sábado, 16 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (015)

A volta de Jerônimo no sertão dos homens sem lei (1981)
Direção: Agenor Alves



O baiano radicado em São Paulo Agenor Alves fez história. Afinal, é o cineasta negro que, até agora, mais dirigiu longas no cinema brasileiro, só perdendo para o pioneiro Cajado Filho, carioca que nas décadas de 1940 e 50 dirigiu cinco. Agenor Alves subiu ao pódio em lugar mais alto, pois dirigiu sete: Tráfico de fêmeas (1978), Noite de orgia (1980), A volta de Jerônimo no sertão dos homens sem lei (1981), As prisioneiras da ilha do diabo (1981), A cafetina de meninas virgens – O kapanga (1982, codireção de Guilermo Vera), Lídia e seu primeiro amante (1982), Eu matei o Rei da Boca (1987). Depois de atuar, estreia como cineasta em Tráfico de fêmeas, e a partir daí dirige filmes eróticos, aventura e policial.


Em A volta de Jerônimo no sertão dos homens sem lei nosso herói, Antônio Fonzar, acabou de chegar da cidade com a esposa a tiracolo, Fátima Celibrini, para a lua de mel em sua fazenda. Só que a moça resolve passear pelas terras, encontra uma gangue de bandidos, que a estupra e mata. Os ladrões estavam a caminho de um golpe no fazendeiro vizinho de Jerônimo, chefiados pelo homem de confiança do ingênuo patrão, Hélio Souto na pele de um cigano, que foi entregar o gado em um matadouro, mas com a intenção de botar a mão na grana e dividi-la com seus comparsas. Com isso, Jerônimo sai no encalço deles para vingar a morte da esposa, acompanhado do fazendeiro e amigos da região, que tentam reaver o dinheiro e também fazer justiça. Aqui nesse filme é melhor esquecer Cerro Bravo, Moleque Saci, Aninha, e todo aquele ar juvenil do seriado da Tupi – para quem é da época – de Jerônimo, o herói do sertão (1972/73), protagonizado por Francisco di Franco e Canarinho – e mesmo o longa homônimo dirigido por C. Adolpho Chandler em 72. Pois imagina se um dia algum espectador da época iria imaginar Jerônimo todo dengoso na cama com a esposa – que não é sua mítica noiva Aninha do seriado e do primeiro longa-, em filme com cenas de sexo e salpicado de nudez dos mais diferentes quilates? O argumento e o roteiro são assinados pelo próprio Agenor Alves, mas o que ele fez mesmo foi se apossar, do seu jeito. do lendário herói do campo para fazer um filme de aventura sim, mas, como é produção da Boca do Lixo, aproveitar cada situação para tirar a roupa das moçoilas – e aí vale tanto uma cena esdrúxula na zona da cidade ou até as bem filmadas cenas de sexo entre Fonzar e Celebrini, e também entre Souto e sua parceria. Aliás, os grandes destaques são a câmera e a fotografia espetacular de Pio Zamuner, realmente um mestre na captação daquele universo rural – pena que a trilha sonora onipresente fique o tempo todo querendo destruir o mostrado, já que não se cala um só momento. Esse filme é um exemplo inconteste de como todo o universo possível de gênero e subgênero, trama e situações, foi reapropriado pelos produtores e diretores da Boca do Lixo. Mesmo que na cara dura como foi nesse A volta de Jerônimo.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (014)

Jerônimo, o herói do sertão (1972)
Direção: C. Adolpho Chadler



É praticamente impossível para quem foi criança e adolescente no início da década de 1970 e espectador da Rede Tupi não ter acompanhado as aventuras de um intrépido e corajoso justiceiro de moral ilibada na série Jerônimo, o herói do sertão (1972/73). Mais difícil ainda esquecer Francisco di Franco, em seu porte viril, como o protagonista, e seu parceiro Moleque Saci, interpretado com gaiatice por Canarinho – e mais a heroína Aninha (Eva Christian). Na verdade, a saga do cavaleiro que enfrentava um temido coronel e seus capangas na cidadezinha de Cerro Bravo já havia conquistado muitos na década de 50, na radionovela homônima interpretada por Milton Rangel. Em 1984, o SBT tentou ressuscitar o herói na novela Jerônimo, também protagonizada por Di Franco, com Eduardo Silva como o moleque e Susy Camacho como Aninha, mas não repetiu o sucesso. E é esse herói do campo que o cineasta carioca C Adolpho Chadler levou para as telas do cinema também em 1972.


Em Jerônimo, o herói do sertão nosso cavaleiro destemido e seu parceiro Moleque Saci são chamados pelo delegado e por um empresário para recuperarem um grande diamante, o Rainha do Sul, roubado por um bando de criminosos. A trilha vai levar a dupla até a fazenda da velha Tabarra e seus filhos, que em um primeiro momento se apresenta como uma bondosa mãe de família, para depois se revelar como uma vilã implacável. O que Jerônimo nem imaginava é que sua noiva Aninha viria em seu encalço e se tornaria refém dos bandidos. Se na televisão, lá nos idos de 70, a saga de Jerônimo já era vista por espectadores mirins como eu como um tanto infantilizada, imagine a impressão assistindo a esse filme da mesma época? Pois C. Adolpho Chadler levou para as telas o universo criado nos anos 50 por Moysés Weltman, que assina o argumento e o roteiro do filme, sem injetar adrenalina necessária tanto na trama quanto na direção. Também ator, ele mesmo encarna o herói, ao lado de Osório Polico como o Moleque Saci e Elizabeth Baker – ao que parce filha de Adolpho, pois consta em registros com Elizabeth Chadler – como Aninha. O grande destaque mesmo é Yara Cortes, que surpreenderia com sua perfeita vilã em A rainha diaba (1971), de Antônio Carlos da Fontoura – em contraposição a inúmeros personagens de mãezona nas novelas de TV -, vivendo aqui também uma daquelas vilãs implacáveis e sanguinárias de faroeste com toda a pompa. A cena em que ela se despe do vestido de chita e rendinhas de velhinha amorosa para revelar a calça comprida, botas e revólver na cintura é impagável. Outro destaque no elenco é a beleza de Marly de Fátima, como a a rebelde e única filha do bando, uma das musas do cinema popular. Pena que Chadler, que se deu tão bém como diretor no policial de espionagem Os carrascos estão entre nós (1968), tenha demonstrado aqui mão tão frouxa para um filme que poderia ter sido um vigoroso representante do cinema brasileiro de aventuras.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (013)

alguém... (1978)
Direção: Julio Xavier da Silveira



André Carneiro (9/05/1922 - 4/11/2014) tem trajetória importante como poeta, contista, romancista, artista plástico e fotógrafo – como poeta foi nome de destaque na Geração 45, ao lado de mestres como João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Mário Quintana e Lygia Fagundes Telles. E foi um dos pioneiros e maiores escritores do gênero ficção científica no país. Nascido em Atibaia, São Paulo, foi ligado ao cineclubismo e dirigiu filmes experimentais. Um deles é o belo Solidão (1951), representante do Brasil no festival de cinema amador na Inglaterra. É de sua autoria o conto "Mudo", adaptado para o cinema no primeiro e único longa do cineasta paulista Júlio Xavier da Silveira, alguém... (1978). 


Em alguém... Nuno Leal Maia é o estranho e enigmático Mudo, um camponês que vive e trabalha nas terras do fazendeiro Henrique Cesar e sua família formada pela esposa Rachel Araújo, em ótima composição, e os filhos do casal Denis Derkian e Myriam Rios - depois ainda chega o professor de francês Ewerton de Castro. Mudo fica horas passando a mão em plantações, como frutas e flores, e olhando fixamente para elas. O resultado? Jabuticabas, uvas, pêssegos e flores atingem tamanhos enormes, independentemente de suas estações climáticas específicas. Tido como excêntrico e até mesmo como santo por alguns moradores rústicos da região, é na Casa Grande que ele vai causar ebulição ao despertar o interesse da adolescente rica, que vai iniciar uma relação com o rapaz, que poderá significar sua rendição ou perdição. Alguém... procura instalar um registro sério e de ambiência intimista, no mundo telúrico de Mudo em contrapartida ao mundo de whisky, Elvis Presley, vitrola e lambreta da família. Tudo situado em universo com elementos do fantástico – as mutações na natureza sem explicação lógica - e um despertar da juventude nos anos 1950. Bom, mas aí Júlio Xavier da Silveira comete o primeiro pecado: a escalação de Nuno Leal Maia como o protagonista. Nuno é ator de talento e uma das caras mais legítimas do cinema dos anos 70 e 80, mas é impossível vê-lo em volta de suas uvas verdes enormes sem vir imediatamente à cuca seu matuto de O bem dotado – o homem de Itu (1977), de José Miziara. Daí fica difícil embarcar de verdade naquele universo proposto, já que a comédia rasgada de Miziara fica o tempo todo perambulando as ideias e embaçando o clima - os dois filmes são mais ou menos da mesma época, mas como O bem dotado foi sucesso e esse não, o primeiro se impõe no imaginário, Segundo: a direção não consegue ligar, em sentido orgânico, os diferentes planos da narrativa. O universo de Mudo e da casa grande até que sim por causa do fascínio recíproco entre ele a personagem de Myriam Rios – linda e muito antes de se transformar na política homofóbica atual; mas o mundo dos outros moradores, camponeses que destilam maledicência em seus repentes sobre os personagens, fica descolado do resto. Com tantos descompassos, alguém... é filme que fica pelo meio do caminho, ainda que ao terminar a gente nem saiba mesmo por onde andou ou ficou.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Longas Brasileiros assistidos em 2016 (012)

O gato de botas extraterrestre (1990)
Direção: Wilson Rodrigues


Heitor Gaiotti de gato com direito a rabão grosso e look antropofágico de A bela e a fera, de Jean Cocteau; Felipe Levy de rei que faz cara de que não acredita minimante nesse figurino de manto, cetro e coroa; Zezé Motta transformada em coruja; Joffre Soares de feiticeiro com estampa psicodélica; um elenco que junta Maurício Mattar, Tony Tornado, Zé do Caixão e Tônia Carreiro; e tudo embalado pela trilha sonora de Blade Runner – o caçador de androides. Ah, e ainda tem nave espacial, que parece ter sido feita mesmo de papel crepom. E o nome do filme - que é por si só uma maravilha? O gato de botas extraterrestre. Pois é, o baú do cinema brasileiro não é para amadores e tampouco minimamente assemelhado a essas comédias em pencas atuais que fazem as bilheterias tilintarem. Quer coquetel mais saboroso que esse? Ok, ok, a receita pode desandar ali e acolá, mas é muita criatividade nonsense, o que valeria anos de aprendizado por correspondência pelo Instituto Universal Brasileiro para inúmeros e empostados cineastas atuais que acham sempre que estão reinventando a roda. O responsável por isso tudo? O mineiro radicado em São Paulo, Wilson Rodrigues, diretor e também produtor da façanha.


Em O gato de botas extraterrestre somos conduzidos à fábula de Perrault reescrita pelos Irmãos Grimm, em adaptação de Rubens F. Luccheti – só que dessa vez o bamba parece ter ligado o foda-se e o roteiro morno contradiz sua habitual mente criativa. Quem deita e rola mesmo é o diretor – ainda que isso não signifique injeção de adrenalina. Na história, o dono de um moinho morre e deixa a herança para os três filhos: a propriedade para o mais velho; um burro para o do meio; e um gato para o caçula. Só que não é um gato qualquer não. Ele tem o tamanho dos marmanjos, caminha em duas pernas, e fala baldes – ainda que ninguém estranhe nada disso, seja a realeza, seja a plebe. Ele então bola um plano rocambolesco para mudar a vida de seu dono miserável - um Maurício Mattar na extrema beleza de seus poucos mais de vinte anos, dois depois de estampar – para alegria quase geral - o pau em close em O cinema falado (1986), de Caetano Veloso. O tal quiproquó o fará se tornar um marquês riquíssimo, dono de terras e de castelo,  e pretendente natural à mão da filha do rei – uma Flávia Monteiro de princesa  só no estilo caras e bocas. Bom, mais aí tem o detalhe extraterreste do título, né? E que diabos de recurso foi esse enxertado na clássica fábula? Ora ora ora, melhor não revelar, pois isso torna tudo ainda mais delirante. O  filme é creditado no "Dicionário de Cineastas Brasileiros", de Luiz F. A Miranda, com a data de 1988 – a publicação sempre prioriza a realização; mas parece que o lançamento foi só depois, em 1990. Produção infanto-juvenil que mais parece viagem de LSD em slow motion – são inacreditáveis os longos tiriricotés de rabos abanando do tal bichano pelos campos -, O gato de botas extraterrestre, se degustado com diversão zombeteira e piscadela de olho, pode se transformar em momento único. Mas aí vai depender do gosto do freguês.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Filmes Brasileiros assistidos em 2016 (011)

O predileto (1975)
Direção: Roberto Palmari



São inúmeros os filmes brasileiros que, parece, entraram num buraco negro e ficaram anos-luz de distância do público, pelo menos o atual. Como é o caso de O predileto (1975), primeiro longa do diretor paulista Roberto Palmari, ainda que premiado  como Melhor Filme, Ator, Roteiro e  e Fotografia no Festival de Gramado, e também pelo INC e pela APCA  – o episódio As três virgens do longa Contos eróticos (1976) e Diário da província (1977) são seus outros filmes. Nada mais injusto, pois O predileto é filme vigoroso desse que foi um dos homens da história da televisão brasileira – foi um dos fundadores da TV Excelsior, com passagem importante também pela Tupi. E só por ter dado o protagonismo para o notável Joffre Soares, como outros cineastas espertos também fizeram em filmes ótimos naqueles anos 70, como George Sluizer em A faca e o rio (1972), Luiz Paulino dos Santos em Crueldade mortal (1976), Carlos Diegues em Chuvas de verão (1977, e Osvaldo de Oliveira em O caçador de esmeraldas (1978)), já seria uma bola dentro.  O filme é uma adaptação do romance Totônio Pacheco, de João Alphonsus, com roteiro de Palmari e do genial Roberto Santos.


Em O predileto Joffre Soares é o velho autoritário, machista e irascível coronel Pacheco. Com a morte de sua esposa, seu filho Othon Bastos retorna à velha fazenda para um áspero reencontro com o pai. Convencido a passar alguns dias na cidade, sobretudo pelo amor que tem pelo neto, o coronel encontra na casa do filho a oposição da nora Célia Helena, que mal suporta a presença  do sogro e está interessada mesmo é na herança que poderá receber. No asfalto, a única companhia que encontra, além do neto, é do vigia de obra Abrãao Farc, até que conhece a casa da cafetina Wanda Kosmo e se encanta com Suzana Gonçalves, a prostituta Coló. O velho Pacheco é um homem rude de outros tempos, com frequência exalta seu orgulho do avô escravagista e de como derrubou sua primeira negrinha e virou homem. E é esse seu mundo sem docilidades que se choca até mesmo com o mundo miserável e ordinário das prostitutas da mãezinha Kosmo. Dentre elas, a Coló de Suzana Gonçalves, em maravilhosa atuação – com um aparente desleixo de composição alcançado com rigor - de uma atriz que abandonou a carreira artística para retomá-la só muitas décadas depois. O predileto conta com grandes atuações femininas, como a amarga e moralista de Célia Helena, a voluptuosa empregada ofendida  de Ruthinéa de Morais – tenho paixão por essa atriz -, e a mercantilista cafetina de Wanda Kosmo. Mas é na dobradinha Joffre/Suzana que o filme atinge fervura máxima. O predileto é filme que merece ser mais conhecido.