quinta-feira, 5 de agosto de 2010

longas brasileiros em 2010 (180)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

180 - Estranho Desejo (1983), de Jean Garret ****

Na década de 1980, Márcia Porto causou furor e foi das sexy simbols mais desejadas do país. Era época em que ser celebridade queria dizer muito mais que rostos forjados à estrelas por programas de TV sensacionalistas e pela imprensa rasteira de fofoca. Modelo e atriz, posou para Ele e Ela e Playboy, desfilou exuberante na Sapucaí, e marcou presença em programas humorísticos e novelas - o auge está na ótima minissérie A Máfia no Brasil (1984), de Leopoldo Serran, em que fazia par explosivo com o bandidaço Reginaldo Faria. E é Márcia Porto a estrela absoluta desse Estranho Desejo, de Jean Garret. Com argumento e roteiro de Carlos X. Shintomi e fotografia de Antonio Meliande, o filme conta a história de Clarisse, uma mulher bem casada e mãe de dois garotos. Só que o clima luminoso de família de margarina fica só na fachada, pois o que ela gosta mesmo é de ser currada, em fantasias sexuais cada vez mais picantes. Certo dia descobre que contraiu gonorréia, e com medo do marido descobrir inventa viagem para dar tempo de fazer o tratamento. O que não sabe é que Paulo Ramos, o marido bem-comportado, também apronta as suas e, ao mesmo tempo, também descobre a gonorréia, que pode ter herdado em noites nas zonas da vida. Eles escondem o segredo um do outro, sem imaginarem que com isso o casamento vai tomar caminhos inesperados. O reinado de Mária Porto durou apenas aquela década, ainda que jamais tenha perdido seu lugar no imaginário popular. No cinema fez só dois filmes, mas deu sorte, já que foi dirigida por dois dos cineastas mais talentosos da Boca do Lixo, Cláudio Cunha e Jean Garret. Há no cinema brasileiro uma linhagem de diretores que sempre reservou personagens femininos importantes para suas histórias, como Walter Hugo Khouri, Paulo César Saraceni, Carlos Reichenbach, David Neves, Alberto Salvá e Cláudio Cunha. E nesse grupo, um lugar de honra está reservado para Jean Garret. As mulheres do cinema do grande mestre são sempre fortes, senhoras de seus destinos, e nunca abrem mão da complexidade pisicológica e dos prazeres do corpo. Nesse Estranho Desejo não é diferente, pois ainda que em princípio Márcia Porto pareça apenas uma dondoca com dinheiro suficiente para pagar seus delírios em segurança, vê-se, o tempo todo, uma complexidade maior na sua história, sobretudo como ela é contada e filmada - só mesmo no cinema de Garret um estupro verdadeiro é todo coreografado com efeitos de luz e sombra, mais música climática, sem que isso pareça gratuito ou sensacionalista. E sem medo de parecer pedante, sua heroína usa Gritos e Sussuros (1972), de Ingmar Bergman, como mentira deslavada, lê O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, assiste o libertário Inquietações de Uma Mulher Casada (1978), de Alberto Salvá, mas não abre mão do mudo-cão e alternativo, seja nas transas em construções ou na amizade com diretor de teatro gay experimental. Em registro bem diferente de outras atrizes mais densas e experientes de outros filmes de Garret - Aldine Muller em A Mulher que Inventou o Amor (1980), Angelina Muniz em Karina - Objeto do Prazer (1982)- aqui a personagem cabe como uma luva na persona de Márcia Porto, linda e exuberante. Estranho Desejo é um dos últimos filmes antes de Jean Garret -morto aos 50 anos - entrar no filão do sexo explícito, com carreira que depois se finda, desse que é um dos maiores cineastas brasileiros de todos os tempos e dono de filmografia sensacional. Mesmo que boa parte de teóricos obtusos de cinema brasileiro insiste em não reconhecer sua genialidade.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

2 comentários:

  1. Pek,

    Bela resenha. Adoro este filme e há muito quero ver de novo.

    Bjs.

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  2. Noel,
    Sou fã absoluto do cinema do Jean Garret, mas esse filme não tinha visto ainda não, foi a primeira vez.
    Bjs

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