sexta-feira, 3 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (202)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

202 - Fora das Grades (1971), de Astolfo Araújo *****

Ah, o cinema brasileiro dos anos 1970, sempre ele! Quanto a produção dessa década ainda tem para nos surpreender, heim? E se o gênero policial é capítulo honroso em nossa cinematografia, o que dizer de filmes absolutamente surpreendentes como esse Fora das Grades? Dirigido por Astolfo Araújo, cineasta nascido em Ribeirão Preto e com apenas seis filmes de ficção no curriculo, ele sempre andou em boa companhia - foi assistente de direção de A Hora e Vez de Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos, fundou a Data Cinematográfica com Rubem Biáfora, roterizou Profissão: Mulher (1982), de Cláudio Cunha. Há, de ponta a ponta nesse filme, um tom trágico da condição humana também visto em outros títulos do cinema policial, como no ótimo Parceiros da Aventura (1980), de José Medeiros. E aqui, paira no ar muito do clima em que se vivia do lado de fora, não das grades, mas na vida real mesmo, onde a repressão rolava solta e sem freios. Ficamos ali acompanhando aqueles pobre-diabos - assaltantes, assassinos, cantoras decadentes - mas em momento algum os julgamos, tamanho o impacto que causa em nós. Não aquele tipo de impacto gradilonquente, mas subterrâneo, a correr por nossas veias. Na trama, Sérgio Hingst, o Profeta de um tipo de albergue para deliquentes, vê a cidade do alto e proclama para seus súditos que ela os vê como sombras, mas que é para jamais eles se esquecerem que são gente. Vez ou outra um daqueles marginais descem para o asfalto para pequenas trapaças ou mesmo assassinatos, mas acabam sempre voltando para aquele estranho lugar que, eles acreditam, os protege. Ainda que qualquer plano de governo anuncie que a passagem pela cadeia possa ser um processo de reintegração, poucos são os que ao sair cumprem o pífio discurso. Luigi Picchi cruza o portão depois de 10 anos trancafiado para descobrir que essa tal liberdade ansiada pode estar nos poucos metros quadrados do quarto barato de hotel em que dorme e come seu pão dormido, ou mesmo na promessa de amor com a cantora de inferninho chulapa Joana Fomm. Enquanto isso, faz um assalto aqui, tenta um roubo acolá, e ainda tenta fugir de um tipo policial que o quer como informante. Não há muita saída para o seu Tomás, e o porte viril de Picchi contrasta perfeitamente com esse estado frágil do seu personagem. Fora das Grades, que também tem argumento e roteiro de Araújo, tem vários momentos impactantes: Joana Fomm loira cantando na espelunca e sequestrando o olhar de Picchi; Liana Duval como outra cantora decadente dançando com Fomm e recebendo achaques de Roberto Maya; Francisco Cúrcio com sua dignidade ultrajada; o casal de amantes olhando pela janela em imagem que foi usada no cartaz. Joana Fomm, que era casada com o cinesta na época, está mais uma vez excepcional. Assim como Luigi Picchi, aqui em uma de suas maiores atuações no cinema. Fora das Grades recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de Atriz Coadjuvante para Liana Duval e de Argumento para Astolfo Araújo


Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

2 comentários:

  1. vc já comentou orfeu? o filme antigo? não costumo ver longas nacionais, mas achei esse tão bonito. se já falou, mande-me o link.

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  2. Ritonguda,
    Ainda não comentei o Orfeu por aqui não, mas uma hora dessa faço isso.
    Ainda bem que citou o antigo, do Marcel Camus, pois o do Cacá Diegues é dureza.
    Bjs

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