Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)
159 - As Cariocas (1966)
episódio Fernando de Barros conta sua história ***
episódio Walter Hugo Khouri conta sua história *****
episódio Roberto Santos conta sua história *****
As Cariocas já começa delicioso com narração espirituosa e gaita que situa o Rio de Janeiro como nervo central e palpitante do Brasil e onde fazem morada os mais altos quilates do imaginário popular: praia, carnaval, futebol e mulher boa. Texto e voz de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, abrem alas para os três episódios, cada um com recorte geográfico da cidade e suas desejosas habitantes. Adaptado do livro de contos do mestre do cotidiano carioca, o filme reuniu apenas três relatos sob a batuta de diretores até então impensáveis e, curiosamente, nenhum deles nascido na cidade maravilhosa: o português radicado no Brasil Fernando de Barros, e os paulistas Walter Hugo Khouri e Roberto Santos. Para cada um deles uma deusa: Norma Bengell, Jacqueline Myrna e Íris Bruzzi - ainda que outras musas circulem entre um e outro, como Lilian Lemmertz, Vera Barreto Leite, Esmeralda Barros. Os episódios têm registros diferentes e vai num crescendo em termos de resultado e e encanto. Começa em tom leve com a picardia de desencontros entre casados e amantes e mais um noivo no meio - Bengell, Newton Prado, Walter Foster, Celia Biar e John Herbert. Tudo gira em torno do desejo de um carrão, que mais que servir como opulência faz sentido também para marcar território nas disputas entre matriz e filial. Esse é o episódio de Barros. O segundo vem em registro oposto, saem os ti ti ti e conchavos de salão e entra a atmosfera densa e um tanto enigmática de uma jovem que caminha para lá e para cá como Jeanne Moreau em filme de Louis Malle e Michelangelo Antonioni, ainda que por motivos bem diversos. Jacqueline Myrna mora em um quarto e sala, recebe de dia o amante bronzeado e de noite o senhor austero. Todos querem seu quinhão de carne, ainda que o que mude mesmo é só o forro da mesa e os provimentos - de dia uma xícara de café e um trago e outro, à noite o bife de panela e um copo de vinho modesto. Em ambos, os disquinhos na vitrola. Entre um e outro, a moça enche a bolsa de maça e bolacha e corre para cuidar do noivo doente em uma pensão, que faz planos de casamento e sonha com o fim do pagamento das prestações da casa. Feito a Teresinha da canção, mas com pretendentes bem diferentes dos da quadrinha e motivos idem, Jacqueline Myrna paira um tanto distante de tudo, em um mundo de silêncios todo particular. Os homens são Mário Benvenutti, Sérgio Hingst e Francisco di Franco. Esse é o episódio de Khouri. E no último o sangue ferve. Sai a picardia, sai a atmosfera, e entra a exasperação. Íris Bruzzi é a rainha da praia. Atriz de pontas, seja em novelas ou em filmes, deflagra a libido em uns e a vingança em outros, principalmente dos que querem comê-la e não tiveram chance, e daquelas que querem comê-la viva por inveja dela ter o que não têm: ousadia, gostosisse, desibinição. Em um programa de auditório, os telespectadores de casa e nós do lado de cá acompanhamos a leoa sendo inquerida pelo apresentador esperto, enquanto sua biografia desliza pela tela. O motivo da celeuma? A prisão do furacão por ousar lavar seu carrão em trajes mínimos, o que para os detratores denota uma atitude de afronta típica de zona sul em plena zona norte, e faz com que senhoras avançem sobre o carro e a dona com seus rolos de fazer pastel. Uma celebridade aparentemente acuada, uma tigresa com muito ódio no coração. Esse é o episódio de Santos. Em cada uma das histórias, os cineastas conseguiram deixar suas assinaturas. Um dos destaques é a habitual maestria de Khouri na construção de atmosfera em que tudo quer mais dizer do que é dito. Outro é a crueza impactante do cinema de Roberto Santos. As Cariocas vêm aí na TV sob a batuta de Daniel Filho, o mesmo que levou para a telinha uma das melhores séries de sua história, a maravilhosa e inspirada A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues.
Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo
(em 2009 - 315 filmes)
159 - As Cariocas (1966)
episódio Fernando de Barros conta sua história ***
episódio Walter Hugo Khouri conta sua história *****
episódio Roberto Santos conta sua história *****
As Cariocas já começa delicioso com narração espirituosa e gaita que situa o Rio de Janeiro como nervo central e palpitante do Brasil e onde fazem morada os mais altos quilates do imaginário popular: praia, carnaval, futebol e mulher boa. Texto e voz de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, abrem alas para os três episódios, cada um com recorte geográfico da cidade e suas desejosas habitantes. Adaptado do livro de contos do mestre do cotidiano carioca, o filme reuniu apenas três relatos sob a batuta de diretores até então impensáveis e, curiosamente, nenhum deles nascido na cidade maravilhosa: o português radicado no Brasil Fernando de Barros, e os paulistas Walter Hugo Khouri e Roberto Santos. Para cada um deles uma deusa: Norma Bengell, Jacqueline Myrna e Íris Bruzzi - ainda que outras musas circulem entre um e outro, como Lilian Lemmertz, Vera Barreto Leite, Esmeralda Barros. Os episódios têm registros diferentes e vai num crescendo em termos de resultado e e encanto. Começa em tom leve com a picardia de desencontros entre casados e amantes e mais um noivo no meio - Bengell, Newton Prado, Walter Foster, Celia Biar e John Herbert. Tudo gira em torno do desejo de um carrão, que mais que servir como opulência faz sentido também para marcar território nas disputas entre matriz e filial. Esse é o episódio de Barros. O segundo vem em registro oposto, saem os ti ti ti e conchavos de salão e entra a atmosfera densa e um tanto enigmática de uma jovem que caminha para lá e para cá como Jeanne Moreau em filme de Louis Malle e Michelangelo Antonioni, ainda que por motivos bem diversos. Jacqueline Myrna mora em um quarto e sala, recebe de dia o amante bronzeado e de noite o senhor austero. Todos querem seu quinhão de carne, ainda que o que mude mesmo é só o forro da mesa e os provimentos - de dia uma xícara de café e um trago e outro, à noite o bife de panela e um copo de vinho modesto. Em ambos, os disquinhos na vitrola. Entre um e outro, a moça enche a bolsa de maça e bolacha e corre para cuidar do noivo doente em uma pensão, que faz planos de casamento e sonha com o fim do pagamento das prestações da casa. Feito a Teresinha da canção, mas com pretendentes bem diferentes dos da quadrinha e motivos idem, Jacqueline Myrna paira um tanto distante de tudo, em um mundo de silêncios todo particular. Os homens são Mário Benvenutti, Sérgio Hingst e Francisco di Franco. Esse é o episódio de Khouri. E no último o sangue ferve. Sai a picardia, sai a atmosfera, e entra a exasperação. Íris Bruzzi é a rainha da praia. Atriz de pontas, seja em novelas ou em filmes, deflagra a libido em uns e a vingança em outros, principalmente dos que querem comê-la e não tiveram chance, e daquelas que querem comê-la viva por inveja dela ter o que não têm: ousadia, gostosisse, desibinição. Em um programa de auditório, os telespectadores de casa e nós do lado de cá acompanhamos a leoa sendo inquerida pelo apresentador esperto, enquanto sua biografia desliza pela tela. O motivo da celeuma? A prisão do furacão por ousar lavar seu carrão em trajes mínimos, o que para os detratores denota uma atitude de afronta típica de zona sul em plena zona norte, e faz com que senhoras avançem sobre o carro e a dona com seus rolos de fazer pastel. Uma celebridade aparentemente acuada, uma tigresa com muito ódio no coração. Esse é o episódio de Santos. Em cada uma das histórias, os cineastas conseguiram deixar suas assinaturas. Um dos destaques é a habitual maestria de Khouri na construção de atmosfera em que tudo quer mais dizer do que é dito. Outro é a crueza impactante do cinema de Roberto Santos. As Cariocas vêm aí na TV sob a batuta de Daniel Filho, o mesmo que levou para a telinha uma das melhores séries de sua história, a maravilhosa e inspirada A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues.
Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo
Eu li o livro. Stanislaw Ponte Preta era bábaro! Não sei se você sabe, mas o Daniel FIlho produziu para a Rede Globo uma minissérie sobre As Cariocas, que será exibido nesse segundo semestre de 2010.
ResponderExcluirhttp://culturaexmachina.blospot.com
O livro eu ainda não li não, mas da série sei sim, como está dito aí no final do texto.
ResponderExcluirQuero muito ver esse trabalho do Daniel Filho, pois adoro A Vida Como Ela É.
Abs
Como acabei ficando admirador do trabalho do Daniel Filho, vou prestigiar essa minissérie quando passar. Quanto ao longa, tenho pouca lembrança, mas só cheguei a vê-lo por causa do Khouri mesmo.
ResponderExcluirAilton,
ResponderExcluirNão vou perder essa série de jeito nenhum.
O episódio do Roberto Santos é ótimo e tem atuação sensacional da Íris Bruzzi.
Abs