sábado, 10 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (83)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

083 - Vidas Nuas (1967), de Ody Fraga **1/2

Esse Vidas Nuas teve produção atribulada, e o resultado final denota seus percalços. Primeiro longa de Ody Fraga, um dos mestres da Boca do Lixo, começou em 1962/63 com o título Erótica, mas foi concluído só em 67 pelos produtores Antonio Pólo Galante e Sylvio Renoldi - e montado pelo grande Renoldi - com o título de Vidas Nuas. O filme é baseado no conto de Ody, Erótica, e mostra uma família disfuncional: a jovem Nelcy Martins vive com a mãe Maria Alba, que sofre ao lado do telefone a espera do chamado do amante-gigolô Alfredo Scarlat, e com o padastro Francisco Negrão, que assiste tudo sem reagir, a não ser frequentando um inferninho toda noite, onde assiste a rainha do stripper acrobático Tânia Reyes. E enquanto Nelcy é assediada pelo amante da mãe, ela suspira pelo padrasto, que fica, aparentemente, indiferente à suas investidas - precursor romance a la escândalo padrasto/enteada de Allen/Farrow e cantado na bela canção de Guinga e Aldir Blanc Catavento e Girassol, com Leila Pinheiro, "um torce para Mia Farrow, o outro é Woody Allen". Como se sabe, Ody Fraga era um homem culto e de formação refinada, e que colocou todo o seu talento, com melhores ou piores resultados, para o cinema popular da Boca, onde foi requisitado como argumentista, roteirista e dialoguista por vários cineastas, além da própria carreira como diretor. Nesse Vidas Nuas é como se assistíssemos uma trama de Antonioni com lastros de Bergman, só que filtrado pela noite megalopole de São Paulo, geografia pulsante da Paulista aos inferninhos das boates de stripper. Se a trama fica um tanto capenga e frouxa e encontra prumo no elenco, ainda que à sua maneira também disfuncional, o que enche os olhos é a fotografia de Bill Kostal. Fascinada pelos letreiros luminosos e pelo amplo percurso vertiginoso por inúmeros espaços da cidade - a trama é contada por Maria Alba em trajeto de carro pela cidade - a fotografia faz impactante registro da noite de São Paulo, que em poucas vezes surgiu na tela mais linda e sedutora. Já a trilha sonora, uma das marcas do cinema de Ody, fica meio samba do crioulo doido em turbilhão desconcertante, pois divide espaço entre solos de jazz, iê-iê-iê, calypso, e Amir Rogério, do cult popular Fuscão Preto, que aqui ataca em carne e osso com Tem Dó de Mim, ao lado da banda Os Quatro Fugitivos - ver as moiçolas sarocoteando ao lado da banda e do astro é imagem divertida e registro elucidativo da versão rock´n roll da época. Aliás, é outro número musical um dos pontos altos do filme, dessa vez com Nelcy Martins com seu perucão louro, o sutiã pontudo, e um inacreditável ursão de pelúcia, dançando no quarto a la Brigitte Bardot. Uma curiosidade é que o elenco é formado por senhores e senhoras nem tão novinhos e sedutores, principalmente os homens. Destacam-se Francisco Negrão com seu ar blasê condescendente, e só vamos saber o porquê nos estertores do filme; e Maria Alba com o porte imponente, que vez ou outra nos remete a uma Anna Magnani com seu ar trágico e de fúria desesperada. Curioso e irregular filme de estreia de um nome fundamental do cinema brasileiro.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (115)


Glenda Jackson.




Nu!!!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (82)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

082 - Dona Xêpa (1959), de Darcy Evangelista ***

Algumas Grandes Damas do Teatro dedicaram suas carreiras basicamente aos palcos, mas ainda assim deram uma puladinha nos sets de filmagens para deixarem registrados seus talentos. Foi assim com Dulcina de Moraes Em 24 Horas de Sonho (1941), de Chianca de Garcia, e Cacilda Becker em Floradas na Serra (1954), de Luciano Salce. E foi assim também com Alda Garrido nesse Dona Xêpa, de Darcy Evangelista. Comediante de grande sucesso no teatro dos anos 1920 aos 60, seu cartão de visita foi exatamente a conhecida história da feirante Xêpa, criada por Pedro Bloch. Alda trabalha na feira, onde se diverte e bate boca com os colegas e a vizinhança, deixando sempre à mostra seu temperamento estourado e rude de mulher do povo, para vergonha de sua filha Odete Lara, que quer se dá bem e largar a vida de pobreza na vila. Xêpa tem outro filho, o inventor Herval Rossano, e não mede sacrifícios para que ele possa concluir seu invento, uma máquina geradora de energia nuclear cobiçada por uma gangue de escroques. O texto de Bloch - que aqui tem roteiro de Evangelista e Alípio Ramos -mistura comédia e melodrama e já possibilitou montagens de sucesso não só nos palcos como também virou novelas - Dona Xepa (1977), de Gilberto Braga, com Yara Côrtes; e Lua Cheia de Amor (1990/91), de Ricardo Linhares, Ana Maria Moretzsohn e Maria Carmem Barbosa, com Marília Pêra. O filme nos possibilita conhecer Alda Garrido e seu estilo de interpretação, e apesar da mão pesada de Evangelista, que em algumas cenas força a barra do melodrama sem organicidade, ainda assim acompanhamos a trama com interesse, sobretudo pelo contato com uma artista de extrema importância nas artes cênicas do país. Mãe rejeitada por filhos é um prato cheio para o gênero - basta lembrar do filme americano Imitação da Vida (1934 - John M. Stall; 1959 - Dougals Sirk) e tantas novelas - e o embate entre Odete Lara e Alda Garrido poderia render mais, mas é prejudicado pelo roteiro e pela direção pesada. Como cinema, quem rouba a cena muitas vezes é uma dupla hilariante e infernal em gaiatice: Zezé Macedo e Colé Santana. Ela é Camila, a ajudante de Dona Xepa e que suspira pelo malandrão Colé. Comediantes de mão cheia, donos do pedaço e íntimos do registro de cinema, Zezé e Colé têm aqui grandes momentos em suas longas trajetórias nas telas. E é se divertindo com a espivetada Camila, que pode se constatar mais uma vez porque Zezé Macedo é uma das mais memoráveis artistas desse país.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quinta-feira, 8 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (81)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

081 - Nós, Os Canalhas (1975), de Jece Valadão ****

Se o filme policial é página de ouro na história do cinema brasileiro, o alquimista maior é com certeza Jece Valadão. E aí tanto vale se é ator de filmes memoráveis como Paraíba, Vida e Morte de Um Bandido (1966), de Victor Lima, Mineirinho Vivo ou Morto (1967), de Aurélio Teixeira, e Eu Matei Lúcio Flávio (1979), de Antonio Calmon, ou como produtor e diretor. Como é o caso desse Nós, Os Canalhas, em que ataca em todas as frentes. Nos filmes de Jece paira no ambiente um ar empestiado de sarjeta e esperma, como se aqueles personagens que ele cria passassem o dia hibernando em lençóis sujos e amarfanhados para depois sairem à noite em busca de ar fétido como oxigênio. Em Nós, Os Canalhas estão todos eles lá: o mocinho cafajeste, as vedetes de inferninho, a bicha porralouquérrima, os jagunços matadores do asfalto, o canalha em pele de benfeitor. E ainda que seja forçação de barra Celso Faria virar Jece Valadão, a gente acaba por deixar de lado, mas sem esquecer, esse mais que detalhe incômodo em meio a lufadas infernais do universo retratado. Na trama, Celso Faria é perseguido e esfolado por matadores chefiados por Rubens de Falco. E junto vai a mulher grávida que leva pontapés na barriga para desespero de quem assiste do lado de cá - o nosso ranger de dentes se assemelha ao massacre familiar que vemos, mas aí elevado à máxima potência, em Ódio (1977), filmaço de Carlo Mossy. Só que Faria não morreu como pensa os capangas, daí vira Valadão e resolve se vingar do bando, ao mesmo tempo em que divide a atenção com Zélia Hoffman e a cama com Vera Gimenez, como sempre, deslumbrantemente linda. Jece Valadão assina a produção, o argumento, o roteiro e a direção, além da atuação. O que poderia resultar em falta de rumo por concentração de poder, acaba possibilitando cenas que a gente encontra amiúde só mesmo nos filmes dele e de Calmon. Como a do trio Celso Faria, Vera Gimenez e Benedito Corsi louquíssimos, cheirados e alucinados ao som de El Dia Que Me Quieras. Benedito Corsi é um caso à parte como a bichona Grace Kelly, protetora-escrava de Vera Gimenez, e sempre a um passo da navalha. Sua interpretação exasperada vai além do estereótipo, e ainda que abuse o tempo inteiro de caras e bocas, acreditamos nela piamente e no seu ar ingênuo/perigoso de quem afaga e afoga. E tem ainda a estupenda Zélia Hoffman, que faz essas mulheres subjugadas por cafajestes como ninguém, como também é em Soninha, Toda Pura (1971), de Aurélio Teixeira, outro momento iluminado do nosso cinema. Ou seja, quando é cinema policial e dos bons não sobra para ninguém em vigor e em mundo cão como ele é, em letras garrafais fétidas e sangrentas, mas sem abrir mão de sua complexidade e possível poesia.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (50)


Susy Camacho.




Salve Salve!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (80)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

080 - Pornô! (1981)

Episódio As Gazelas, de Luiz Castillini **1/2
Episódio O Prazer da Virtude, de David Cardoso ***
Episódio O Gafanhoto, de John Doo *****


Quando na abertura de Pornô! a gente escuta versão instrumental que lembra o sucesso sacolejante da Disco Kung Fu Fighting, de Carl Douglas, e vemos cenas do filme que iremos assistir, a gente já gosta de cara - a música do filme creditada no Dicionário de Filmes Brasileiros, do Antonio Leão, é de Ronaldo Lark. E essa impressão não só se reforça, como segue em crescente a cada episódio. Realizado no inicio da década de 1980, quando as comédias eróticas ficam mais apimentadas e a Boca do Lixo, posteriormente, faria caminho irreversível para o sexo explícito, Pornô! sintetiza muito do melhor desse memorável pólo de produção pré-explícito -e é curioso que de pornô o filme não tenha nada. Primeiro são as musas, já que cada episódio é protagonizado por uma: Patrícia Scalvi em As Gazelas - com ainda Maristela Moreno; Matilde Mastrangi em O Prazer da Virtude; Zélia Diniz em O Gafanhoto. O roteiro de Ody Fraga parece ter sido feito mesmo por encomenda para cada uma delas - ainda que Zélia Diniz não fosse a atriz que faria o filme. No primeiro, Patricia Scalvi e Maristela Moreno vão para a casa da segunda para estudar, mas falam mesmo é de sexo, sobretudo sobre a preferência homossexual. E enquanto se excitam com revistas pornôs, trocam intimidades na cama e no banho. No segundo episódio, Matilde Mastrangi e David Cardoso se conhecem em um festa, ele de smoking e ela vestida para matar. Quando David a leva para casa, acompanhamos a espera e a pressa dela por uma transa, enquanto ele, sem pressa alguma, prepara o clima para a cartada final. Já no último, Zélia Diniz e Arthur Rovedeer formam um casal rico e aparentemente feliz. Só que o que os dois vivem é uma relação de absoluto controle dela sobre ele, que apesar de ser cega o vigia através dos espelhos espalhados por toda a casa. Quando um gafanhoto invade o quarto do marido, ele o aprisiona e se identifica com esse estado de cerceamento. Daí prepara vingança contra a esposa usando o gafanhoto como objeto erótico. Patrícia Scalvi estava com a idade um pouquinho além para a possível virgindade de sua personagem, mas talentosíssima e por isso mesmo compõe com altivez e deboche sua Maria Helena. Matilde Mastrangi, linda linda linda, apropria-se como ninguém dos diálogos sacanas de Ody e dá veracidade para cada frase de sua Ilona - além de um David Cardoso vaidoso, que faz questão de exibir nu frontal em cena no chuveiro convidativa ao voyerismo. Já Zélia Diniz, uma musa com todos os predicados - linda, gostosona e ótima atriz - faz a cega Diana em misto de perversidade e fragilidade na medida certa - e ainda conta com boas atuações de Rovedeer e de Liana Duval. Se o primeiro episódio conquista por causa da presença de Scalvi e o segundo pelos diálogos sacanas e a química de Matilde e David, é no terceiro, O Gafanhoto, que Pornô! alcança status de filme memorável. John Doo mostra mais uma vez porque era um dos mais talentosos cineastas da Boca e dono de um estilo particularíssimo. Seu episódio tesa, inquieta e assusta em impactante construção de ambiências e amplos significados de leituras. Vale acrescentar também porque Pornô! sintetiza bem o talento da Boca além do que já foi dito. A produção reúne um verdadeiro quem é quem do pedaço - afora os atores e cineastas, tem Ody Fraga no argumento e roteiro, a fotografia e câmera imponentes do esteta Claudio Portioli; a assistência de câmera de Concórdio Matarazzo; a montagem esperta de Jair Garcia Duarte, a assistência de direção de Guilherme de Almeida Prado; e a produção caprichada da Dacar Produções. Pornô! é o exemplo claro de que, ao contrário do que muita gente desinformada pensa, a Boca do Lixo também apostava na inteligência de seu público.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

terça-feira, 6 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (79)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

079 - O Barão Otelo no Barato dos Bilhões (1971), de Miguel Borges ***

Anárquico até a medula, O Barão Otelo no Barato dos Bilhões não é tão bom como Pecado na Sacristia (1975), mas diz muito do talento e da força do cinema de Miguel Borges. Ainda que se alongue mais que o necessário e apresente alguns entraves, o interesse permanece. E permanece porque o protagonista é um dos 10 maiores atores que esse país já produziu: Grande Otelo. O Barão Otelo é o tipico filme calcado no talento e carisma de seu protagonista, ainda que cercado de um elenco de primeira. E assistindo Otelo e vendo sua forma particularíssima de dizer suas falas, temos certeza mais uma vez que estamos diante de um gênio, ainda que o filme não corresponda à essa genialidade. Na trama ele é João Sem Direção, um faz tudo que se vira como pode: ataca de frentista, onde surrupia a marmita coletiva no canudinho; faz-se de gandula no Maracanã, com direito a baratinar a cuca do árbitro com a noção de tempo; e entre um trampo e outro, vende bandeiras e o que mais for ao gosto do freguês no congestionamento do trânsito. Um de seus clientes do posto de gasolina é Ivan Cândido, um malandro com pinta de empresário que propõe ganho fácil para Otelo: jogar na loteria esportiva para ele com garantia de porcentagem no prêmio. E Otelo que sequer ouvira falar em loteria, topa a empreitada, estrepa-se na primeira tentativa em forjar resultado favorável, mas mais tarde se torna um bilionário, arrastando atrás de si um séquito de olho na sua butique. O filme saracoteia para lá e para cá sem muito nexo ou linearidade, e seus personagens parecem mais signos sem maior sentido de verossimilhança no entendimento clássico do que é um personagem. A força de cada um se impõe sobretudo pelos atores, que estão muito bem - além de Otelo e Ivan, tem ainda Milton Moraes em aparição impagável, e mais Dina Sfat, Wilson Grey, Rogério Fróes, Elke Maravilha e grande elenco. Produzido por Luiz Carlos Barreto e distribuído pela Difilm, O Barão Otelo tem onipresença de Miguel, que além da direção assina o argumento, o roteiro e a montagem - e é aí que pode estar mesmo seu calcanhar de aquiles, como ele credita em livro da Coleção Aplauso para Antonio Leão. Ainda assim vale a pena ver Grande Otelo arrasando de ponta a ponta. E suas entradas e saídas esbaforidas das casas das esposas já valem o ingresso.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (114)



Samantha Eggar.



Nu!!!

segunda-feira, 5 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (78)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

078 - Diamante Bruto (1977), de Orlando Senna ***

Em 1974, Orlando Senna e Jorge Bodanzky se uniram para realizarem uma obra-prima do cinema brasileiro: Iracema - Uma Transa Amazônica. Três anos depois, Senna dirige mais um filme com forte caráter documental, uma das marcas de seu cinema: Diamante Bruto. Em Iracema, ficção e realidade se entrelaçavam para os cineastas falarem da Transamazônica e todo os seus males bem diversos da propaganda oficial. Já em Diamante Bruto, Senna adapta o romance A Bugrinha, de Afrânio Peixoto, para falar dessa vez da cultura do garimpo em Lençóis, na Chapada Diamantina - daí acompanhamos a dura realidade dos garimpeiros, suas práticas predatórias para real ganhos de outrem, e o choque entre a tecnologia que se azivinha e as práticas rudimentarem que persistem. Assim como em Iracema, há uma dupla de registros diversos: lá, com Paulo César Peréio e a atriz-nativa Edna de Cássia; aqui, com José Wilker e a atriz-nativa Gilda. E ainda que não tenha um par explosivo como no filme anterior, Diamante Bruto se vale muito desse encontro entre Wilker e Gida, sobretudo pela presença dela, o verdadeiro diamante bruto. Os diálogos podem até não ganhar força na interpretação intuitiva e deficitária de Gilda, mas seu porte é tão petulantemente altivo, que ela quase sempre engole Wilker, então em registro econômico - a não ser quando se rebela contra ela em crise de ciúmes. Na trama, ele é um astro de telenovela que retorna à cidade natal 20 anos depois. Sua volta é principalmente para rever Bugrinha, ideário de amor de infância naqueles moldes de relação entre o filho do patrão e a negra filha de empregados, em modelo diluído de Casa Grande & Senzala. A diferença é que Bugrinha, e parece que desde pequena, nunca se submete ao amor-patrão, pelo menos não da forma como ele gostaria. Em inesperada afronta feminista, ela proclama que o amor por ele basta a si própria sem, necessariamente, ter que ser amada. Ou seja, o que poderia ser submissão é altivez, pois é tão absoluta dona do seu amor que sequer precisa dele para consumá-lo. E ele, um rapaz da cidade e instruído, não consegue entender e aceitar essa forma de amor, o que resultará em escapulidas que denotam seu ar senhorio - em cena esclarecedora de que ainda está atrelado ao coronelismo, exclama "mas como me fará mal se é empregado do meu pai?" - e selará seus destinos. Diamante Bruto é daqueles filmes singulares que parece que só os anos 1970 eram mesmo capazes de parir, já que os de hoje, muitas vezes, seguem cartilhas milimetramente calculadas - com exceções para alguns como o notável Narradores de Javé (2002), de Eliane Caffé. E é quando se assiste a filmes assim é que se constata como é mesmo rico o baú do cinema nacional, a dar de dez no que dizem hoje sobre diversidade.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

domingo, 4 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (77)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

077 - As Mulheres Sempre Querem Mais ( (1975), de Roberto Mauro +

Obs.: não encontrei imagem do filme.

Para quem ainda confunde o cinema popular dos anos 70 e coloca tudo no mesmo balaio da pornochanchada, os filmes de Roberto Mauro são bons exemplos de distinção entre um e outro. Diretor profícuo de pornochanchadas, em sua trajétória de quase 20 filmes ele realizou filmes de interesse divertido como As Cangaceiras Eróticas (1974) e A Ilha das Cangaceiras Virgens (1976), até outros muito ruins como esse As Mulheres Sempre Querem Mais, um de seus primeiros trabalhos. Aqui Oasis Minniti (foto) é Ricardo, o gostosão e canastríssimo galã por quem todas as mulheres da cidade suspiram e molham as calcinhas. Só que, para desespero dele e, sobretudo, da mulherada, Ricardo desenvolveu uma fobia que invariavelmente põe tudo a perder na hora agá: só consegue trepar no mais aboluto silêncio. Daí acompanhamos suas inúmeras transas interrompidas por barulhos os mais diversos, como apito de trem, canto de galo, tiro, badalar de sinos, e por aí afora - e antes do filme começar os produtores já colocam legenda gaiata pedindo para a platéia não fazer barulho para ajudar o rapaz. A fama de frouxo se espalha pela cidade e atrapalha as ambições políticas do pai Sady Cabral, que quer honrar a macheza da família e daí se encerra com a mulher na quarto em tentativa de trepada regada a sacos de amendoim. As Mulheres Sempre Querem Mais é o terceiro de Mauro, mas ele já abusa dos recursos das mais manjadas pornochanchadas, como explorar o risível de forma canhestra e sutileza de elefante. Chega mesmo a executar contra-plongé literalmente debaixo das saias das meninas fartas e um tanto deselegantes. E anuncia a interessante Maria Isabel de Lizandra como protagonista ao lado de Minniti, o que é um descalabro, pois a moça aparece apenas em duas cenas - mas é nome mais conhecido do elenco, além da sempre ótima e imponente Ruthinea de Moraes, e uma louríssima Helena Ramos ainda em inicinho de carreira. O filme não entra nem naquela famosa equação daqueles que de tão ruins ficam bons. Esquecível.


Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

longas brasileiros em 2010 (76)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

076 - Hans Staden (1999), de Luis Alberto Pereira ***1/2

Em 1548 e 1550 o aventureiro alemão Hans Staden fez duas viagens ao Brasil, e na segunda, depois de seu navio naufragar, ficou trabalhando com os portugueses durante dois anos em um forte. É aí que se torna prisioneiro dos Tupinambás, tribo que praticava o canibalismo, sobretudo de portugueses, de quem são inimigos. Durante nove meses, Hans faz de tudo para evitar ir para a panela - se faz de françês, de vidente, de curandeiro, e de protegido de seu deus. E enquanto acompanhamos suas artimanhas, vemos o dia a dia da aldeia, suas lutas com os Tupiniquins, e as doenças que os assolam e que acabarão, ao lado das matanças, por dizimá-los - é piada involuntária a Bayer como apoiadora e com seu slogan como primeira imagem antes do filme. Quando volta à Europa, Hans Staden publica dois livros sobre sua experiência, importantes obras sociológicas e repassadoras de uma idéia sobre o Brasil dos primeiros tempos de colonização. Afora ser um filme de Luis Alberto Pereira, um cineasta empenhado, o nome de Marlui Miranda na ficha técnica já denota a seriedade de pesquisa que envolve esse Hans Staden. E um dos trunfos do filme é a língua tupi falada pelos atores, índios e não índios. Ao mesmo tempo, as legendas incomodam um pouco pois uniformiza o vocabulário, e daí lemos um português altamente elaborado, o que nos distancia um pouco daquela realidade primitiva, e sofisticada, dos índios. Carlos Evelyn está bem como Hans, pois não apresenta um carisma especial, o que tem seu efeito positivo para a composição do personagem, pois Staden não passava mesmo de um mercenário como tantos outros aventureiros da época querendo enriquecer às custas de sangue alheio e extermínio de povos inteiros. E é ponto positivo também sua entrega ao balançar o pingolim para lá e para cá o tempo inteiro e sem pudor, já que passa o filme praticamente todo nu. O mesmo vale para os outros atores, entre eles Ariana Messias, Beto Simas e Stênio Garcia. Ponto alto da produção, já que muitos filmes adoram colocar indios carnavalescos e vestidos, muito antes do guarda-roupa da Funai. Na linhagem da A Lenda de Ubirajara (1975), de André Luiz Oliveira, mas inferior a este, Hans Staden tem uma sobriedade e secura a dar lição para monstrengos como O Guarani (1996), de Norma Bengell.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo