Direção: Gilda de Abreu
Gilda de Abreu é capítulo importante na história do cinema
brasileiro, e, para as mulheres, fundamental. Afinal, é uma das pioneiras na direção de longa-metragem no país; Cléo de Verberena foi a primeira com O mistério do
dominó preto (1930), e Carmen Santos começou a dirigir antes de Gilda seu
sonhado Inconfidência Mineira (1939/48), mas só o concluiu depois. E Gilda não
debutou nas telas dirigindo um filme qualquer, foi nada mais nada menos que o
arrasa-quarteirão O ébrio (1946), arrastando multidões aos cinemas na época. O
filme é uma adaptação da canção homônima de sucesso - e da peça originada
dela - de seu marido, o cantor e compositor popularíssimo Vicente Celestino, protagonizado
pelo casal. Seu passaporte para o cinema foi um caminho derivado dos palcos,
onde se consagrara como cantora de operetas, além de empresária e
diretora. Soma-se a isso o fato de ter causado também em sua estreia como atriz
de cinema no bem-sucedido Bonequinha de seda (1936), de Oduvaldo Vianna, uma
produção do estúdio carioca Cinédia, o mesmo que produziu sua estreia como
cineasta. Com essa carreira avassaladora, Gilda então leva, em seu segundo
longa, mais uma adaptação de uma canção do marido, que também já originara peça
de teatro, Coração materno (1951).
Coração materno, a música, seria prato cheio para um filme
de horror, afinal conta a história tenebrosa de um casal em que, para provar
seu amor, a mulher exige do amado que ele arranque o coração de sua própria mãe
para oferta-la. Só que nas mãos de Gilda de Abreu essa história
maravilhosamente sugestiva e horripilante virou um melodrama dos mais
carregados, e o tal gesto tresloucado não passa de uma simbologia na trama –
que é melhor não revelar. Coração materno é a história de amor entre um
camponês bronco e uma jovem rica prometida em casamento a um conde falido.
Maliciosa, ela, Julieta, faz gato e sapato daquele que a amou desde criança,
até descobrir/assumir que também morre de amores por ele, Carlos, um homem
abandonado em uma igreja e criado pelo padre – por isso é conhecido como o
Enjeitado. Na época das filmagens, Gilda tinha entre 46/47 anos, e Celestino
entre 56/57, mas isso não os impede de encarnar jovens moços suspirantes de
amor, às voltas com encontros e desencontros, o que tira grande parte de
identificação com a história. Amor materno tem produção caprichada, com
cenários e figurinos condizentes com o pretendido, mas se afoga no roteiro
pesado – também de Gilda – e na interpretação carregada de Celestino. Infelizmente,
não chega perto do que foi/é O ébrio, o cartão de visitas do casal nas telas.
Um adendo: só em 2003 a história contada na canção Coração materno ganharia seu
registro de horror no acachapante curta Amor só de mãe, dirigido por Dennison
Ramalho.
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