domingo, 4 de julho de 2010

longas brasileiros em 2010 (151)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

151 - Mangue Negro (2008), de Rodrigo Aragão *****

Fazer do mangue e da rudimentar caça aos caranguejos - que depois serão martelados e sugados por turistas bronzeados nas praias brasileiras - geografia para o terror é, já para início de conversa, um grande achado. Pois ver homens e mulheres enlameados até o pescoço e enfiando o braço inteiro na lama para catar os cujos já é por si só imagem desconcertante e cheia de possibilidades. Daí, quando esse artesanal meio de vida vira o mais terrível pesadelo, a gente busca na memória esse desconforto primeiro e pronto, a cama já está feita para nos assustarmos e acompanharmos com os sentidos atentos o talento de cabo a rabo desse surpreendente Mangue negro, de Rodrigo Aragão. A cinefilia do terror ampliou com as possibilidades do vídeo, depois o DVD e, sobretudo, pelos filmes compartilhados na net e mostras específicas. Porque no cinema mesmo, durante um bom tempo para o grande público, ainda que aparecessem sempre ofertas interessantes ou não, vigorou um terror mais industrial e de longo alcance - isso falando da década de 1980 para cá. E para essa geração 80, o modelo máximo de terror nas telas foi os bacanas A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 - precedidos por Halloween, do final dos anos 70. O contraponto vinha com outros filmes inventivos e ótimos como A Volta dos Mortos Vivos e A Morte do Demônio. Para quem acompanhou os filmes de Freddy Krueger e Jason, a gente já sabia de antemão que todos aqueles jovens que estavam ali eram para servir de alvo de machadadas, garras e outros materiais afiados. Daí, o susto suspenso era aguardar o momento fatal. Com Mangue Negro, que se diferencia completamente desses dois exemplos - e eles estão aqui só para contrapor um modelo com outro - dá-se o inverso. A gente acredita piamente naqueles personagens, torce por eles, jamais os vemos simplesmente como bucha de canhão. E paira, acima de tudo, que aqueles zumbis canibais são o horror que eles terão que enfrentar, sucumbindo ou não, e que são tão reais quanto eles. Mangue Negro assusta, e assusta muito, exatamente porque torcemos por aqueles personagens. E também porque vemos naqueles zumbis não apenas cadáveres se locomovendo em busca de carne, mas pessoas que um dia também estiveram do outro lado - e as tranformações imediatas de personagens em zumbis, como a do pescador reforça isso ainda mais. Só que isso tudo poderia ficar apenas na esfera do interessante se não fosse o domínio de cena de Rodrigo Aragão - entendimento de espaço, planos inventivos, cortes asfixiantes, elipses inteligentes. Mangue Negro conta a história de uma aldeia de pescadores em que seus poucos moradores vivem, sobretudo, da coleta de carangueijos no manguezal para revenda. Mas se outrora o local era rico em oferta, agora se transformou em lamaçal fétido, estéril e amaldiçoado. E para aqueles que ainda insistem em tirar dali seu sustento, o mangue os aguarda com ameaças fatais. Em meio a tudo isso, acompanhamos a possibilidade de uma relação amorosa entre Walderrama do Santos e Kika de Oliveira em meio ao caos e a luta pela sobrevivência. Mangue Negro é um filmaço em seu gênero, assusta, caçoa - homens interpretando mulheres, André Lobo como a ótima preta velha e Maurício Ribeiro como a mãe cega - e diverte. Uma produção independente do Espírito Santo feita com a cara e a coragem e a dar lições em muitos que estão por aí fazendo pouco cinema e torrando muito dinheiro alheio.

ADENDO
Pesquisando agora sobre Rodrigo Aragão, descobri que já trabalhei em um projeto dele, Mausoléu, quando esteve em BH e eu trabalhava em uma empresa de assessoria de imprensa, CL. Como meus contatos eram com as produtoras, não me lembrava dele de jeito nenhum.


Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

2 comentários:

  1. Assisti no Canal Brasil, e me surpreendi com a competência narrativa do Rodrigo. O filme é muito bom! Percebe-se que foi feito por alguém que gosta e entende do gênero terror, mas sem se prender muito às suas regras.
    Pra mim trata-se de uma estória de amor, tendo como pano de fundo a revolta dos zumbis.

    Um abraço.

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  2. Pois é meu amigo, e é história de terror e de amor das boas.
    Abração

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