quinta-feira, 8 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (81)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

081 - Nós, Os Canalhas (1975), de Jece Valadão ****

Se o filme policial é página de ouro na história do cinema brasileiro, o alquimista maior é com certeza Jece Valadão. E aí tanto vale se é ator de filmes memoráveis como Paraíba, Vida e Morte de Um Bandido (1966), de Victor Lima, Mineirinho Vivo ou Morto (1967), de Aurélio Teixeira, e Eu Matei Lúcio Flávio (1979), de Antonio Calmon, ou como produtor e diretor. Como é o caso desse Nós, Os Canalhas, em que ataca em todas as frentes. Nos filmes de Jece paira no ambiente um ar empestiado de sarjeta e esperma, como se aqueles personagens que ele cria passassem o dia hibernando em lençóis sujos e amarfanhados para depois sairem à noite em busca de ar fétido como oxigênio. Em Nós, Os Canalhas estão todos eles lá: o mocinho cafajeste, as vedetes de inferninho, a bicha porralouquérrima, os jagunços matadores do asfalto, o canalha em pele de benfeitor. E ainda que seja forçação de barra Celso Faria virar Jece Valadão, a gente acaba por deixar de lado, mas sem esquecer, esse mais que detalhe incômodo em meio a lufadas infernais do universo retratado. Na trama, Celso Faria é perseguido e esfolado por matadores chefiados por Rubens de Falco. E junto vai a mulher grávida que leva pontapés na barriga para desespero de quem assiste do lado de cá - o nosso ranger de dentes se assemelha ao massacre familiar que vemos, mas aí elevado à máxima potência, em Ódio (1977), filmaço de Carlo Mossy. Só que Faria não morreu como pensa os capangas, daí vira Valadão e resolve se vingar do bando, ao mesmo tempo em que divide a atenção com Zélia Hoffman e a cama com Vera Gimenez, como sempre, deslumbrantemente linda. Jece Valadão assina a produção, o argumento, o roteiro e a direção, além da atuação. O que poderia resultar em falta de rumo por concentração de poder, acaba possibilitando cenas que a gente encontra amiúde só mesmo nos filmes dele e de Calmon. Como a do trio Celso Faria, Vera Gimenez e Benedito Corsi louquíssimos, cheirados e alucinados ao som de El Dia Que Me Quieras. Benedito Corsi é um caso à parte como a bichona Grace Kelly, protetora-escrava de Vera Gimenez, e sempre a um passo da navalha. Sua interpretação exasperada vai além do estereótipo, e ainda que abuse o tempo inteiro de caras e bocas, acreditamos nela piamente e no seu ar ingênuo/perigoso de quem afaga e afoga. E tem ainda a estupenda Zélia Hoffman, que faz essas mulheres subjugadas por cafajestes como ninguém, como também é em Soninha, Toda Pura (1971), de Aurélio Teixeira, outro momento iluminado do nosso cinema. Ou seja, quando é cinema policial e dos bons não sobra para ninguém em vigor e em mundo cão como ele é, em letras garrafais fétidas e sangrentas, mas sem abrir mão de sua complexidade e possível poesia.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

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