, mas também pela pobreza de vida interior encurrada e sem saída. Yolanda Cardoso, a avó, usa seu talento expansivo para composição daquelas tipicas senhoras que mordem e assopram, que podem afagar e afogar. Tânia Bôscoli, a tia, é representante da esposa comumente de olho roxo e pré-Delegacia da Mulher. Carlos Augusto Strazzer, o namorado, faz biotipo de mal partido que faz sogras arrepiarem até a medula. E Fernanda Torres... Bom, Fernanda Torres mostra em potencial exuberante porque é, mesmo, uma das maiores atrizes de sua geração - e que é geração fabulosa, com nomes como Débora Bloch, Andréa Beltrão, Giulia Gam, Malu Mader, Cláudia Abreu, Julia Lemmertz, Denise Fraga, Ligia Cortez, Iara Jamra, Claudia Gimenez e Bete Coelho. Encarnando papel difícil, pois a adolescente Eliane poderia parecer insuportável ou resvalar para a vítima inocente aos olhos do público, estereótipos que a atriz evita o tempo inteiro com sua interpretação cheia de nuances. Na época, inclusive, Fernanda Torres foi capa da Veja, ou será a Isto É?, que a saudou como a Garota das Telas, pois protagonizava também A Marvada Carne (1985) de André Klotzel, Eu Seu Que Vou Te Amar (1986), de Arnaldo Jabor e Palma de Melhor Atriz No Festival de Cannes, além de participação especial em Sonho Sem Fim (1986), de Lauro Escorel. Em todos eles Fernanda está arrebatadora e alça seus personagens em momentos luminosos, como faz com essa sua Eliane Maciel, personagem que terá contrapartida masculina anos depois, ainda que em registro diferente, do Neto de Rodrigo Santoro em Bicho de Sete Cabeças (2000), de Laís Bodanzky. Na trilha sonora, a canção-tema Já Fui, um petardo poético cantado por Marina Lima e composto por ela e pelo irmão Antônio Cícero. Com Licença Eu Vou à Luta é ótimo filme sobre extrato quase nunca focalizado pela lente dos nossos cineastas atualmente: os conflitos sociais, psicológicos e existenciais de uma família proletária não subjugados apenas ao contexto da violência.


Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

4 comentários:

  1. Prezado Adilson: vi esse filme de madrugada no Canal Brasil há muito tempo. Adoro ele. A Fernanda está demais neste filme, e como você bem ressaltou a geração dela é brilhante. O personagem do Carlos Augusto é muito engraçado com aquela bicicleta rsrs. Infelizmente, os tempos são outros e um filme com esse tema não seria tão facilmente aceito. Mesmo assim, é bom a gente lembrar de bons filmes como esse.

    Matheus Trunk
    www.violaosardinhaepao.blogspot.com

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  2. Pek,

    Adoro este filme. Nos dias de hoje, não encontraria grande público. A juventude é outra...
    Bjs.

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  3. Matheus,
    Hoje tá difícil filme brasileiro ter público, a não ser alguns casos individuais.
    Lembro-me de vários dos anos 80 com sala cheia, mas agora os tempos são realmente outros.
    Um abraço, meu amigo

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  4. Noel,
    A juventude é outra, o cinema é outro, e os tempos são outros.
    Ainda que isso não signifique, necessariamente, que tenha sido para melhor.
    Bjs

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