Direção: Ruy Guerra
O Cinema Novo, página importante da história do cinema
brasileiro, propunha-se a realização de filmes com forte acento político e
social - fossem rurais (primeira fase) ou urbanos (segunda fase) - e com
propostas conscientizadoras. Reuniu cineastas como Glauber Rocha, Paulo Cesar
Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Leon Hirszman e Carlos Diegues,
em inquestionáveis obras-primas como Deus e o diabo na terra do sol (1963), de
Glauber, Os fuzis (163), de Guerra, e O padre e a moça (1965), de Joaquim. O
mestre Nelson Pereira dos Santos dirigiu um dos maiores do período, Vidas secas
(1963) - ainda que há alguns anos tenha dito que ele, Nelson, não era Cinema
Novo. Com o endurecimento da ditadura civil-militar pós AI-5, em 1968, muitos
se exilaram e outros partiram para filmes mais herméticos e alegóricos, como
Ruy Guerra em Os deuses e os mortos (1970).
Em Os deuses e os mortos, coronéis do cacau no nordeste –
Jorge Chaia e Rui Polanah - se digladiam pelo poder, o que custa baixas de cada
lado em um crescendo incontrolável. Enquanto essa guerra se trava, um estranho
homem, Othon Bastos, busca seu lugar nesse reinado, em meio a personagens como
a esposa de um dos coronéis e seu desejo de posse – Norma Bengell; uma
camponesa justiceira – Ítala Nadi; um dos capangas em conflito – Nelson Xavier; uma prostituta dona de zona – Mara Rúbia; e uma louca grávida que perambula
pelas terras dos senhorios – Dina Sfat. Os deuses e os mortos é filme super premiado
– no Festival de Brasília arrebatou Melhor Filme, Direção, Ator (Bastos), Atriz
(Dina Sfat), Cenografia e Trilha Sonora -, mas ainda assim é um dos menos
comentados, e talvez menos vistos, do Cinema Novo. O roteiro e os diálogos são
assinados por Ruy, Flávio Império e Paulo José – também um dos produtores do
filme – que não facilitam a vida do público, nem o de ontem e nem o de hoje. O
filme tem encenação poderosa, mas aposta alto em teor alegórico, o que não o
torna de fácil digestão, ainda que, como imagem, impressione. Em seu misto de
biografia e autobiografia – assinada por ela e Mara Caballero -, Dina Sfat, que
estava realmente grávida durante as filmagens, registra: “- Participo do filme,
faço o papel de uma louca grávida, passo alguns dias em Ilhéus, chego a pensar
que a minha criança vai nascer em pleno cacau. No fim de tudo ganho um prêmio e
uma música de Milton Nascimento, “Cravo e Canela”. Mas o filme, Os deuses e os
mortos, é um modelo de produção descontrolada. Gasta-se muitíssimo, Rui Guerra
cria, Paulo José não sabe de onde arrancar dinheiro e pede emprestado até ao
Mazzaropi. Quando a coisa se encerra, devemos 450 milhões de cruzeiros; eu
ganho 3 milhões, o Paulo José, 12 milhões”. Os deuses e os mortos tem trilha de
Milton Nascimento, que também faz ponta como ator.
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