sexta-feira, 30 de outubro de 2009

eu estive lá, eu sou de lá, eu sou lá


Essa história de direita e esquerda sempre dá pano para manga.

Daí eu explico porque, aos quase 46 anos, sou de esquerda:

- meu pai e minha mãe foram operários de fábrica de tecidos a vida inteira e se aposentaram depois de 30 anos com salário mínimo.

- mesmo depois de aposentado meu pai voltou a trabalhar limpando banheiro da mesma fábrica.

- meu pai não sabia ler e nem escrever, e minha mãe, ainda que tenha feito só o primário, era ótima para nos ajudar nos deveres de casa.

- toda a minha família, de 11 pessoas - pai, mãe e irmãos - trabalhou nessa fábrica, com exceção dos meus dois irmãos mais novos.

- Mesmo eu, com sete anos, cheguei a fazer bico lá, pregando montanhas de tacos.

- trabalho desde essa época, quando vendia bolos, doces e salgados de porta em porta.

- até os meus sete anos, nossa família dividia um mesmo banheiro com cinco famílias - e o banheiro só tinha um buraco no chão e um cano pregado acima para pendurarmos o balde para tomar banho.

- Depois, dos dos sete e até os 19 anos, tivemos um banheiro desses com buraco só para a nossa família.

- um dos meus maiores medos de infância era na hora de fazer cocô ser mordido por um rato ou mesmo enfiar a perna naquele buraco fétido - como aconteceu algumas vezes.

- tomar banho na época de chuva era uma tragédia, pois tínhamos que ir equilibrando o balde de de água quente até a casinha lá no fundo, tomar banho, e depois esperar o corpo esfriar para poder voltar para dentro de casa - e muitas vezes sem luz.

- como a comida era feita de fogão à lenha, porém sem o fato atual dos que acham isso chique, tínhamos que ir para os morros buscar lenha, e também água, quando faltava.

- quando comecei a trabalhar com carteira assinada, como contínuo, e, com isso, passei a frequentar diariamente um banheiro como conheço hoje, achava o banheiro tão bonito que não me importava de comer minha marmita dentro de um - já que ficava um pouco envergonhado de comê- la junto com os outros.

- muitas vezes a comida da minha casa era arroz, feijão e uma porção de feijão com cebolinha em cima do arroz e um bolinho de ovo - dois ovos e mais fubá faziam esse bolinho para a família toda.

- existe uma foto de minha mãe na capa de um jornal de Belo Horizonte, grávida, com uma manchete que diz "mulher chora por não ter comida para dar aos seus filhos" - deve ser mais ou menos isso, já que ainda não tive coragem de procurar nos jornais, pois o único exemplar que tínhamos se perdeu.

- durante seis meses houve um greve na fábrica e centenas de famílias, inclusive a minha, passaram forme - uma de minhas irmãs conta que ficava na fila do leite e quando pegava sua vasilha não aguentava chegar em casa, sentava-se no chão, bebia tudo, e voltava para entrar na fila.

- sofríamos com dor de dente e um dos únicos remédios disponíveis era por um algodão com alho quente no ouvido para "chupar a dor". E só íamos ao dentista para ele colocar um algodão nas panelas dos dentes ou para arrancá-los - graças a Deus, meus dentes, nem todos, sobreviveram e bem, nem sei como.

- nenhum dos meus 8 irmãos chegou a universidade além de mim. É possível que uma irmã ainda faça faculdade.

- por ser gay, e, provavelmente, por ser delicado na infância, apanhava sempre dos meninos, e ficava com olho roxo ou com o trazeiro doendo por levar pontapés.

- andei de trem de subúrbio até os 19 anos, pois não tinha ônibus amiúde, e mesmo quando tinha, não tínhamos dinheiro para a passagem.

- por isso, para fazer a 5ª e a 6ª séries, e estava com onze anos, andava quatro quilômetros diariamente e à noite para estudar, fizesse chuva ou não.

- a partir da 7ª, substitui as longas caminhadas pelo trem de subúrbio, para o qual precisava acordar de madrugada e, de tão cheio, nem precisávamos segurar, apoiávamos uns nos outros.

- por ter a pele escura, ainda que não seja preta, já tive que ouvir que era negro iletrado.

Bom, e muitas muitas outras coisas mais....

Por isso sou de esquerda.
Por isso sou a favor do Bolsa-Família.
Por isso sou a favor da cota de negros.
Por isso sou favorável a todos os movimentos prós melhorias sociais.
Por isso apóio os movimentos das minorias.
Por isso sou a favor da união civil entre os gays.
Por isso sou contra a pena de morte.

Por isso sou popular e amo o popular.

E por isso eu desprezo essa juventude bem nascida consumista, alienada e fútil.
E que não consegue olhar um milímetro para fora do seu umbigo.

5 comentários:

  1. Adilson.

    Imagino que eu me enquadre nesse quesito que você despreza, para você. Nem tenho porque tentar me redimir ou me defender. São opiniões diferentes (só não concordaria com o fútil e não olhar para fora do umbigo - pq o umbigo é um pouco mais amplo). Mas enfim.

    Apesar das diversidades políticas e de crença, posso dizer que nossa conversar no bar foi-me muito elucidativa. Você é uma esquerda pensante. Digo isso, pois, pela primeira vez, alguém me fez olhar diversas questões por um outro ângulo, e não bater só no mesmo aspecto - e que faz com que eu tenha minhas opiniões contrárias e "direitistas". Fico feliz com isso.

    abs.

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  2. Pek,

    Nos últimos anos, tenho notado que a juventude brasileira está mais reacionária. Talvez isto seja cíclico e vamos ter que esperar uma nova geração emergir para o sentido de coletividade voltar a fazer sentido. Hoje, realmente, o individualismo impera (até mesmo em quem se diz de esquerda).
    Não conhecia este lado da sua trajetória de vida. Fiquei emocionado, pois te conheci depois que você já era formado. Você é um vencedor (como o é sua família). fico feliz em ser seu amigo.

    Bjos.

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  3. Caro Gabriel,
    Como disse para o Matheus, também tenho amigos de direita. Esse post ficou um tanto raivoso e generalizante porque episódios como esse da Uniban me tiram do sério.
    Mesmo que a moça fosse puta, esses babacas jamais teriam o direito de fazer o que fizeram, ainda mais por representarem a elite pensante desse país,se pensarmos que a faculdade é, ou deveria ser, um espaço de formação, já que muitos dos profissionais que sairão dela dirigirão esse pais.
    Ainda que saiba da sua postura política, e mesmo intuindo a do Matheus pelo que ele escreve, ainda assim respeito e tenho afeto por vocês. Porque como já disse aqui, a esquerda também não anda das melhores, já tivemos tempos melhores.
    O nosso encontro foi também muito elucidativo e prazeiroso para mim.
    Abs

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  4. Noel,
    Obrigado pelas suas palavras.
    Realmente, muitos dos meus amigos de anos, como é o seu caso, não sabe dessa minha história porque não sou de ficar falando sobre ela.
    E independente disso tudo, amigos como você, e lá se vão quase 20 anos, é para sempre.
    Bjs

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