quinta-feira, 29 de julho de 2010

longas brasileiros em 2010 (173)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

173 - Janete (1983), de Chico Botelho ****

Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, David Neves, Rogério Sganzerla, Jean Garret, Wilson Barros. São muitos os talentos que o cinema brasileiro perdeu prematuramente e em auge criativo. Como é também o caso do paulista Chico Botelho, morto aos 43 anos. Integrante do Novo Cinema Paulista - Cinema da Vila Madalena - que na década de 1980 sacudiu a produção cinematográfica, Botelho foi também câmera e diretor de fotografia de alta cepa - como a magistral do curta Caramujo-Flor (1988), de Joel Pizzini. Janete foi sua primeira direção de longa, e já há aqui indícios do que faria em termos estéticos um pouco depois em Cidade Oculta, sobretudo na fotografia de cenas noturnas de uma São Paulo banhada em luz azulada e sendo varada por motoqueiros de óculos escuros extravagantes. Só que diferente do tom quadrinista de Cidade, em Janete o registro é realista, ainda que se refrigere no mundo mágico e lúdico do circo. Nice Marinelli é Filomena da Silva, jovem prostituta de 18 anos que tem que abandonar a viração, pois os canas resolveram deixar os michês de lado, desde que esses sentem o pau nas meninas - e o sentido aqui não é sexual, é porrada mesmo. Daí tenta arrochar em parceira um velho no Viaduto do Chá, mas é pega e vai parar na prisão. Lá, a homossexualidade feminina reina, dá uns amassos em Maria Sílvia, e se torna a preferida da vez de Lilian Lemmertz, funcionária manda-chuva do pedaço. Em uma das saídas para a rua conhece trapezista de circo, fica encantada e jura que volta. Quando consegue fugir, adota o nome de Janete e faz da procura do circo sua possibilidade de redenção. Pouco conhecida - fez filme de John Doo e de Denoy de Oliveira, e alguns trabalhos na TV - Nice Maricelli está ótima como Janete. Sem ser propriamente bonita, mas com charme, presença, e total integração à personagem, ela é a grande força que move esse quase road-movie social. Com argumento e roteiro de Botelho, fotografia premiada de José Roberto Eliezer, e trilha sonora premiada de Arrigo Barnabé, Janete é uma pequena jóia do cinema brasileiro da década de 1980. Se a solidão urbana em Cidade Oculta é total, está submetida aos caos e esquadrinhada em motivos gráficos, a solidão em Janete - uma quase menina sem família, sem eira nem beira, e sem lenço e sem documento - ainda encontra acenos de solidariedade e possibilidades de refugo passageiro. Mesmo que, como na bela canção de Gil, aquela estrada possa dar em nada. Um verdadeiro quem é quem daquele novo cinema paulista mostra as caras na ficha técnica do filme - André Klotzel, Alain Fresnot, Walter Rogério, Maria Ionescu. Botelho acertou também no elenco, pois além do luxo da diva Lilian Lemmertz em um de seus últimos filmes - e ela está sensacional como a protetora de Janete, em cenas de cama, banho e de peitos de fora - ainda tem as damas Lélia Abramo, Ruthinéa de Moraes e Maria Sílvia. E mais Cláudio Mamberti, o sumido das telas Flávio Guarnieri, e atuações carinhosas do saudoso Luiz Armando Queiróz como integrante da trupe circense e de Jayme del Cueto como um gaúcho. A ótima trilha de Arrigo Barnabé, que tem canção-tema com Caetano Veloso, mais música de Teixeirinha com Os Almôndegas e Roberto Carlos, pontua todo o filme. E quando Janete faz parada breve em puteiro e dança abraçadinha feito namorada com freguês ao som de Cavalgada de Roberto Carlos - que é tocada na íntegra - percebemos que já amamos a personagem e que o filme terá um lugar especial reservado em nossa retina.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

4 comentários:

  1. Tive o prazer de assistir Janete no cinema nos idos de 83. Cerca de uns dois anos atrás o revi na sala Humberto Mauro em BH em cópia ruim, mas deu para matar a saudade. De fato é um filme terno e apaixonante

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  2. É mesmo Márcio, o filme passou na Humberto Mauro?
    Nunca tinha visto Janete e gostei muito de, finalmente, conhecer esse filme do Botelho.
    É mesmo uma pequena jóia.
    Um abraço

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  3. Os dizeres do cartaz do filme são, por si sós, um achado. :)

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