terça-feira, 7 de setembro de 2010

ode aos militares e aos paus famosos


Já contei aqui da minha fase de colaboracionismo infantil, já que quando criança adorava cantarolar a musiquinha da Ultragás - "terça sim, terça não, ultragás ai no seu portão" - e era completamente contra a liquigás, concorrente da marca na época.

Daí fui saber só de marmanjo, notadamente no documentário de Chaim Litewsk, Cidadão Boilensen, que o manda-chuva do grupo era parceiro dos milicos, e, inclusive, segundo o filme e a História, assistia as sessões de torturas.

Pois hoje, lembrei-me de outro fato para engordar essa minha faceta de colaboracionista.

Quando criança, minha mãe - que jamais foi engajada em qualquer corrente política e estava ali só pela festa e para ver seu irmão que lutara da 2ª Grande Guerra desfilar - levava a gente, de Sabará, para assistir, em BH, a Parada de Sete de Setembro.

O que mais gostava de ver era o desfile da banda, as performances das balizas - olha o lado gay precoce! - e os animais selvagens que rolavam pela av. Afonso Pena afora em jaulas.

Mas lembro também que, durante o tempo todo, ficava lá sacudindo minha bandeirinha do Brasil de papel brilhoso colado em pedaço pontudo de madeira. E muito feliz.

Ou seja, enquando se torturava e matava nos porões, estava eu lá sacudindo bandeira para, possivelmente, boa parte deles naquela época.

Vixe!


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Uma das maiores surpresas assistindo ao filme A Serpente, de Alberto Magno, esse abacaxi comentado em postagem aí pra trás, foi ver o pau de Marco Nanini - será que era dublê?

É impressionante como é raro ver paus famosos nos filmes, daí a minha surpresa quando ele abriu a braguilha e tirou o dele pra fora.

Se as mulheres sempre foram desnudas - e não vai aqui nenhum manifesto a la Pedro Cardoso, é bom que se diga - o mesmo não se dá com a genitália masculina.

Com exceção de alguns poucos cineastas como Carlos Reichenbach, que não se intimidava em expor os paus dos atores, e de David Cardoso, que nunca teve problema em mostrar o próprio, quase sempre era um tal de levantar a coxa para esconder o dito ou então se enroscar em lençóis ordinários para camuflar o pingolin, que não tava no gibi.

No cinema de hoje, poucos fazem coro com esses cineastas que não estavam nem aí para isso - como José Eduardo Belmonte e Cláudio Assis.

Pensando rápido, consigo me lembrar lá atrás da nudez frontal de Reginaldo Faria em Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia; e mais recentemente de Alexandre Borges em Um Copo de Cólera, de Aluisio Abranches, e de Caio Blat em Cama de Gato, de Alexandre Stockler.

Fora isso, o que temos é um Bruno Garcia fazendo contorcionismos inacreditáveis em Cleópatra, de Julio Bressane, para não mostrar o documento.

E, pior, Reynaldo Gianecchini, que protagoniza filme inteiro passado em quarto de motel, o quase ordinário Entre Lençois, de Gustavo Nieta Roa, mas jamais mostra o dito.

Vixe!


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Como podem ver, o assunto confessional de hoje é poder, né? - ou o medo de perdê-lo....

São os ares da data cívica repercutindo.

Vixe!

longas brasileiros em 2010 (206)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

206 - Emanuelle Tropical (1977), de J. Marreco ****

Em 1974, o cineasta francês Just Jaeckin estreou com o sucesso de escândalo internacional, Emmanuelle - e depois continuou focando histórias provocativas, como Historia de O (1975) e O Amante de Lady Chaterley (1981). Já Emmanuelle, que fez da bela Sylvia Kristel estrela mundial, seguiu carreira e virou praticamente uma grife, com diretores diversos e ora com a atriz, ora com outras. O filme original foi proibido pela censura em vários países, e no Brasil não foi diferente. E como também em outros lugares do planeta, a personagem inspirou releituras as mais diversas. Por aqui, qual espaço geográfico seria o ideal para essa empreitada? Claro que foi a Boca do Lixo. E coube ao cineasta mineiro radicado em São Paulo J. Marreco - também chegado em histórias polêmicas, pois fez uma das versões do picante romance de Júlio Ribeiro, A Carne (1975) - a temerária tarefa. Só que o que parecia ser picaretagem acabou resultando em filme dos mais interessantes. Sim, pois ainda que o roteiro de Emanuelle Tropical - também de Marreco - vez ou outra nos brinda com diálogos e frases inacreditáveis, há em cada fotograma um encanto desconcertante que faz a gente cafifar com nossos botões "mas por que estou gostando tanto disso?". O filme tem vários pontos positivos, a começar pela protagonista Monique Lafond, que a cada produção da época se mostrava ainda mais bonita e sedutora - pena que foi dublada, já que seu timbre particularíssimo daria um charme todo especial à personagem. Em entrevista ao site Mulheres do Cinema Brasileiro, ao ser requerida para falar sobre o filme, Monique se saiu gaiata: "pra começo de conversa não me achava nada tropical", e ria solto. E não bastasse ela, Marreco ainda reuniu duas das musas mais amadas da Boca, Matilde Mastrangi e Selma Egrei, em casal lésbico - e ainda com direito à Tânia Alves no elenco. Selma Egrei, mais uma vez com sua beleza translúcida, dá dignidade ofendida na medida certa para sua Mary Clair, e faz composição de mestre para sua contida e triste personagem. Na trama, Emanuelle é modelo e atriz que vive casamento liberal com o marido. Os dois podem ter casos extra-conjugais, mas jamais podem se apaixonar e levar os amantes para a casa em que vivem. Ela se envolve com outros homens, mas procura sempre cumprir o trato; já ele cai de amores por outra e essa relação desestrutura o aparente equilíbrio do casal. Destaques ainda para a fotografia, também de Marreco - e as ambiências bregas, como vapor de sauna e luzes coloridas e brilhantes -, e para a bela e atmosférica trilha de Beto Strada - que marca com perfeição a abertura e o final do filme. Aliás, filme quando sabe acabar quase sempre eleva tudo o que foi visto antes às alturas, e aqui se tem um ótimo encerramento para o mostrado. O elenco masculino também dá conta do recado: Luiz Parreiras, Walter Prado, Marcos Wainberg, Sérgio de Oliveira, Benedito Corsi. Lá pelas tantas, em inesperada cena de metalinguagem, Wainberg diz para Lafond: "não dá para bancar o sueco dos trópicos"; "você é imitação de uma invenção européia"; delicioso!

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (205)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

205 - Os Homens que Eu Tive (1973), de Tereza Trautman ***

Alguns filmes jamais podem deixar de serem conferidos sem perder de vista o contexto em que foram realizados. E aqui não vai nenhum demérito - como tolas discussões sobre obras datadas -muito pelo contrário, pois é ao fazer esse recorte histórico que se pode mirar melhor a importância deles. Como esse Os Homens que Eu Tive, que Tereza Trautman ousou realizar em época de ditadura brava, que não só decepava o conteúdo político ideológico contrário ao regime, como também o de costumes que desafiavam os canônes da tradição, família e propriedade. Pois o filme fala de uma mulher casada que troca de roupa, aliás, tira, para mudar de parceiros sexuais num piscar de olhos e ainda com o consentimento ou conhecimento do marido. Imagina! É claro que o filme foi censurado, pois quer prato mais petulante e indigesto? E a importância do filme não para por aí. O Cinema da Retomada tomou como símbolo Carla Camurati com seu Carlota Joaquina - Princesa do Brazil (1995), e a partir daí o número de mulheres cineastas só faz crescer, e não mais restritas aos curtas. Só que a realidade anterior era bem diversa, já que até a década de 1960, apenas seis mulheres dirigiram longas brasileiros - Cleo de Verberena, Carmen Santos, Gilda de Abreu, Carla Civeli, Maria Basaglia e Zélia Costa, mesmo assim Civelli e Basaglia sendo italianas radicadas no país. Só com as conquistas sociais, sexuais e o feminismo dos anos 60 e 70 é que o panorama possibilitou o surgimento de uma segunda fase de pioneiras - anos 70 e 80 -e da qual Tereza Trautman é uma das integrantes - Vanja Orico, Lenita Perroy, Ana Carolina, Tizuka Yamasaki, Suzana Amaral, Lúcia Murat, Tetê Moraes e Adélia Sampaio são algumas mulheres dessa fase pré-Retomada. Os Homens Que Eu Tive conta a história de Darlene Glória, uma mulher que tem um casamento liberal com Gracindo Junior - os dois têm relações extra-conjugais com consentimento mútuo. E é também em comum acordo que eles resolvem trazer para dentro de casa o amante dela, Gabriel Arcanjo, para dividirem o mesmo teto. Tudo segue normal, até Darlene se apaixonar por Arduíno Colasanti, amigo de seu marido, que não aceita o novo homem do pedaço. E além disso, ainda corre por fora mais um outro pretendente, o artista plástico Milton Moraes - como também o flerte lésbico com Ítala Nandi. O filme foi concebido para ser protagonizado por Leila Diniz, mas a atriz morreu tragicamente em acidente aéreo quando voltava da Austrália, onde foi divulgar Mãos Vazias (1971), de Luiz Carlos Lacerda. Daí Trautman fez acertos no roteiro - que ela também assinou, além do argumento, direção e montagem - e chamou Darlene Glória para o papel. Tanto Leila como Darlene foram sexy simbols incontestáveis da época, ainda que de temperamentos diferentes - Leila mais esfuziante, já Darlene mais dramática. Os Homens Que Eu Tive sustenta o interesse quase quatro décadas depois, ainda que há uma certa fragilidade na construção dos dramas da protagonista, e também nos personagens masculinos, todos eles sem muitos matizes. Destaque de ponta a ponta para a belíssima direção de fotografia de Alberto Salvá, também cineasta que sempre mirou sua lente para o universo feminino - sobretudo em Inquietações de Uma Mulher Casada (1978) - e que era casado com a diretora na época. Na trilha sonora, presença do conjunto O Bando, e de dois petardos da época do disco Transa, de Caetano Veloso - uma vinheta de Its a long way; e a pungente e particularíssima versão dele para Mora na Filosofia, clássico de Monsueto e Arnaldo Passos.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (145)


Sylva Koscina.






Nu!!!

domingo, 5 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (204)

Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

204 - Belinda dos Orixás na Praia dos Desejos (1979), de Antônio B. Thomé *

Quando a mãe de santo diz para Nicole - que ainda assinava sem o Puzzi - que ela seria muito magoada, que seu corpo seria só uma carcaça, mas que a justiça seria feita e os culpados punidos, a gente imagina logo: "vixe, vem aí muito sexo e bárbarie". Mas que nada, nesse roteiro que o produtor Cassiano Esteves escreveu e o cineasta Antônio B. Thomé dirigiu, tudo segue em banho maria, e o o sexo fica por conta de peitinhos e bundas de fora sem muita libido e a violência está resumida em algumas picadas de agulha. E daí a falsa expectativa dá lugar à uma constatação: "Mas quanta falta de tesão!". Na trama, Nicole Puzzi vai acampar na praia ao lado de amigas - entre elas, a bela Novani Novakoski, em participação especial e discreta. Lá, encontra a mãe de santo que lhe faz a sinistra profecia, mas que a adota como filha espiritual e promete lhe acompanhar os passos. Na praia, Nicole conhece, na barraca ao lado, a família de um delegado e se envolve com o varão que fica de quatro por ela. Isso sem saber que um trio de bandidos quer se vingar do pai do moço pelo cerco fechado que o tira mantém sobre ele, e acaba sendo vítima involuntária do plano de vingança. Experiente diretor de fotografia, Thomé dá conta da função e também opera a câmera, o que garante algumas cenas interessantes na praia - não só de exploração de beleza natural, mas, vez ou outra, de composições que vão além desse registro imediato. Mas o que salta aos olhos mesmo, e de forma negativa, é a opção primeira por contar uma história, sendo que o que não há é fábula que sustente a empreitada. Como temer aqueles bandidos que mais parecem vendedores de seguros? Como apostar no entrecho amoroso se o galã com a camisa amarrada na cintura exibe a barriga pontuda e a sunga marron cavada? Se nem o entrecho policial e tampouco o amoroso seduzem, o que resta? Pois linguagem é menor investimento, ainda que, vez ou outra, algumas explorações de angulações do cineasta/fotógrado/camera marquem presença. Realizado nos final da década de 1970, Belinda dos Orixás na Praia dos Desejos não abre mão de enfileirar belas moças com a única função de tirar suas roupas, mas há ainda um pudor um tanto inocente e que garante um interesse quase arqueológico e um encanto todo próprio - pudor que será mandado às favas em outras produções que serão realizadas logo a seguir. Mas o que fica mesmo de tudo só Nicole Puzzi, para todo o sempre essencialmente cinematográfica.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (76)



Geny Prado.





Salve Salve!

sábado, 4 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (203)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

203 - A Estrela Sobe (1974), de Bruno Barreto *****

Quando no início da década de 1990 Jane Fonda se casou com Ted Turner, ela tinha abandonado a carreira de atriz e vinha dos vídeos de grande sucesso sobre ginástica aeróbica e ele estava barbarizando com a fundação da CNN. Daí um jornalista escreveu que Ted Turner tinha um passado medíocre e um futuro brilhante, e que Jane Fonda tinha um passado brilhante e um futuro medíocre. Cortando 3/4 do veneno e relativizando as devidas proporções, é impossível não se lembrar do dito quando se põe na balança o Bruno Barreto do passado e o de hoje. É mesmo quase inacreditável que o diretor de filmes notáveis como Tati, a Garota (1973), A Estrela Sobe (1974), Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), Amor Bandido (1978), O Beijo no Asfalto (1980) e Romance da Empregada (1988) seja o mesmo de quase abacaxis como Bossa Nova (2000), O Casamento de Romeu e Julieta (2005), Caixa Dois (2007) e Última Parada: 174 (2008). Betty Faria já contou mais de uma vez, e inclusive para o site Mulheres do Cinema Brasileiro, que quando ficou desempregada com a proibição da peça Calabar, de Chico Buarque, pela censura, quem salvou a lavoura foi um quase menino que bateu à sua porta com uma pasta na mão e dizendo que a tinha visto nos ensaios e que só ela poderia fazer seu filme. Era ele, Bruno Barreto, e o filme esse A Estrela Sobe, adaptado do romance de Marques Rebelo. Se Bruno já tinha demonstrado sensibilidade na estreia com Tati, a Garota, que dirigiu com apenas 17 anos, nesse segundo trabalho, com 18, quase se pode ver um veterano com pleno domínio da cena. E nada bobo, o filho do clâ Barreto escolheu três deusas para protagonizarem seus primeiros rebentos: Dina Sfat em Tati, Betty Faria em A Estrela, e Sônia Braga em Dona Flor. A Estrela Sobe é construído como um longo flashback, em que a cantora de rádio Leniza Mayer vê como jurada de programa de auditório uma jovem caloura e daí relembra sua vida desde os primeiros passos para se tornar estrela. Já de cara vê-se que Betty Faria está ali para roubar a cena, pois convence tanto como a senhora cantora do júri quanto como a jovem caloura do palco - segundo registro no Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antonio Leão, Betty não quis fazer a dublagem do filme depois de briga com o cineasta e foi dublada por Norma Blumm, que teria imitado a voz da atriz. Daí conhecemos sua história de moça ambiciosa do bairro Saúde onde vive com a mãe Vanda Lacerda em uma pensão mixa até o caminhar para o estrelato em que vai se utilizando de quem encontra pelo caminho e que possa ajudá-la a subir mais um degrau - para isso vale tanto trocar o namorado Paulo César Peréio e perder a virigindade com Carlos Eduardo Dolabella, o vendedor de aparelho de rádio; entabular amor lésbico com Odete Lara, em grande atuação como a veterana cantora Dulce Veiga; e ser amante de um dono de rede de sapataria. A Estrela Sobe tem ficha técnica preciosa, com roteiro de Carlos Diegues e Leopoldo Serran, fotografia de Murilo Salles, música de Francis Hime, e cenografia de Anísio Medeiros. Grande sucesso de público, o bom resultado na bilheteria foi apenas um afago diante do que viria a seguir com o sucesso faraônico de Dona Flor e Seus Dois Maridos, recorde de público de nossa cinematografia. Bons tempos esses de Bruno Barreto, que pelos filmes citados tem lugar de honra assegurado na história do cinema brasileiro, ainda que parte da crítica insista em não lhe dar o devido valor.

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (202)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

202 - Fora das Grades (1971), de Astolfo Araújo *****

Ah, o cinema brasileiro dos anos 1970, sempre ele! Quanto a produção dessa década ainda tem para nos surpreender, heim? E se o gênero policial é capítulo honroso em nossa cinematografia, o que dizer de filmes absolutamente surpreendentes como esse Fora das Grades? Dirigido por Astolfo Araújo, cineasta nascido em Ribeirão Preto e com apenas seis filmes de ficção no curriculo, ele sempre andou em boa companhia - foi assistente de direção de A Hora e Vez de Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos, fundou a Data Cinematográfica com Rubem Biáfora, roterizou Profissão: Mulher (1982), de Cláudio Cunha. Há, de ponta a ponta nesse filme, um tom trágico da condição humana também visto em outros títulos do cinema policial, como no ótimo Parceiros da Aventura (1980), de José Medeiros. E aqui, paira no ar muito do clima em que se vivia do lado de fora, não das grades, mas na vida real mesmo, onde a repressão rolava solta e sem freios. Ficamos ali acompanhando aqueles pobre-diabos - assaltantes, assassinos, cantoras decadentes - mas em momento algum os julgamos, tamanho o impacto que causa em nós. Não aquele tipo de impacto gradilonquente, mas subterrâneo, a correr por nossas veias. Na trama, Sérgio Hingst, o Profeta de um tipo de albergue para deliquentes, vê a cidade do alto e proclama para seus súditos que ela os vê como sombras, mas que é para jamais eles se esquecerem que são gente. Vez ou outra um daqueles marginais descem para o asfalto para pequenas trapaças ou mesmo assassinatos, mas acabam sempre voltando para aquele estranho lugar que, eles acreditam, os protege. Ainda que qualquer plano de governo anuncie que a passagem pela cadeia possa ser um processo de reintegração, poucos são os que ao sair cumprem o pífio discurso. Luigi Picchi cruza o portão depois de 10 anos trancafiado para descobrir que essa tal liberdade ansiada pode estar nos poucos metros quadrados do quarto barato de hotel em que dorme e come seu pão dormido, ou mesmo na promessa de amor com a cantora de inferninho chulapa Joana Fomm. Enquanto isso, faz um assalto aqui, tenta um roubo acolá, e ainda tenta fugir de um tipo policial que o quer como informante. Não há muita saída para o seu Tomás, e o porte viril de Picchi contrasta perfeitamente com esse estado frágil do seu personagem. Fora das Grades, que também tem argumento e roteiro de Araújo, tem vários momentos impactantes: Joana Fomm loira cantando na espelunca e sequestrando o olhar de Picchi; Liana Duval como outra cantora decadente dançando com Fomm e recebendo achaques de Roberto Maya; Francisco Cúrcio com sua dignidade ultrajada; o casal de amantes olhando pela janela em imagem que foi usada no cartaz. Joana Fomm, que era casada com o cinesta na época, está mais uma vez excepcional. Assim como Luigi Picchi, aqui em uma de suas maiores atuações no cinema. Fora das Grades recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de Atriz Coadjuvante para Liana Duval e de Argumento para Astolfo Araújo


Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (201)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

201 - A Serpente (1992), de Alberto Magno +

Billy Davis, Nelson Pereira dos Santos, J. B. Tanko, Flávio Tambellini, Leon Hirszman, Arnaldo Jabor, Neville D´Almeida, Braz Chediak, Bruno Barreto, Haroldo Marinho Barbosa. Esses foram alguns dos cineastas que adaptaram Nelson Rodrigues, com melhor ou menor brilho. Mas ainda que se possa encontrar um deslize aqui e acolá nos filmes desses moços, nada se compara a esse A Serpente, que Alberto Magno dirigiu e a Magnus Filmes de Jece Valadão produziu em 1992 . Segundo registro no Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antonio Leão, o filme jamais foi lançado comercialmente nos cinemas, ainda que tenha competido no Festival de Brasília daquele ano. Na trama, Monique Lafond e Cristina Bério são as irmãs Lígia e Guida, que vivem no mesmo apartamento com seus maridos Marco Nanini e Jece Valadão, por exigência do presente do pai delas, Ary Fontoura. As duas irmãs têm sentimentos de amor, desejo e repulsa, e quando Monique conta para Cristina que seu casamento não foi consumado e que se devirginou com um lápis, a segunda oferece seu marido, Jece, para que a primeira possa descobrir o prazer com um homem em uma noite de sexo. A partir daí, nada será como antes na vida dos dois casais. O problema entre o balé clássico e o moderno, é que se o primeiro passa incólume pelo tempo, o segundo fica velho quase que imediatamente. Ainda que aqui temos a presença do genial Klauss Vianna na ficha técnica, a abertura dos bailarinos na mata densa que vai parir a serpente Zezé Motta já causa certo desconforto - mesmo que Motta esteja interessante na personificação com os contorcionismos sedutores. Mas o que complica de cara mesmo é a cenografia kitsh de Alberto Cruz, que coloca o signo da serpente de forma onipresente - os personagens estão emaranhados por eles, que viram casa, cama, luminárias e o cambau a quatro - e ainda com direito a uma inacreditável réplica do Cristo Redentor, onde Nanini e Motta se roçam e ele mija sacudindo o pinto. Nessa parte técnica o que salta aos olhos são os belos figurinos de Carlos Prieto, e, sobretudo, a maquiagem que dá um tom hiperrealista no que é mostrado. A estética adotada pelo filme não deixa espaço para o elenco, que também pena na mão da direção. Jece, Monique e Nanini, atores experientes - o primeiro, inclusive, no universo rodrigueano - têm algumas de suas piores atuações: Monique está linda mais inconvincente; Nanini com máscara andrógina só tem praticamente uma cena de destaque quando mostra o pau; e Jece faz cara de quem não está acreditando em nada daquilo e com aparente desconforto do tipo "o que estou fazendo aqui", ainda que a produção seja sua. Mas é Cristina Bério que se sai pior na pele da interessante personagem da irmã que morde e assopra. A Serpente só tem apenas uma hora e vinte de projeção, mas ao final se há algo que não conseguimos ver de jeito nenhum é um lastro sequer do universo sempre impactante de Nelson Rodrigues.

Foto: reprodução retirada do blog O Discreto Charme das Capas

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (144)


Janet Leigh.






Nu!!!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

longas brasileiros em 2010 (200)


Filmes brasileiros assistidos e revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

200 - João - A Faca e o Rio (1972), de George Sluizer *****

Que nada! Esqueçam Zalman King, que veio rodar Orquídea Selvagem (1990) no Brasil e colocou os personagens passeando de táxi da Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, até o Pelourinho, na Bahia. Esqueçam também Fábio Barreto, que trouxe Natasha Henstridge para acariciar o peito enquanto um constrangido Eduardo Moscovis canta Villa-Lobos para a lua. Se é para ficarmos com olhar estrangeiro, seja de fora ou mesmo de dentro do Brasil, fiquemos com esse acachapante João - A Faca e o Rio, do cineasta francês radicado na Holanda George Sluizer - que depois filmaria O Silêncio do Lago (1993) nos EUA. Co-produção Brasil/Holanda, o filme é uma adaptação da novela do escritor e jornalista Odylo Costa Filho, que também assina o roteiro com Sluizer. Poucas vezes se viu um gringo filmar no Brasil, e contando uma história brasileira, com tanto domínio da cultura local. Ok, poderão dizer alguns que está tudo lá na novela e que além do mais o próprio Costa Filho marca presença no roteiro. Mas não se pode esquecer que cinema não é literatura, e que quando não reza a cartilha do varejão comercial, com certeza o olhar do autor fica imprimido. E como esse João está no último caso, é impressionante a atmosfera captada em cada fotograma do muito que somos e da cultura dos vaqueiros que vemos de ponta a ponta nesse magnífico filme. Na trama, Joffre Soares é o vaqueiro João, um homem que é capaz de salvar um garoto e adotá-lo e fazer e empinar pipa com o filho do patrão, mas também de matar à faca 53 onças. Na cultura local do grotão no Maranhão em que vive, o divertimento é pegar boi pelo rabo, dar pinote nele e morder seu rabo. E é numa dessas festas que Joffre bota olhos certeiros em Ana Maria Miranda e resolve se casar, ainda que ela tenha 20 anos e ele já passe dos 60. Mas como depois das bodas não consegue consumar o sexo com a moça, e ciumento até a medula, resolve ir para o Amazonas para enricar a fim de compensar a bela com ouro. Pensa em ficar por lá menos de um ano, mas fica quatro, e quando chega não gosta do que encontra. Basicamente centrado em Joffre e em Ana, o filme agrega no elenco desde poucos atores experientes, como Áurea Campos, até muitos anônimos com os quais o personagem vai encontrando pelo caminho, já que a as locações foram feitas no Maranhão, no Piauí, no Pará e no Amazonas. Tudo isso dá uma cor de verdade tão legítima, que vez ou outra chega-se a pensar se não é o Cinema Novo subindo o nordeste para arribar no norte. Como em Chuvas de Verão (1977), de Carlos Diegues, Joffre Soares tem aqui uma de suas mais impressionantes interpretações. Se no primeiro exala doçura angustiada, aqui encarna a face dura com a garganta esmagada pela flecha preta do ciúme - dentre tantas cenas impressionantes, a que chora em aboio em plena mata amazônica é sinônimo de muitos prêmios. Não à toa, ele foi Coruja de Ouro de Melhor Ator e foi premiado na mesma categoria no Festival de Cinema de Santos - o filme foi também Melhor Roteiro em Santos, e Menção Honrosa pela Academia Cinematográfica de Hollywood em 1973. Como contraponto, tem Ana Maria Miranda linda em seus 20 anos e perfeita como Maria - Miranda foi atriz atuante na década de 1970, mas abandonou a carreira e depois se tornou escritora consagrada. Os dois atores sequestram nosso olhar o tempo todo, e de determinado momento para frente uma revolta surda se instala e nos faz cúmplices de mãos atadas para o universo que se descortina à nossa frente. Trilha sonora de Villa-Lobos. Inesquecível!

Cotações:
+ ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes damas da tv (75)


Sônia Braga.





Salve Salve!