Já estou em BH, mas não posso deixar de falar do último dia da 4ª Cineop ontem.
À tarde foi a vez das entrevistas e depoimentos:
- a cineasta Clarissa Campolina; a coordenadora Raquel Hallak; o curador Cléber Eduardo; e o cineasta Vébis Junior.
Depois foi correr para a pousada, tomar um banho rápido e ir para o Cine Vila Rica para acompanhar as exibições de encerramento.
O Cine Vila Rica exibiu, em pré-estréia, o documentário Notas Flanantes, média da cineasta mineira Clarissa Campolina.
O filme surgiu a partir de uma oficina que Clarrisa fez com o cineasta iraniano Abbas Kiarostami. Segundo a diretora, em determinado momento ele pediu que seus alunos descrevessem a cidade em que eles acordam todos os dias.
Clarissa teve uma dificuldade enorme em responder a pergunta. Ela, que nasceu em Brasília, mas mora em Belo Horizonte desde os dois anos de idade, buscou essa resposta nesse documentário - A entrevista de Clarissa estará em breve no site Mulheres do Cinema Brasileiro.
Clarissa Campolina é uma das sócias da Teia, produtora mineira de relevância, com trabalhos exibidos no Brasil e em outros países.
A cineasta adotou um procedimento. Ela dividiu o mapa de Belo Horizonte em quadrante, cada um deles com uma numeração distinta. Daí, saia de casa a cada dia para registrar somente o quadrante sorteado - alguns já conhecia, outros não.
Notas Flanantes persegue a estética que, de certa forma, aproxima os integrantes da Teia, como Helvécio Marins e Marília Rocha. Nos filmes da Teia, a aproximação com o objeto se dá a partir de uma aposta de linguagem, e por isso os filmes não são, para o público convencional, de digestão imediata.
É difícil o escoamento de filmes em formato média, pois se ao falar de exibição os curtas já são um tanto marginais no circuito - acabam tendo como vitrine apenas os Festivais ou o Canal Brasil e TVs educativas, o média é ainda mais marginal.
Campolina sabe disso, mas confessou que não conseguia tirar nada para virar um curta e nem acrescentar para virar um longa.
Notas Flanantes ficou com 45 minutos e, ainda que em alguns momentos não empolgue, sobretudo na utilização da narração - em minha avaliação um dos recursos mais difíceis e perigosos em qualquer filme, tem outros tantos momentos bem bacanas e de solução estética sedutora.
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O filme que marcou mesmo o encerramento foi a pré-estréia de Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski., sobre o dinamarquês que veio para o Brasil, onde se tornou grande e poderoso empresário do Grupo Ultra.
Ainda que a linguagem pop e a montagem um tanto maniqueísta incomode, gostei muito do filme.
Desconhecia por completo a história do personagem, predidente da Ultragás, que durante a ditadura militar representou a ponte de financiamento e apoio político entre o empresariado, sobretudo paulista, e os militares.
Segundo o filme e depoimentos de ex-militantes e de integrantes da Forças Armadas, Boilesen chegava, inclusive, a assistir e participar das torturas aos presos políticos.
Desconhecia também que o filme Pra Frente Brasil, de Roberto Farias, faz link direto com essa história - ainda que não seja biografia do personagem.
Gostei muito de Cidadão Boilensen.
Mas tenho que confessar meu desapontamento com essa história.
É que, quando criança, tinha adoração pelo jingle dos botijões Ultragás, que dizia assim:
- Terça sim , terça não,
Ultragás aí no seu portão.
Ultragás aí no seu portão.
Adorava e chegava a ir para a porta para ver o caminhão de gás, e tinha uma certa antipatia pelo concorrente Liquigás, que vinha um tanto sujos, ao contrário dos botijões da Ultragás, que vinham sempre limpinhos e impecáveis.
Mal sabia eu que os caminhões eram usados para impedir a fuga de militantes.
E ao saber assistindo ao filme fiz a maior cara a la Maysa de "meu mundo caiu".
E ao saber assistindo ao filme fiz a maior cara a la Maysa de "meu mundo caiu".
Vejam só.
Quanta alienação!
Ainda que a sala não estivesse muito cheia, pois foi sessão em plena terça-feira, como início depois das 22h - antes teve a cerimônia de encerramento, não vi a platéia muito seduzida pelo filme não, os aplausos foram tímidos.
Eu gostei muito.
Na abertura o diretor Chaim Litewski - que parecia estar um pouco chumbadinho, disse que o filme dele tinha o que dizer, que ele tinha assistido alguns filmes da Cineop e percebeu que todos eles tinham o que dizer.
Achei um tanto tola a apresentação dele, já que todo filme tem o que dizer para mim, por mais que seja algo descartável.
Mas ao final tive que concordar com ele, pois Cidadão Boilesen tinha muito o que dizer.
Além de me remeter para os meus tempos de colaboracionismo involuntário.
ADENDO
Vejam nos comentários, correção e alfinetada do montador e produtor de Cidadão Boilesen, Pedro Asberg
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Saiu o balanço da Cineop - 4ª Cineop Mostra de Cinema de Ouro Preto.
Segundo a organização, a mostra atraiu cerca de 20 mil pessoas, de 18 a 23 de junho.
Mais informações: http://www.cineop.com.br/
Mais informações: http://www.cineop.com.br/
Eu fui uma delas
(estou aí nessa foto da sessão de encerramento, de Netum Lima).
(estou aí nessa foto da sessão de encerramento, de Netum Lima).
Fim.
Pek,
ResponderExcluirAdorei o colaboracionista involuntário. Não me lembrava da musiquinha do caminhão de gás. Cfreio que Pour Elise martele na minha cabeça e tenha esmagado a memória de outras canções de caminhões de gás.
Quanto às entrevistas no site mulheres, vou acompanhar uma a uma.
Mais um detalhe: você disse o quanto um média metragem é "marginal". Concordo e digo mais, sou um dos que acabo marginalizando-os. Sempre acho mais interessante ver um longa ou uns três curtas.
Bjs.
Querido Noel,
ResponderExcluirO jingle da Ultragás passava era na TV, um comercial que eu adorava.
Quanto aos médias, a marginalidade é mesmo grande.
Mas vale a pena assistir.
O média Socorro Nobre, de Walter Salles, por exemplo, é o filme que mais gosto dele.
E olha que gosto também dos longas.
Bjs
Adilson, achei Cidadão Boilesen horroroso - o que há de pior na produção brasileira atual...
ResponderExcluirvai entender...
Caro Gabriel,
ResponderExcluirCidadão Boilesen incomoda mesmo. E eu acho que a linguagem pop e a montagem maniqueísta quase põe tudo a perder, pois faz do cidadão um verdadeiro demônio - ainda que ache que quem apóie tortura, e ainda assista, não está muito longe disso, por mais que seja por questões ideológicas.
Mas achei o personagem fascinante, que não conhecia, e por isso gostei muito do filme.
Ele realmente teve o que me dizer, some-se a isso a historinha boba, mas marcante para mim, que contei sobre minha infância ligada ao episódio.
Abs
O que me incomodou foi pintá-lo de demônio e ainda assim tentar ser imparcial - os depoimentos pouco agregam ao que o narrador fala. Além de que há uma psicologia barata nisso tudo.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPrezado Adilson,
ResponderExcluirme chamo Pedro Asbeg e sou montador e produtor do filme "Cidadão Boilesen". Fico feliz em saber que vc gostou do filme e, mais ainda, que abriu o espaço para o debate em seu blog. Essa sempre foi a intenção do filme.
Gostaria no entante de esclarecer um ponto: Era eu quem estava representando o filme em Ouro Preto, nao o Chaim.
Sendo assim, vc cometeu, em seu comentario, duas indelicadezas. A primeira, de confundir minha timidez e meu nervosismo com embriaguez. A segunda, de atribuir minhas tolas palavras ao diretor do filme, que não tem nada com isso. Fico pensando: será que nao era vc quem estava chumbadinho?
Agradeço sua atenção,
Pedro Asbeg
Só hoje, um ano depois é que vejo esse seu comentário Pedro Asberg.
ResponderExcluirNão tinha visto até então por isso não tinha respondido.
Realmente me desculpe, pois pensei que você fosse mesmo o Chaim lá na abertura.
E se foi timidez, volto a me desculpar, aqui só mesmo pela impressão errada, já que mesmo que estivesse chumbadinho era uma questão sua.
Agora, posso te afirmar que essa impressão errada não foi só minha, mas de muitos dos meus colegas jornalistas.
E quanto à sua pergunta final, não, eu não estava chumbadinho, estava trabalhando e, no caso, fazendo cobertura do filme de vocês, que como disse acima, gostei muito.
Abs
Adilson Marcelino