quarta-feira, 11 de agosto de 2010

longas brasileiros em 2010 (184)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)


184 - A Próxima Vítima (1983), de João Batista de Andrade *****

O cinema do mineiro João Batista de Andrade é político até a medula, seja quando em documentário ou em ficção. E mesmo no universo ficcional há quase sempre uma forte pegada documental. Como é nesse A Próxima Vítima, em que a morte de prostitutas está inserida em plena campanha eleitoral de 1982. Daí vemos personagens históricos da política em momento pós-anistia, como Brizola, Lula, Ulisses Guimarães e Franco Montoro - é curiosa a profecia do protagonista para Lula no recem-nascido PT. Na trama, Antonio Fagundes é um repórter de TV separado de Ester Góes e de cacho com a também repórter Louise Cardoso, que trabalha na mesma emissora. Como ficou de fora da equipe que cobre as eleições, sobrou para ele matérias do cotidiano e de polícia, principalmente fait-divers, como a matéria veiculada sobre um homem que negocia a venda de seu rim como se especulasse em um tipo de Bolsa proletária. Fagundes é designado por seu editor Goulart de Andrade - ele mesmo! e ótimo - para cobrir uma misteriosa série de assassinatos de prostitutas que assola o tradicional e decadente reduto italiano do Brás. Na apuração ele conhece Mayara Magri, uma prostituta ainda quase garota e se envolve com ela e com outros habitantes de mundo miserável e fétido das zonas do baixo meretrício, como o dentista-cafetão Gianfrancesco Guarnieri e o suspeito Aldo Bueno, enquanto bate de frente com o perigoso delegado Othon Bastos. A Próxima Vítima é João Batista de Andrade em grande forma, com rigor absoluto de cena e de como enquadra seus personagens e uma São Paulo quase sempre noturna e longe do cartão-postal capitalista da Avenida Paulista. Com argumento seu e roteiro de Lauro César Muniz - também teledramaturgo e altamente politizado - Andrade tem em Antonio Fagundes a persona ideal para compor David Duarte, um repórter cético com a política, mas ainda um tanto ingênuo com as possibilidades de redenção. Na outra ponta está o ambíguo Othon Bastos, possivelmente ex-torturador que agora, em tempos recentes de anistia e em processo de redemocratização, faz discursos ponderados na TV, enquanto barbariza e amedronta no calar da noite. Durante toda a trama, ainda que jamais se dê nome aos bois, salta aos sentidos o quanto o processo eleitoral e a série de assassinatos estão intimamente interligados. A democracia chegou, mas o terror apenas se escamoteou, e os mesmos agentes dos porões agora também entram na sala de jantar pelo noticiário dos novos tempos, que, em tese, estaria ali para denunciá-los, quando, na verdade, acabam por continuar a servi-los. Essa será uma das lições mais amargas reservadas para David Duarte. Destaque tambem para Mayara Magri, ótima como a prostituta Luna - menção honrosa no Festival de Gramado 1984, e para Aldo Bueno como Nêgo, Melhor Ator Coadjuvante em Gramado, e APCA de Melhor Ator - sua cena com Fagundes ao som de Brasileirinho ao cavaquinho e o desabafo em tom de fúria e regada a mijo é impactante e desesperadora sempre. A Próxima Vítima é um dos filmes mais memoráveis da década de 1980.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

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