Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)
078 - Diamante Bruto (1977), de Orlando Senna ***
Em 1974, Orlando Senna e Jorge Bodanzky se uniram para realizarem uma obra-prima do cinema brasileiro: Iracema - Uma Transa Amazônica. Três anos depois, Senna dirige mais um filme com forte caráter documental, uma das marcas de seu cinema: Diamante Bruto. Em Iracema, ficção e realidade se entrelaçavam para os cineastas falarem da Transamazônica e todo os seus males bem diversos da propaganda oficial. Já em Diamante Bruto, Senna adapta o romance A Bugrinha, de Afrânio Peixoto, para falar dessa vez da cultura do garimpo em Lençóis, na Chapada Diamantina - daí acompanhamos a dura realidade dos garimpeiros, suas práticas predatórias para real ganhos de outrem, e o choque entre a tecnologia que se azivinha e as práticas rudimentarem que persistem. Assim como em Iracema, há uma dupla de registros diversos: lá, com Paulo César Peréio e a atriz-nativa Edna de Cássia; aqui, com José Wilker e a atriz-nativa Gilda. E ainda que não tenha um par explosivo como no filme anterior, Diamante Bruto se vale muito desse encontro entre Wilker e Gida, sobretudo pela presença dela, o verdadeiro diamante bruto. Os diálogos podem até não ganhar força na interpretação intuitiva e deficitária de Gilda, mas seu porte é tão petulantemente altivo, que ela quase sempre engole Wilker, então em registro econômico - a não ser quando se rebela contra ela em crise de ciúmes. Na trama, ele é um astro de telenovela que retorna à cidade natal 20 anos depois. Sua volta é principalmente para rever Bugrinha, ideário de amor de infância naqueles moldes de relação entre o filho do patrão e a negra filha de empregados, em modelo diluído de Casa Grande & Senzala. A diferença é que Bugrinha, e parece que desde pequena, nunca se submete ao amor-patrão, pelo menos não da forma como ele gostaria. Em inesperada afronta feminista, ela proclama que o amor por ele basta a si própria sem, necessariamente, ter que ser amada. Ou seja, o que poderia ser submissão é altivez, pois é tão absoluta dona do seu amor que sequer precisa dele para consumá-lo. E ele, um rapaz da cidade e instruído, não consegue entender e aceitar essa forma de amor, o que resultará em escapulidas que denotam seu ar senhorio - em cena esclarecedora de que ainda está atrelado ao coronelismo, exclama "mas como me fará mal se é empregado do meu pai?" - e selará seus destinos. Diamante Bruto é daqueles filmes singulares que parece que só os anos 1970 eram mesmo capazes de parir, já que os de hoje, muitas vezes, seguem cartilhas milimetramente calculadas - com exceções para alguns como o notável Narradores de Javé (2002), de Eliane Caffé. E é quando se assiste a filmes assim é que se constata como é mesmo rico o baú do cinema nacional, a dar de dez no que dizem hoje sobre diversidade.
Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo
(em 2009 - 315 filmes)
078 - Diamante Bruto (1977), de Orlando Senna ***
Em 1974, Orlando Senna e Jorge Bodanzky se uniram para realizarem uma obra-prima do cinema brasileiro: Iracema - Uma Transa Amazônica. Três anos depois, Senna dirige mais um filme com forte caráter documental, uma das marcas de seu cinema: Diamante Bruto. Em Iracema, ficção e realidade se entrelaçavam para os cineastas falarem da Transamazônica e todo os seus males bem diversos da propaganda oficial. Já em Diamante Bruto, Senna adapta o romance A Bugrinha, de Afrânio Peixoto, para falar dessa vez da cultura do garimpo em Lençóis, na Chapada Diamantina - daí acompanhamos a dura realidade dos garimpeiros, suas práticas predatórias para real ganhos de outrem, e o choque entre a tecnologia que se azivinha e as práticas rudimentarem que persistem. Assim como em Iracema, há uma dupla de registros diversos: lá, com Paulo César Peréio e a atriz-nativa Edna de Cássia; aqui, com José Wilker e a atriz-nativa Gilda. E ainda que não tenha um par explosivo como no filme anterior, Diamante Bruto se vale muito desse encontro entre Wilker e Gida, sobretudo pela presença dela, o verdadeiro diamante bruto. Os diálogos podem até não ganhar força na interpretação intuitiva e deficitária de Gilda, mas seu porte é tão petulantemente altivo, que ela quase sempre engole Wilker, então em registro econômico - a não ser quando se rebela contra ela em crise de ciúmes. Na trama, ele é um astro de telenovela que retorna à cidade natal 20 anos depois. Sua volta é principalmente para rever Bugrinha, ideário de amor de infância naqueles moldes de relação entre o filho do patrão e a negra filha de empregados, em modelo diluído de Casa Grande & Senzala. A diferença é que Bugrinha, e parece que desde pequena, nunca se submete ao amor-patrão, pelo menos não da forma como ele gostaria. Em inesperada afronta feminista, ela proclama que o amor por ele basta a si própria sem, necessariamente, ter que ser amada. Ou seja, o que poderia ser submissão é altivez, pois é tão absoluta dona do seu amor que sequer precisa dele para consumá-lo. E ele, um rapaz da cidade e instruído, não consegue entender e aceitar essa forma de amor, o que resultará em escapulidas que denotam seu ar senhorio - em cena esclarecedora de que ainda está atrelado ao coronelismo, exclama "mas como me fará mal se é empregado do meu pai?" - e selará seus destinos. Diamante Bruto é daqueles filmes singulares que parece que só os anos 1970 eram mesmo capazes de parir, já que os de hoje, muitas vezes, seguem cartilhas milimetramente calculadas - com exceções para alguns como o notável Narradores de Javé (2002), de Eliane Caffé. E é quando se assiste a filmes assim é que se constata como é mesmo rico o baú do cinema nacional, a dar de dez no que dizem hoje sobre diversidade.
Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo
Caro Adilson,
ResponderExcluirNão gosto de 'Diamante bruto'. É um filme sem 'timing', mal 'ajambrado', com uma estrutura narrativa desequilibrada, e meio chato de se ver. Orlando Senna, que é baiano, não é um bom diretor (acho que 'Iracema' se deve ao talento de Jorge Bodansky). Pode ser excelente roteirista, e, realmente, escreve bem, bom gestor administrativo, mas como cineasta é bem fraco. A menina que contracena com Wilker, nativa da região, é fraquíssima, não tem carisma, não passa nada ao espectador. Daria, como cotação, um + (RUIM).
Caro Setaro,
ResponderExcluirPois Diamante Bruto me pegou.
E é esse tal "mal ajambrado" que me agrada mais, pois vejo um estranhamento aí que foge um pouco à cartilha convencional.
Quanto à Gilda, que não tem a força da Edna de Cássia - e como disse no texto tem uma atuação deficitária - me faz lembrar o tempo inteiro que não é uma atriz, mas tem no corpo e no porte altivo o mesmo sentido de "mal ajambrado" que também me seduz.
Muito bem vê-lo por aqui.
Um abraço
Pek,
ResponderExcluirAcho Gilda sofrível (para não dizer horrível) no filme. Não daria a nota que você deu, mas também não colocaria um + como Setaro o classificou.
Bjs.
Noel,
ResponderExcluirEntendo sua avaliação da Gilda, como a do Setaro também.
Mas o que me agrada é exatamente esse estranhamento. Para mim a atuação dela dialoga perfeitamente com a dureza da realidade apresentada, da falta de jeito, de cenas chocantes, mas colocadas a cabo com naturalidade por eles como o castramento do boi e a matança da tartaruga.
Vejo a Gilda como um diamante bruto, e o que mais me atrai nela é o porte altivo, não necessariamente a atuação nos trâmites usuais que se espera.
Bjs