sábado, 1 de maio de 2010

longas brasileiros em 2010 (104)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

104 - Cômicos... + Cômicos... (1971), de Jurandyr Passos Noronha **1/2

Pesquisar é procurar, é achar, é ver, é procurar entender, é rever, é rever outra vez. E pesquisar é, sobretudo, para disponibilizar, para criar acesso, para compartilhar. Daí que pesquisar cinema brasileiro não é apenas fascinante, como também é achar, procurar entender, rever, e rever outra vez mais que um filme, um país. E é, sobretudo, para disponibilizar esse país, para criar acesso a ele, para compartilhá-lo. Em uma notável galeria de pesquisadores do cinema nacional sempre haverá um lugar especial para Jurandyr Passos Noronha. Mineiro de Juiz de Fora, cineasta documentarista, Noronha procurou por esse país retratado nas telas literalmente abrindo latas para encontrá-lo, como também fazendo o caminho de volta com ele para a tela nos três longas-antologias que dirigiu - Panorama do Cinema Brasileiro (1968); Cômicos... + Cômicos... (1971); e 70 Anos de Brasil (1975). Nesse Cômicos... + Cômicos... ele assina também, além da direção, o argumento e o roteiro. Daí, criou um entrecho ficticio - uma equipe de filmagem às voltas com os tropeços do ato de filmar - que entre um intervalo e outro vai projetando cenas de filmes protagonizados por um elenco estelar de comediantes que fizeram história e contribuiram para criar a identidade fílmica brasileira. Enquanto do lado de cá, nas filmagens, vemos Paulo Silvino, Rafael de Carvalho, Roberto Guilherme, Santa Cruz, Costinha e Wilza Carla, lá nos filmes projetados vemos escolas do riso de registros diversos: Genésio Arruda, Jararaca e Ratinho, Alda Garrido, Alvarenga e Ranchinho, Procópio Ferreira, Amácio Mazzaropi, Violeta Ferraz, Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Zezé Macedo, Colé Santana, Zé Trindade, e muitos outros. Esses deuses do riso estão em cenas de filmes como Acabaram-se os Otários (1929 - Luiz de Barros), Chico Fumaça (1957 - Victor Lima) e Dona Violante Miranda (1960 - Fernando de Barros). Há de ponta a ponta nesse Cômicos... + Cômicos... carinho e admiração confessos de Noronha por esses ídolos do cinema popular. Está tudo lá, e essa reverência acaba contaminando quem está do lado de cá, além de que ver ou rever as cenas é deleite à parte. Isso porque quanto a forma como ele estruturou seu filme - a filmagem e as cenas dos filmes - ela quase nunca encontra resultado muito orgânico. Não há intimidade necessária e pretendida entre um registro e outro, o da equipe e o das cenas. E quando Paulo Silvino ou Genésio Carvalho anunciam, identificam ou comentam sobre aqueles que estão projetando, essas falas ficam um tanto deslocadas e sem atingir o objetivo primeiro, que seria como espécie de álbum aberto e revivido por olhos virgens ou nostálgicos do que se vê. Mas não um álbum de momentos congelados no passado, e sim arte viva presente/futuro. Ainda que essa estrutura não funcione a contento, ao final da projeção pode-se constatar, mais uma vez, que o Brasil sempre foi prodigioso na arte da comédia. E um país que tem comediantes como Zé Trindade, Zezé Macedo, Ronald Golias, Chico Anysio, Regina Casé e Débora Bloch só pode mesmo exibir saúde de fé na vida. E que no final é o que essa antologia de Jurandyr Passos Noronha também celebra.

P.s.: e como eram deslumbrantes nossos cartazes, heim!

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 30 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (103)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

103 - Chico Xavier (2010), de Daniel Filho ***

O sucesso inesperado de Bezerra de Menezes - O Diário de Um Espírito (2008), de Glauber Filho e Joe Pimentel, deve ter feito os olhos de Daniel Filho tilintarem em cifrões no melhor estilo Tio Patinhas. Daí que um filme sobre Chico Xavier revelou-se mina de ouro instântanea e inacreditavelmente não farejada há mais tempo - ainda que a gente saiba que um bom personagem não queira dizer garantia nenhuma de qualidade, e anda por aí Lula - O Filho do Brasil (2009 - Fábio Barreto) para não nos deixar esquecer disso. Como se sabe, Daniel Filho revelou-se o novo midas de bilheteria do cinema brasileiro, já que um lote de seus filmes vem arrebentando a boca do balão, seja na produção ou na direção, como o Se Eu Fosse Você ( (2006) e Se Eu Fosse Você 2 (2008). E agora com esse Chico Xavier não está sendo diferente, pois em menos de 20 dias fez mais de dois milhões de espectadores. Quando lhe perguntaram sobre seu faro para realizar filmes de apelo de público, ele disse que isso é resultado de décadas na TV, onde tinha que falar para um público de milhões. Se a lição foi dura, ele aprendeu direitinho o dever de casa, ainda que na TV ousou muito mais que vem fazendo nas telas. Aliás, nas telas vem ousando zero cal. Como já foi dito por aqui, Daniel Filho é um cineasta que muita gente adora odiar, mas a melhor notícia é que Chico Xavier é um bom filme. Começa com cara daquelas biografias enaltecedoras de Hollywood e a gente fica logo esperando trilha-exaltação. Mas com o andar da carruagem, vai-se embarcando na saga e comovendo junto. Chico Xavier faz parte da cultura brasileira, inclusive de massa, não só a que lotava sua porta em busca de ajuda, mas a da TV mesmo da industria cultural, ainda que nem se soubesse tanto sobre sua história. E para quem passou ao largo dela, é bom reencontrar essa figura sui generis com aquela cara de menino emperucado e insuspeitadamente divertido - a cena do avião é exemplo delicioso disso, principalmente quando narrada pelo próprio nos créditos. O filme foca a história de Xavier desde a infância e suas primeiras visões até a morte, quando já se tornara conhecido de ponta a ponta. Matheus Costa, Angelo Antonio e Nelson Xavier dão rosto e voz ao biografado em três fases de sua vida, infância, juventude e maturidade, com talento - sobretudo na composição cuidadosa e interiorizada de Angelo Antonio, além de um Nelson Xavier cuspido e escarrado do homem. A rigor, Chico Xavier seria um personagem-mor apenas do kardecismo, mas como no Brasil, felizmente, espíritas, católicos, ateus e evangélicos - esses últimos atualmente de faces mais talibans - transitam e se misturam como em desfile na Sapucaí, filmes como esse não só espelham esse fundamental sincretismo nas telas, como também faz essas tribos todas transitarem e se misturarem já nas filas imensas das bilheterias. Não fosse o bom filme que é, esse Chico Xavier já valeria o mérito por essa junção em torno dessa epifania religiosa e humanitária. E, claro, por jogar luz sobre a história desse homem que atuou sobre a vida de muita gente e de um país sempre de forma impactante, mas por ele mesmo, discreta.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (53)


Maria Luiza Castelli.




Salve Salve!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (102)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

102 - As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Lais Bodanzky ****

Todos nós relembramos e proclamamos nossa infância quase sempre banhada em luz dourada no melhor estilo cartão-postal de novela das seis ou com ares daquelas composições solares - ou redação, para as gerações posteriores - que éramos obrigados a fazer sobre as férias nas voltas às aulas. O que é, lógico, uma falácia, pois sabemos intimamente que basta uma deitadinha em um divã qualquer para vermos o quanto de som e fúria está plantado e germinado ali. Só que com a adolescência a história é outra e a gente passa ao largo como se jamais tivéssemos sido um deles um dia também. E é um pouco revisitar essa fase de espantos, diversões, descobertas e dores profundas que o novo filme de Laís Bodanzky nos permite, pois se há um grande mérito é que ele dialoga intimamente com o público que retrata, e ao mesmo tempo desperta o interesse em quem já passou dessa fase. Com As Melhores Coisas do Mundo a cineasta fez um giro de 180 graus, porque se no filme anterior, o belo Chega de Saudade, ela focalizou a terceira idade, agora chegou a vez dos chamados aborrescentes. E sob a lente de Laís, esses garotos e garotas podem ser tanto camaradas como infinitamente cruéis uns com os outros e também com os adultos que os cercam. O filme conta a história de Mano e de personagens que giram à sua volta, pais, o irmão, a turma do colégio, a melhor amiga, a primeira paixão. Amor, preconceito, homossexualidade, intolerância, amizade e violência são alguns temas que estão lá, com ênfase no preconceito, ou conceito, à homossexualidade, já que um deles tem pai em relação gay. É acerto da diretora e do roteiro de Luis Bolognesi - inspirado nos livros sobre Mano de Heloisa Prieto e do jornalista Gilberto Dimenstein - não dourar a pílula do olhar que esses meninos reservam para o tema, pois a sessão de cinema lotada deles não nos deixa esquecer um minuto sequer, já que bastava a homossexualidade do pai do garoto vir à boca de cena para se ouvir expressões nítidas de asco, como a indectível "ai, que nojo!". No elenco, destaque para três jovens/adolescentes: Fiuk, que ganha ais da platéia em cada aparição ou quando mostra a barriga tanquinho - e nós mais velhos fazemos coro, não por ele, mas para as reminiscências do pai Fábio Jr, que era uma coisa dos deuses em época de juventude, antes de virar meio queijo-canastra atualmente; Gabriela Rocha, a amiga-cabeça e desencanada e alvo perfeito para incorporar versão feminina de Daniel na cova dos leões; e, sobretudo, Francisco Miguez, que faz de seu Mano personagem de carne e osso com talento e carisma, e que nos desperta estímulos secretos e inconfessáveis. Parte da crítica anda chiando pois acusa Laís de tranformar essa panela de pressão - adolescentes e os novos modelos de família -em frigideira em banho-maria de final feliz. Mas basta um olhar um pouco mais atento para perceber que todo aquele rolo compressor foi sequer empurrado para debaixo do tapete, e que no aparentemente feliz há apenas o que todos sabemos hoje e que aqueles adolescentes saberão logo a seguir: a vida continua e a felicidade não virá tão fácil. O pesadelo foi só adiado.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quarta-feira, 28 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (101)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

101 - Viagem ao Céu da Boca (1981), de Roberto Mauro **

Ao contrário de gays e lésbicas, é difícil para as travestis circularem em fase do armário, pois quando vão à luta já é com as armas que farão delas, quase sempre, bucha de canhão. Vivendo em um mundo à parte - quantos de nós têm amizade com pelo menos uma travesti? - elas são mesmo criaturas da noite. E é a travesti Paula - Ângela Lecrely - que vai ser destaque desse Viagem ao Céu da Boca e também a vítima maior de Nilo Barrão das Quebradas - Eduardo Black - um assaltante que invade a casa onde ela divide o espaço e também o marido de Mara - Bianca Blond. Como o jovem polonês de Não Matarás (1988), de Krysztof Kieslowski, Barrão também parece entediado e aí circula para lá e para cá. Mas ao contrário do outro um tanto assexuado, é um anjo negro levemente cambota e com o pau volumoso e oferecido apertado na calça jeans. Depois de cismar pela cidade, passar os olhos nas manchetes dos jornais pregados nas banca, ele também vai cometer seus crimes: rouba um carro da companhia telefônica, exige que o dono do veículo se atire dele em movimento, e por fim bate à porta da casa de Mara para uma estadia de práticas violentas e sádicas. Mara é uma ninfomaníaca que não suporta ser só assaltada, quer também ser currada pelo negão, que de início fica deslumbrado com a casa modernosa - janelas redondas, luminárias mil e decoração fálica - mas que depois quer mesmo é barbarizar. Principalmente quando descobre que na casa tem mais uma moradora, Paula, e daí se diverte humilhando a boneca com penetração com o cano de revólver, alfinetada na bunda com comenda, e, principalmente, fazendo-a transar horrores com a amiga. Quando se pensa que não tem mais nada para acontecer, aparece ainda uma menina de patins e em uniforme de escola para satisfação sexual banhada em sangue de Barrão, e que fará Mara, a tia da garota, sacar sua inacreditável língua pau para toda obra. Mas pensa que acabou? Não, há ainda uma pomba-gira e algoz se tranformando em vítima, inclusive de tortura oficial. Dirigido por Roberto Mauro, Viagem ao Céu da Boca é filme brasileiro explícito pioneiro da mesma época de Coisas Eróticas (1981), de Rafffaele Rossi, e que contém alguns nomes notáveis na ficha técnica, como Clóvis Bueno no cenário e figurinos - além de ser adaptação livre de conto de José Loureiro (ver sobre isso no Estranho Encontro). Diretor de várias pornochanchadas, como as divertidas As Cangaceiras Eróticas (1974) e A Ilha das Cangaceiras Virgens (1976), Mauro também migrou para a fase explícita dos anos 1980, sendo que nesse Viagem ao Céu da Boca atolou o pé na jaca com gosto. O cenário kitsch de Bueno é palco para as atrocidades do assaltante, que quase sempre escambam para o mau-gosto. Mas ainda assim tem algum humor involuntário, sobretudo na compulsão boqueteira de Mara e nas falas espirituosas de Paula - "No Brasil até bandido é moralista". Há também uma certa inquietação: se gays e lésbicas queremos ser vistos fazendo sexo com naturalidade, e é assim mesmo que tem que ser, com que direito nos empunhamos de certo asco quando essas cenas de sexo envolvem travestis? E mais, é assombroso a construção fílmica em cima de um personagem que, torturado diariamente, também sonha com garbo com a tortura, não? Viagem ao Céu da Boca é contra-indicado para a forma como se vê normalmente filme pornô, avançando as sequências. Isso porque em cada avanço, podemos esbarrar com paus em sangue sendo lambidos ou cano de revólver tomando o lugar do cujo, e aí se enfastiar de cara. Viagem ao Céu da Boca precisa ser visto em seu tempo real, com começo, meio e fim, pois daí pode sair leituras possíveis - e a tortura particular e do Estado é uma delas - que sobrevivam em meio ao desconforto.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (119)


Harriet Andersson.




Nu!!!

terça-feira, 27 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (100)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

100 - Em Família (1971), de Paulo Porto *****

Alguns dos seres mais frágeis que habitam esse planeta são as crianças, os idosos, e o cães. Isso porque essencialmente domésticos, todos eles precisam de cuidados extremos e quase não conseguem mesmo viver sem ajuda do outro. Daí que quando são abandonados personificam e fazem eco com dor profunda e ancestral. E nem é preciso ser um Sebastião Salgado para que fotos estampadas em manchetes desse abandono, como velhinhos eternamente à espera em cadeiras ao sol nos jardins de asilos, cortem à navalha corações que ainda pulsam além da função orgânica. Se a teoria dos genes suicidas querem dar conta de uma possível explicação para a homossexualidade - e portanto direcionada para destino de unicidade, a linha evolutiva da heterossexualidade parece querer dizer muito mais que perpetuação da espécie. Mais que isso, é como se fosse tentativa desesperada de parir prole para que possa ser uma mínima garantia de não-solidão final e certeira. Em Família, de Paulo Porto, fala muito sobre isso tudo, e ao assisti-lo fica-se pensando para que os Avatar da vida, se quase tudo do que é o homem - pro bem e pro mal - e do que o interessa essencialmente está mesmo é em filmes como esse. Em Família é a história de Iracema de Alencar e de Rodolfo Arena. E é também a história de Paulo Porto, Anecy Rocha, Odete Lara, Antero de Oliveira, Fernanda Montenegro e Procópio Ferreira - e causa incomôdo pensar que só mesmo Odete e Fernanda ainda estão entre nós. Iracema e Arena viveram juntos 44 anos, mas agora têm que viver separados, ela no Rio e ele em São Paulo, pois não é mais possível pagar a casa em que criaram a família e onde seus cinco filhos cresceram. Daí, sobraram para esses filhos, que com maior ou menor tristeza e remorso decidirão o destino dos dois. Frango assado, farofa, maionese com alcaparras e ovos nevados são lembranças forçadas de infância para os filhos e tentativa de congelar o passado em realidade presente para os pais. Mas é em meio a essas guolseimas que custaram quarenta contos, para suspiro profundo de Arena, que a saga do casal de idosos será anunciada e selada ali mesmo. Daí, acompanhamos as intromissões caseiras da Iracema sogra na casa de uma Fernanda nora e amorosa de um lado, e das ranhetices do Arena pai nas brigas cotidianas com a filha Anecy em crescente impaciência do outro. O que fazer com nossos velhos? perguntam-se aqueles personagens com interesse estricto em suas vidas e desejos imediatos, como se todos também velhos não serão um dia. O casal progenitor, assim como Blanche Dubois, terá que contar com a bondade de filhos agora quase estranhos, mas como ela nem sempre vem, chora de lá e a gente chora de cá. O filme é um melodrama notável, e que avança muito além dos limites do gênero - e conta com um elenco dos deuses para isso e roteiro adaptado de Oduvaldo Vianna Filho, Ferreira Gullar e Porto. Em Família diz muito do talento de Paulo Porto, grande ator e cineasta pouco reverenciado. Para chorar baldes.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

segunda-feira, 26 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (99)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

099 - Engraçadinha Depois dos Trinta ((1966), de J.B. Tanko *****

Genial diretor do cinema popular, J.B. Tanko se notabilizou por inúmeras chanchadas como a impagável Mulheres à Vista (1959), com Zé Trindade, e vários filmes com Os Trapalhões, como o cultuado Os Saltimbancos Trapalhões (1981). Nos anos 1960 fez mergulho corajoso na obra de outro gênio, o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, que resultou nos filmes Asfalto Selvagem (1964), e esse Engraçadinha Depois dos Trinta - ambos dando conta da trajetória de Engraçadinha, uma entre tantos deliciosos personagens rodrigueanos. Se em Asfalto quem fez a personagem título foi Vera Vianna - que em Depois dos 30 faz a filha dela, Silene - nessa continuação o papel coube à beleza clássica de Irma Alvarez - que é dublada por Glauce Rocha. Agora, Engraçadinha já está casada com Zózimo, e Silvio, o grande amor trágico da juventude e que era seu irmão, é apenas lembrança doída. Engraçadinha virou dona de casa, converteu-se em religiosa, tem asco do marido, e vê com olhos nem tão abertos os desvarios da filha Silene, que herdou a petulância erótica da mãe, e o filho ciumento de ambas, mãe e irmã. A vida da família é revirada de ponta a cabeça por dois homens: o aparecimento de Fernando Torres, velho amigo do pai de Engraçadinha que está de olho na dona e assedia não só a família como a todos dando carteirada de jurista; e Claudio Cavalcanti, o Leleco, namorado de Silene que tem que salvar o rabo cobiçado por Cadelão - personagem também presente em Bonitinha, mas Ordinária. Adultério, incesto e pederastia são temas vistos nesse Engraçadinha Depois dos Trinta de uma forma mais direta ou mais sutil, e que evidencia a coragem de J. B. Tanko em trazer para as telas o Nelson Rodrigues que barbarizava nas crônicas, nos romances e nos palcos da época. Essa mesma década de 60 veria os primeiros filmes adaptados do mestre: o Boca de Ouro (1963), de Nelson Pereira dos Santos; O Beijo (1964), de Flávio Tambellini; e A Falecida (1965), de Leon Hriszman. Produzido pelo veterano Herbert Richers, com roteiro de Tanko e diálogos de Nelson, esse Engraçadinha Depois dos 30 é uma beleza. Ainda que não haja o humor corrosivo e habitual das entrelinhas de Nelson Rodrigues, a não ser na figura de Fernando Torres, que diz uma coisa prática e pensa outra sacana, há, e muito, do universo que permeia a literatura e dramaturgia rodrigueana, em que famílias aparentemente acimas de qualquer suspeita escondem retratos ainda mais conspurcados que o de Doriam Gray em seus sótãos. Nesse sentido, toda a cena do encontro entre Irma Alvarez e Oswaldo Loureiro é emblemática desse olhar, e que proporciona Irma mostrar do que é capaz, tanto a atriz quanto a personagem. Décadas depois, caberia à Lucélia Santos encarnar com brilho Engraçadinha outra vez no cinema, e Claudia Raia na TV.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes comediantes (26)


Tiririca.




Deuses do riso.

domingo, 25 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (98)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

098 - Parceiros da Aventura (1980), de José Medeiros *****

Um dos maiores fotógrafos que o país revelou, com passagem pela Revista Cruzeiro e depois porto seguro de cineastas de correntes diversas, o piauiense José Medeiros fez história em quatro décadas de cinema nacional. Só como exemplo de sua genialidade, assinou fotografias deslumbrantes como nos filmes A Falecida (1965), de Leon Hirszman, e Aleluia Gretchen (1976), de Sylvio Back. Em 1980, José Medeiros dirigiu seu único longa, Parceiros da Aventura, e não só não fez feio na condução, como realizou um dos melhores filmes dos anos 80. Produzido pela A.F.Sampaio - de Adélia Sampaio, a diretora de Amor Maldito (1984) - e pela Embrafilme, Parceiros da Aventura reúne todas as noites em volta de uma mesa de bar Marcus Vinícius, Isabel Ribeiro, Paulão, Milton Gonçalves, Procópio Mariano e Paulo Moura. Amigos, eles são parceiros na aventura de sobreviver. E se durante o dia muitos deles cometem crimes, como tráfico de drogas, viração e sequestro, à noite celebram a amizade ao belo som de saxofone de Paulo Moura, que atua como ator e músico. Marcus Vinícius, Paulão e Isabel Ribeiro são comparsas no ramo intermediário da cocaína. Vinícius dirige o bando, Paulão obedece, e Isabel só sonha mesmo é em se casar - em uma belíssima e crua cena de sexo com o chefão, ela, GRANDE atriz, geme e pede em sussurros para que ele se case com ela. Milton Gonçalves é motorista desempregado que acaba entrando a contra-gosto no bando e se torna pivô de um sequestro involuntário. Procópio Mariano é um homem do cafezinho de uma repartição pública acossado por agentes da repressão. E Paulo Moura é um músico que sonha gravar um disco fiel ao seu estilo, enquando é encurralado pelos homens da gravadora. É impossível não se afeiçoar a todos esses personagens, e a gente fica imaginando do lado de cá o quanto eles poderiam, como tantos nesse país, ter outra sorte se pudessem ter possibilidades de gritar que não querem mesmo só comida. José Medeiros assina o roteiro primoroso e impregna de dignidade possível esses seres clandestinos e à margem dos grandes acontecimentos, verdadeiros peões de um destino implacável. E para alcançar eficácia nesse retrato pungente contou com atores da mais alta estirpe. Todos estão ótimos, mesmo o reticente Paulo Moura, que não é ator, mas segura seu maestro na medida do possível. E se Marcus Vinícius e Paulão são garantia de qualidade sempre, o que dizer então de Milton Gonçalves, Procópio Mariano e Isabel Ribeiro? Milton tem aqui uma de suas melhores interpretações, e a gente vê nele todos esse pais de família acuados que ônibus sacolejantes e poeirentos cospem na fauna urbana do dia-a-dia. Procópio Mariano, muito maior ator do que lhe conferem, faz de seu Erva-Doce um dos personagens mais bem construídos do filme. E Isabel Ribeiro... bom Isabel Ribeiro é esse assombro, e que com uma entonação de voz ou um olhar eleva a arte da representação à estratosfera - Melhor Atriz em Gramado por essa sua Maria. José Medeiros era tão querido e respeitado que uma legião de atores marca presença ao longo do filme em pequenas participações e pontas luxuosas - Reginaldo Faria, por exemplo, para quem Medeiros fotografou filmes como Os Paqueras (1969), sequer tem uma fala. Parceiros da Aventura é um retrato comovente, sincero e cru de uma gente que quando aparece é só mesmo nas manchetes policias dos jornais que o menino anuncia de mesa em mesa nos bares da noite, mas que José Medeiros acarinha nesse filme indispensável.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo