Direção: Lucia Murat
Lucia Murat é um caso único dentre os cineastas, homens ou
mulheres, pois a sua história pessoal já é um roteiro pronto – e já virou
vários filmes. Durante a ditadura civil-militar, ela atuou na luta armada, foi
presa e torturada, e ficou encarcerada durante três anos e meio. O primeiro
sobre o tema e a partir dessa sua história, Que bom te ver viva (1988), é ainda
o melhor deles. Depois dirigiu outros filmes, e em mais três retornou ao seu
drama ou contexto pessoal e também de todo uma geração e um país – Quase dois irmãos
(2004), Uma longa viagem (2011), e A memória que me contam (2012). A diferença
deste Uma longa viagem é que nos outros ela usou atores para encarnarem ela e
seus companheiros de luta, já aqui, ainda que também utilize um ator, Caio Blat,
ela mesma está em cena, em primeiríssima pessoa.
Uma longa viagem é um registro familiar sobre ela e dois de seus
irmãos. Com a morte do mais velho, Miguel, ela recupera as cartas que o mais
novo, Heitor, um andarilho pelo mundo, escreveu para a família de diferentes
países e continentes. Como Miguel era um médico com forte atuação social e
Lúcia se tornara uma militante política, a mãe dos três resolve mandar Heitor
para fora do país, receosa de que ele seguisse os passos da irmã. E é aí que
ele inicia uma longa viagem tanto pelo mundo quanto pelas drogas, em seus mais
diferentes formatos e calibres. A época que Heitor escreve as tais cartas é grande parte do período que Lucia está presa,
na década de 1970, daí, com isso, ela refaz não só a história de uma família,
mas também do período mais sombrio do Brasil. Para contar essa história, a
cineasta se coloca em cena junto com Heitor, que depois de tantos experimentos
tornou-se esquizofrênico - informação que o filme não fornece -, ainda que bem-humoradamente lúcido. E coloca em cena
também o ator Caio Blat, que encarna o irmão na juventude, não só escrevendo as
cartas, como também as lendo e interpretando. O maior achado do filme reside
exatamente nesse recurso, já que Blat atua em monólogo sobre projeções, seja de
fotos ou de vídeos, o que causa belo efeito cinematográfico, somado à uma maravilhosa composição do ator. Uma longa
viagem é um filme premiado e comentado - no Festival de Gramado de 2011 ganhou, inclusive, o prêmio máximo de Melhor Longa e também o de Melhor Ator e Especial
do Júri. Muitos se emocionam e se divertem com o depoimento de Heitor e suas
cartas, já para mim esse embarque não se completa. Penso que o maior, e melhor,
atrativo está mesmo na estética que a cineasta adotou para fazer a sua viagem e
nos fazer conduzir por ela.
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