domingo, 21 de novembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (262)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

262 - Um Lugar ao Sol (2009), de Gabriel Mascaro ****

Certa vez, em uma entrevista, Marília Gabriela quis saber de Xuxa como era lidar com a fama, que muitas vezes impede quem a tenha de se permitir alguns prazeres simples. A apresentadora perguntou "como assim?". E Marília disse "ir ao cinema, por exemplo"; no que Xuxa, prontamente, respondeu "mas eu tenho um cinema dentro de casa"; E ainda Marília "ok, mas ir à praia"; no que a outra responde, outra vez sem pestanejar "mas eu tenho uma ilha". Afora o assombro com a falta de noção - e de responsabilidade - com o que é o RESTO do Brasil, ficou muito nítido para quem estava do lado de cá da poltrona o quanto essa gente acha natural esse status quo que desfruta em um país como o que vive. De certa forma, ainda que em proporções variadas, é o retrato que se configura de uma classe de personagens que habita esse Um Lugar ao Sol, do pernambucano Gabriel Mascaro. O cineasta fez um documentário sobre moradores de coberturas em três estados brasileiros, o natal dele, Pernambuco, mais o Rio de Janeiro e São Paulo. O roteiro obedece o formato clássico de entrevistas, mas aqui o material colhido avança anos-luz de muitos outros docs que apenas bocejam nesse modelo pronto. Mascaro avisa em início do filme que o argumento veio de um livro que lista 125 coberturas, mas que acabou conseguindo o consentimento de entrevistas com moradores de apenas nove delas. Ainda que o recorte não seja nem de 10% do montante inicial, o resultado é dos mais impactantes. Do alto de seus tantos e tantos metros quadrados, aquelas pessoas falam sobre o que significa estar lá. Daí tem a mãe que diz que sempre viu o mundo de cima, vê beleza nos tiros trocados no Morro Santa Marta "é trágico, mas é lindo!", compara os barracos pintados do morro com caixinhas de brinquedo, e acha que o Estado é paternalista com os bandidos - afinal, pobre não precisa ser bandido, setencia; a artista que se sente bem dominando o espaço e que vê no serviço de voluntariado atitude essencial para estar do lado certo em um mundo que é dividido entre o bem e mal; a senhora às voltas com bichos de mentira, que acha que está mais perto do céu e por isso acredita que seja mais fácil falar com Deus, e seu filho que faz discursos holísticos e se apropria do "quem sabe faz a hora" de Vandré, de forma muito particular; a outra que tem serviçais de mais de 20 anos mas quer que eles fiquem lá na área deles e que, sobretudo, não a incomode com barulhos de panelas; o músico que não quer ser importunado, tocar a guitarra dele tranquilo, e, vez em quando, fica lá de cima achando interessante - ou graça? - nas famílias que chegam à praia com suas farofas; o empresário da noite paulistana que diz que a vida sempre foi assim, pobres e ricos, e que tem preguiça de quem vem falar eternamente que esse problema é originado pelas elites; o recém-separado que diz que a cobertura lhe permite ficar só, mas enche a boca para dizer também que, vez ou outra, pode fazer festas até para 200 pessoas em sua casa; o casal gay que não procura status com aquela moradia, mas sim espaço, pois afinal "não somos nada mesmo" - ainda que prefira ser nada lá de cima; a imigrante francesa que se mudou para o país por causa do filme Orfeu Negro, de Marcel Camus, sente saudade de ver macumba e oferendas na praia durante o revellion carioca ao invés dos manjados fogos de artifício, e acha que a pobreza é, antes de tudo, um problema de educação - na França, quem tem um pedaço de terra logo faz uma horta, aqui á terra é boa, mas ninguém quer plantar, avalia ela. Se a internet é uma das maravilhas da tecnologia, alguns de seus compartimentos, como as redes sociais - esse blog, inclusive - são ótimas ferramentas para entendermos um tanto sobre quem somos brasileiros e que país é esse. Hoje, o facebook, por exemplo, pode valer muitas pesquisas de institutos que queiram entender quem somos - e a última eleição nos possibilitou ver e aferir, seja na imprensa ou nessas redes sociais, o quão somos de reacionários, egocêntricos e irresponsáveis. Filmes como esse documentário de Gabriel Mascaro também nos ajudam a entender um pouco sobre o que passa na cabeça de algumas de nossas gentes - um dos personagens, inclusive, dá o parabéns pelos realizadores focarem um tema positivo como o retratado e não a violência e miséria de sempre dos docs de plantão. Um Lugar ao Sol pode até incorrer no reforço de um estereótipo, dado a pressa com a qual vemos todos aqueles personagens - o filme tem um pouquinho mais de uma hora. Mas nos ensina muito, ainda que a lição possa fazer travo de fel na boca e aumentar nossa descrença sobre o que está posto. Além da direção e da montagem, destaque para a ótima trilha de Lezu Kaeru e Luiz Pessoa.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

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