quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (281)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

281 - Bububu no Bobobo (1980), de Marco Farias **1/2

Último filme de Marco Farias - diretor que integrou o Cinema Novo e que faleceu precocemente aos 52 anos em 1985 - esse Bububu no Bobobo é uma homenagem aos áureos tempos do Teatro de Revista. Farias era altamente politizado, e mais uma vez não abandonou suas preocupações sociais e políticas usando do gênero revista para falar de seu tempo. Ainda que aqui é a homenagem a um estilo que teve sua época de ouro que está a frente de tudo. A presença de Angela Leal não só como atriz, mas também como co-produtora e co-assinando o argumento não é à toa, pois é filha de empresário do ramo e fundador do Teatro Rival, palco de muitas delas, inclusive produzidas por ele - nos últimos anos, Angela e sua filha, a também atriz Leandra Leal, administram o teatro. Como se sabe, as revistas colocavam em cena doses generosas de crítica em meio à músicas de salão, piadas de duplo sentido, muitas plumas, paetês e pernas estonteantes de suas vedetes. O filme tem tudo isso, em que uma trupe encena uma revista com enorme fracasso, enquanto especuladores imobiliários rondam o teatro a fim de comprá-lo - para destino não muito diferente que tiveram várias salas de cinema de rua que viraram supermercado, estacionamento e igrejas evangélicas. O dono do local e da companhia é Rodolfo Arena, que junto com a família sempre viveu dos espetáculos e resiste enquanto pode. A mulher é Nélia Paula, atriz principal, a filha é Angela Leal, atriz secundária, e o genro é Nelson Xavier, autor e diretor. Há ainda Michele, a estrela, e outros artistas como Ankito, Mara Rúbia, Colé, Silva Filho, Wilson Grey, Silveirinha, Gracinda Freire, Nick Nicola, e Carvalhinho - como o administrador. Bububu no Bobobo coloca em cena tanto a própria revista que o elenco protagoniza, como também discussões entre eles sobre o auge e o declínio do gênero. Mara Rúbia foi uma grande vedete da época áurea, daí a veracidade tanto de sua performance em cena quanto nas conversas acaloradas nos bastidores. O filme abre espaço ainda para as histórias dos personagens, com ênfase na relação conturbada entre Angela Leal e Nelson Xavier. Ela com ciúmes da estrela e querendo uma personagem melhor; ele se sentido o bode expiatório do fracasso da temporada do grupo. No elenco, Rodolfo Arena mostra mais uma vez porque sempre foi recrutado pelos mais diferentes diretores do cinema brasileiro, em mais uma interpretação arrebatadora. Pena que esse Bububu no Bobobo não tenha conseguido resultar em filme à altura de suas ótimas intenções.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (280)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

280 - Real Desejo (1985), de Augusto Sevá ***

"Se não fosse esse nosso imenso e difícil amor. Não fosse esse abismo entre nós, eu te convidaria a dançar o meu último bolero". Esses versos de Antonio Bivar são ditos por Maria Bethânia no disco Drama 3º Ato, registro de um dos seus grandes momentos nos palcos, antes de cantar "Donde Estara Mi Vida?", sucesso na voz de Gregorio Barrios nos anos 1950. Esses versos e o título dessa canção casam feito uma luva para a personagem de Ana Maria Magalhães nesse Real Desejo, de Augusto Sevá. Uma pequena diferença é que ela vai convidar Paulo Cesar Peréio, seu imenso e difícil amor, é para um tango. Em Real Desejo ela é uma atriz que faz sucesso na novela do momento, e que entra em crise com o amado/amante Peréio, ele também ator e par romântico na tal novela e na vida. Os dois estampam as revistas da TV e o público torce por eles sem saber que a trama cor-de-rosa ganhou cores nada amenas na realidade. O filme começa com Magalhães vislumbrando Peréio em uma estação de metrô, mas do lado oposto ao seu. Ele finge que não a vê, ela corre até o lado dele, só que ao chegar vê que ele não está mais. A partir daí, sua personagem vai iniciar uma busca para esse possível último tango - será o último? - enquanto se pergunta mesmo é onde está sua vida - ainda que descobriremos depois que essa busca já havia sido inciada. Real Desejo poderia ser mais um de tantos enredos sobre relacionamentos em crise, mas é na direção de Sevá, na fotografia e câmera de José Roberto Eliezer e na montagem de José Carone Jr que encontra seu verdadeiro diferencial. Pontuado por elipses elegantes, uma São Paulo quase como uma personagem, e a presença de luxo de música de José Miguel Wisnik na trilha sonora, o filme tem charme e ambiência sedutora - ainda que nem sempre funcione assim. As associações entre a imagem pública e a esfera privada da personagem possibilita bons momentos para Ana Maria Magalhães em sua beleza madura - mesmo que também haja deficiências em algumas dessas situações, como no desfecho do affair com o ladrão de carros vivido por Paulão. Real Desejo é filme um tanto obscuro e o único longa de ficção de Augusto Sevá - ele dirigiu o documentário A Caminho das Índias (1982 - com Isa Castro) e desempenhou funções técnicas em outros filmes. É um dos últimos trabalhos de atriz de Ana Maria Magalhães, que a partir do Cinema da Retomada privilegiará a carreira de cineasta. Ainda no elenco, uma boa aparição de Isa Kolpeman - atriz de estilo personalíssimo - fazendo personagem tão perdida quanto a de Magalhães, mas talvez em esfera mais trágica e profunda.

Obs.: imagem retirada do blog Estranho Encontro

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (161)


Jean Simmons.





Nu!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (279)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

279 - O Rebeliado (2009), de Bertrand Lira *

Uma das piadas maliciosas que transitam no mundo gay é a que diz que se existe ex-viciado, ex-padre, ex-macumbeiro - e milhares de outros ex - com certeza não existe ex-bicha. Pois esse O Rebeliado, dirigido pelo cineasta paraíbano Bertrand Lira, tem como foco exatamente a negação dessa máxima do mundo fashion. Ele conta a história do pastor Clóvis, a ex-travesti Anastácia, que depois de muita viração em João Pessoa, tornou-se evangélico e tem como principal missão trazer gays e lésbicas de volta ao sacrossanto mundo da heterossexualidade. Afinal, esse é o verdadeiro lugar para homens e mulheres no entendimento de muitas religiões, inclusive a católica, nesse mundo de meu Deus - ou pelo menos no deles. Muito já se falou aqui nos caminhos possíveis para o documentário, dentre eles aqueles que focam um personagem mas sem abrir mão de investimento na linguagem, e outros que calcam sobretudo em seu objeto. Esse último é o caso desse O Rebeliado, que às vezes parece quase aquelas filmagens que muitos saem a fazer sobre qualquer coisa, com a exclusão total de aspectos como direção de arte e com direito a ângulos sem muita elaboração. Não deve ser mesmo por displicência, pois Bertrand Lira é também professor de cinema na universidade federal da Paraíba. Mas talvez porque ele e sua equipe tenham apostado todas as fichas no seu personagem. E é aí que a porca torce o rabo. A história de Clóvis é interessante, pois criado sem pai, encontrou na mãe uma companheira de caminhada e de compreensão - é a melhor personagem do filme. Depois de muito trabalho infantil para ajudar na criação dos irmãos - é o mais velho - e mais adiante inclusive para bancar a bebedeira do padrasto, ele é posto na rua e toma seu caminho. Batizado pelas colegas de viração como Anastácia, faz da prostituição profissão, até o dia em que aceita Jesus - como diz mais de uma vez -, muda tudo e começa a ser guia espiritual para quem batesse à sua porta. Daí o nome rebeliado, pois nessa época ainda era autônomo e por isso tinha a oposição de líderes da igreja. Mas por fim torna-se pastor, casa-se e tem um filho, e divulga sua missão dando testemunho de vida em entrevistas para a TV e em seu programa de rádio. O pastor Clóvis é ligado à Assembléia de Deus, uma das mais conhecidas igrejas pentecostais. Há em todo o embasamento dele, e também em outros personagens que dão depoimento durante o filme, sempre um entendimento muito particular e firme na interpretação dos ensinamentos da bíbia. Isso diminiu em muito a eficácia do filme, pois muitas vezes parece que estamos em um processo de tentativa de conversão não muito diferente daquelas abordagens que nos fazem nas ruas. Só não se põe tudo a perder porque Clóvis, que assusta na suas pregações emocionais na rádio, revela uma certa elegância quando sai do púlpito - como, por exemplo, no encontro com a presidente da associação das travestis da Paraíba, um bom momento do doc. O Rebeliado trata de um universo acalorado, a homossexualidade - e as últimas eleições e os ataques recentes em São Paulo estão aí para não nos deixar mentir -, aqui pela vertente que parte dos evangélicos insiste em praticar: o que eles chamam de recuperação de gays e lébiscas. A parte o tema, que pode tanto atiçar a curiosidade como afastar, o maior problema desse doc nem está aí. O problema é muito testemunho religioso - com a estética característica das igrejas pentecostais - para pouquíssimo cinema.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (278)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

278 - Relatório de um Homem Casado (1974), de Flávio Tambellini ****

O cinema do paulista Flávio Tambellini é todo calcado na alta literatura - Nelson Rodrigues - O Beijo (1964); Pedro Bloch - Até que o Casamento nos separe (1968); Orígenes Lessa - Um Uísque antes... e um cigarro depois (1970); Rubem Fonseca - Relatório de um Homem Casado (1974) e A Extorsão (1975). Os dois últimos filmes foram com o mestre Rubem Fonseca, que assinou o roteiro junto com o cineasta. Tambellini encontrou na novela O Diário de Carlos, do escritor, a elegância necessária para realizar esse memorável Relatório de um Homem Casado. Homens casados e com estabilidade financeira obcecados por jovens perigosas já renderam inúmeros filmes, seja no cinema brasileiro ou internacional - O Anjo Azul (1929), de Josef von Sternberg, costuma ser a matriz de muitos. Mas o grande diferencial desse Relatório é a forma como a direção conduz a história de uma paixão avassaladora com um distanciamento e um tratamento seco incomuns nesse tipo de abordagem. Nery Victor é um advogado casado que leva a vida sem maiores rompantes, sempre com foco nos negócios do escritório que divide com o sócio Otávio Augusto. A morte do pai, José Lewgoy, que no leito de morte lhe revela que nunca amou a mãe dele e teve duas amantes, parece ecoar mais fundo do que imagina no seu mundo organizado e frio. E o encontro com Françoise Forton, uma jovem cliente apresentada pelo devasso amigo Fábio Sabag, coloca sua vida de pernas para o ar. Nery Victor segura bem o personagem, mas quem rouba a cena mesmo é Françoise Forton, que despontava no cinema estonteante, depois da deliciosa participação em fase adolescente com Stepan Nercessian em Marcelo Zona Sul (1970), de Xavier de Oliveira. Na transição entre a fase lolita e a de mulher plena, Forton magnetiza o olhar da câmera com sua personagem amoral - às vezes parece uma menina mimada, noutras uma vamp destruidora. Seu gozo com as sessões de massagem, de ducha e com o esmalte vermelho a lhe ressaltar as garras, enquanto o amante afunda cada vez mais, é símbolo acertadíssimo sobre o quanto uma paixão pode ser ninho perfeito para uma serpente. Mas se a obsessão dele por ela só faz crescer, a encenação continua a perseguir o tom distanciado e, paradoxalmente, quase asséptico - não há, por exemplo, cenas calientes de sexo e a combustão se faz presente em apenas uma cena ou outra. E é nessa escolha arriscada que o filme cresce e nos seduz, avançando léguas e léguas de muitos outros com o mesmo tema. Destaques ainda no elenco para Fábio Sabag, Janet Chermont, José Lewgoy e Betty Saddy. Relatório de um Homem Casado recebeu o Coruja de Ouro de Melhor Roteiro e o APCA de Melhor Filme e de Melhor Montagem (Leon Cassidy).

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (92)


Lady Francisco.





Salve Salve!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (277)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

277 - É Isso Aí, Bicho - Geração Bendita (1972), de Carlos Bini ***

Nos anos 1960 e 70, uma comunidade hippie fez história em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Isso pela novidade daquele modelo alternativo de vida e porque lá também estavam os músicos da banda Spectrum. Os rapazes lançaram em 1971 o LP Geração Bendita e participaram desse É Isso Aí, Bicho - Geração Bendita, considerado o primeiro filme hippie brasileiro, e que difundiu o modo de vida daquela comunidade, alojada no sítio Quiabos. O cineasta Carlos Bini, também de Nova Friburgo, roteirizou, dirigiu e protagonizou a história, em filme que foi proibido pela censura, mutilado, e que acabou sendo fracasso de bilheteria quando lançado. O mesmo aconteceu com o disco da banda, que não teve repercussão, e seria redescoberto só tempos depois na Europa, onde virou raridade e disputa entre colecionadores, e relançado trinta anos depois de sua feitura por um selo alemão, em 2001. Os alemães babaram com o rock psicodélico do Spectrum, e o disco foi alçado à condição de obra-prima. Já o filme, ficou ingualmente esquecido, até que, finalmente, veio à tona novamente - tanto na internet quanto no Canal Brasil. A trama, na verdade, é um fiapo. Advogado se cansa dos tribunais, fóruns e processos, joga tudo para o alto, e se integra à comunidade de hippies que vendem flores e artesanatos na cidade, sempre com o violão e outros instrumentos percussivos a tiracolo. Nessa transição, conhece uma garota de classe média, que enfastiada com a mãe controladora e o noivo que a convida ora para a missa ora para o cinema, flerta com aquele mundo dissonante de sua realidade e inicia romance escondido com ele. O que menos interessa ao filme é esse entrecho, já que o que está no centro da lente é o modo de vida daqueles cabeludos que amavam os Beatles e os Rolling Stones e professavam a filosofia de paz e amor. Daí, vê-se o dia-a-dia da moçada, com afazeres domésticos coletivos - como rachar lenha e preparar a salada ; amamentação para a cria que segue os passos alternativos dos pais; banhos de rio com todo mundo pelado; reuniões de mistismo oriental; e, claro, cigarrinhos de maconha passando de mão em mão - é ótima a cena do fornecedor que traz pacotão da erva enrolado em papel de pão e é recebido como rei por seus súditos. O romance entre os protagonistas, o próprio Carlos Bini e Rita de Cássia - que estreia como atriz e depois faz carreira tanto no cinema como na TV - é fraquinho, mas é recheio necessário para exibição nos cinemas. Não fosse isso, ficaria na esfera do documentário - que, aliás, parece ter sido a primeira opção. Uma sacada boa é a presença de um religioso que vive perseguindo a turma bicho-grilo com seus sermões bíblicos. A fotografia e a câmera de Fritz Meldy Lucien Mellinger - que também produziu e montou - é bacana, sendo que o grande destaque mesmo vai para a trilha inspirada e que permeia todo o filme. Carlos Bini e a Spectrum voltariam a se unir em O Guru das Sete Cidades (1972) - segundo e último filme do cineasta. É Isso Aí, Bicho - Geração Bendita é mesmo filme singularíssimo na história do cinema brasileiro - aliás, como é singularíssima também a década de 70 para a nossa cinematografia.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo