quarta-feira, 28 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (101)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

101 - Viagem ao Céu da Boca (1981), de Roberto Mauro **

Ao contrário de gays e lésbicas, é difícil para as travestis circularem em fase do armário, pois quando vão à luta já é com as armas que farão delas, quase sempre, bucha de canhão. Vivendo em um mundo à parte - quantos de nós têm amizade com pelo menos uma travesti? - elas são mesmo criaturas da noite. E é a travesti Paula - Ângela Lecrely - que vai ser destaque desse Viagem ao Céu da Boca e também a vítima maior de Nilo Barrão das Quebradas - Eduardo Black - um assaltante que invade a casa onde ela divide o espaço e também o marido de Mara - Bianca Blond. Como o jovem polonês de Não Matarás (1988), de Krysztof Kieslowski, Barrão também parece entediado e aí circula para lá e para cá. Mas ao contrário do outro um tanto assexuado, é um anjo negro levemente cambota e com o pau volumoso e oferecido apertado na calça jeans. Depois de cismar pela cidade, passar os olhos nas manchetes dos jornais pregados nas banca, ele também vai cometer seus crimes: rouba um carro da companhia telefônica, exige que o dono do veículo se atire dele em movimento, e por fim bate à porta da casa de Mara para uma estadia de práticas violentas e sádicas. Mara é uma ninfomaníaca que não suporta ser só assaltada, quer também ser currada pelo negão, que de início fica deslumbrado com a casa modernosa - janelas redondas, luminárias mil e decoração fálica - mas que depois quer mesmo é barbarizar. Principalmente quando descobre que na casa tem mais uma moradora, Paula, e daí se diverte humilhando a boneca com penetração com o cano de revólver, alfinetada na bunda com comenda, e, principalmente, fazendo-a transar horrores com a amiga. Quando se pensa que não tem mais nada para acontecer, aparece ainda uma menina de patins e em uniforme de escola para satisfação sexual banhada em sangue de Barrão, e que fará Mara, a tia da garota, sacar sua inacreditável língua pau para toda obra. Mas pensa que acabou? Não, há ainda uma pomba-gira e algoz se tranformando em vítima, inclusive de tortura oficial. Dirigido por Roberto Mauro, Viagem ao Céu da Boca é filme brasileiro explícito pioneiro da mesma época de Coisas Eróticas (1981), de Rafffaele Rossi, e que contém alguns nomes notáveis na ficha técnica, como Clóvis Bueno no cenário e figurinos - além de ser adaptação livre de conto de José Loureiro (ver sobre isso no Estranho Encontro). Diretor de várias pornochanchadas, como as divertidas As Cangaceiras Eróticas (1974) e A Ilha das Cangaceiras Virgens (1976), Mauro também migrou para a fase explícita dos anos 1980, sendo que nesse Viagem ao Céu da Boca atolou o pé na jaca com gosto. O cenário kitsch de Bueno é palco para as atrocidades do assaltante, que quase sempre escambam para o mau-gosto. Mas ainda assim tem algum humor involuntário, sobretudo na compulsão boqueteira de Mara e nas falas espirituosas de Paula - "No Brasil até bandido é moralista". Há também uma certa inquietação: se gays e lésbicas queremos ser vistos fazendo sexo com naturalidade, e é assim mesmo que tem que ser, com que direito nos empunhamos de certo asco quando essas cenas de sexo envolvem travestis? E mais, é assombroso a construção fílmica em cima de um personagem que, torturado diariamente, também sonha com garbo com a tortura, não? Viagem ao Céu da Boca é contra-indicado para a forma como se vê normalmente filme pornô, avançando as sequências. Isso porque em cada avanço, podemos esbarrar com paus em sangue sendo lambidos ou cano de revólver tomando o lugar do cujo, e aí se enfastiar de cara. Viagem ao Céu da Boca precisa ser visto em seu tempo real, com começo, meio e fim, pois daí pode sair leituras possíveis - e a tortura particular e do Estado é uma delas - que sobrevivam em meio ao desconforto.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

2 comentários:

  1. Dei muita risada com esse filme...Acho que mais de nervoso. Não sei o que se passou na cabeça do diretor... Mas juro que achei melhor do que a média da maioria que considera o filme LIXO. Acho que é um filme regular.

    PS: Até hoje me lembro da cena da comenda.

    Abraço!

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  2. Pois é, quando tentei ver da primeira vez, avancei o filme e aí caiu naquelas cenas... Até comentei isso no Estranho Encontro. Mas agora vendo direitinho como se deve ver não achei esse assombro todo não. E como disse no texto, tem sub-leituras interessantes.
    Um abraço

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