quarta-feira, 7 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (80)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

080 - Pornô! (1981)

Episódio As Gazelas, de Luiz Castillini **1/2
Episódio O Prazer da Virtude, de David Cardoso ***
Episódio O Gafanhoto, de John Doo *****


Quando na abertura de Pornô! a gente escuta versão instrumental que lembra o sucesso sacolejante da Disco Kung Fu Fighting, de Carl Douglas, e vemos cenas do filme que iremos assistir, a gente já gosta de cara - a música do filme creditada no Dicionário de Filmes Brasileiros, do Antonio Leão, é de Ronaldo Lark. E essa impressão não só se reforça, como segue em crescente a cada episódio. Realizado no inicio da década de 1980, quando as comédias eróticas ficam mais apimentadas e a Boca do Lixo, posteriormente, faria caminho irreversível para o sexo explícito, Pornô! sintetiza muito do melhor desse memorável pólo de produção pré-explícito -e é curioso que de pornô o filme não tenha nada. Primeiro são as musas, já que cada episódio é protagonizado por uma: Patrícia Scalvi em As Gazelas - com ainda Maristela Moreno; Matilde Mastrangi em O Prazer da Virtude; Zélia Diniz em O Gafanhoto. O roteiro de Ody Fraga parece ter sido feito mesmo por encomenda para cada uma delas - ainda que Zélia Diniz não fosse a atriz que faria o filme. No primeiro, Patricia Scalvi e Maristela Moreno vão para a casa da segunda para estudar, mas falam mesmo é de sexo, sobretudo sobre a preferência homossexual. E enquanto se excitam com revistas pornôs, trocam intimidades na cama e no banho. No segundo episódio, Matilde Mastrangi e David Cardoso se conhecem em um festa, ele de smoking e ela vestida para matar. Quando David a leva para casa, acompanhamos a espera e a pressa dela por uma transa, enquanto ele, sem pressa alguma, prepara o clima para a cartada final. Já no último, Zélia Diniz e Arthur Rovedeer formam um casal rico e aparentemente feliz. Só que o que os dois vivem é uma relação de absoluto controle dela sobre ele, que apesar de ser cega o vigia através dos espelhos espalhados por toda a casa. Quando um gafanhoto invade o quarto do marido, ele o aprisiona e se identifica com esse estado de cerceamento. Daí prepara vingança contra a esposa usando o gafanhoto como objeto erótico. Patrícia Scalvi estava com a idade um pouquinho além para a possível virgindade de sua personagem, mas talentosíssima e por isso mesmo compõe com altivez e deboche sua Maria Helena. Matilde Mastrangi, linda linda linda, apropria-se como ninguém dos diálogos sacanas de Ody e dá veracidade para cada frase de sua Ilona - além de um David Cardoso vaidoso, que faz questão de exibir nu frontal em cena no chuveiro convidativa ao voyerismo. Já Zélia Diniz, uma musa com todos os predicados - linda, gostosona e ótima atriz - faz a cega Diana em misto de perversidade e fragilidade na medida certa - e ainda conta com boas atuações de Rovedeer e de Liana Duval. Se o primeiro episódio conquista por causa da presença de Scalvi e o segundo pelos diálogos sacanas e a química de Matilde e David, é no terceiro, O Gafanhoto, que Pornô! alcança status de filme memorável. John Doo mostra mais uma vez porque era um dos mais talentosos cineastas da Boca e dono de um estilo particularíssimo. Seu episódio tesa, inquieta e assusta em impactante construção de ambiências e amplos significados de leituras. Vale acrescentar também porque Pornô! sintetiza bem o talento da Boca além do que já foi dito. A produção reúne um verdadeiro quem é quem do pedaço - afora os atores e cineastas, tem Ody Fraga no argumento e roteiro, a fotografia e câmera imponentes do esteta Claudio Portioli; a assistência de câmera de Concórdio Matarazzo; a montagem esperta de Jair Garcia Duarte, a assistência de direção de Guilherme de Almeida Prado; e a produção caprichada da Dacar Produções. Pornô! é o exemplo claro de que, ao contrário do que muita gente desinformada pensa, a Boca do Lixo também apostava na inteligência de seu público.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

terça-feira, 6 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (79)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

079 - O Barão Otelo no Barato dos Bilhões (1971), de Miguel Borges ***

Anárquico até a medula, O Barão Otelo no Barato dos Bilhões não é tão bom como Pecado na Sacristia (1975), mas diz muito do talento e da força do cinema de Miguel Borges. Ainda que se alongue mais que o necessário e apresente alguns entraves, o interesse permanece. E permanece porque o protagonista é um dos 10 maiores atores que esse país já produziu: Grande Otelo. O Barão Otelo é o tipico filme calcado no talento e carisma de seu protagonista, ainda que cercado de um elenco de primeira. E assistindo Otelo e vendo sua forma particularíssima de dizer suas falas, temos certeza mais uma vez que estamos diante de um gênio, ainda que o filme não corresponda à essa genialidade. Na trama ele é João Sem Direção, um faz tudo que se vira como pode: ataca de frentista, onde surrupia a marmita coletiva no canudinho; faz-se de gandula no Maracanã, com direito a baratinar a cuca do árbitro com a noção de tempo; e entre um trampo e outro, vende bandeiras e o que mais for ao gosto do freguês no congestionamento do trânsito. Um de seus clientes do posto de gasolina é Ivan Cândido, um malandro com pinta de empresário que propõe ganho fácil para Otelo: jogar na loteria esportiva para ele com garantia de porcentagem no prêmio. E Otelo que sequer ouvira falar em loteria, topa a empreitada, estrepa-se na primeira tentativa em forjar resultado favorável, mas mais tarde se torna um bilionário, arrastando atrás de si um séquito de olho na sua butique. O filme saracoteia para lá e para cá sem muito nexo ou linearidade, e seus personagens parecem mais signos sem maior sentido de verossimilhança no entendimento clássico do que é um personagem. A força de cada um se impõe sobretudo pelos atores, que estão muito bem - além de Otelo e Ivan, tem ainda Milton Moraes em aparição impagável, e mais Dina Sfat, Wilson Grey, Rogério Fróes, Elke Maravilha e grande elenco. Produzido por Luiz Carlos Barreto e distribuído pela Difilm, O Barão Otelo tem onipresença de Miguel, que além da direção assina o argumento, o roteiro e a montagem - e é aí que pode estar mesmo seu calcanhar de aquiles, como ele credita em livro da Coleção Aplauso para Antonio Leão. Ainda assim vale a pena ver Grande Otelo arrasando de ponta a ponta. E suas entradas e saídas esbaforidas das casas das esposas já valem o ingresso.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie deusas (114)



Samantha Eggar.



Nu!!!

segunda-feira, 5 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (78)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

078 - Diamante Bruto (1977), de Orlando Senna ***

Em 1974, Orlando Senna e Jorge Bodanzky se uniram para realizarem uma obra-prima do cinema brasileiro: Iracema - Uma Transa Amazônica. Três anos depois, Senna dirige mais um filme com forte caráter documental, uma das marcas de seu cinema: Diamante Bruto. Em Iracema, ficção e realidade se entrelaçavam para os cineastas falarem da Transamazônica e todo os seus males bem diversos da propaganda oficial. Já em Diamante Bruto, Senna adapta o romance A Bugrinha, de Afrânio Peixoto, para falar dessa vez da cultura do garimpo em Lençóis, na Chapada Diamantina - daí acompanhamos a dura realidade dos garimpeiros, suas práticas predatórias para real ganhos de outrem, e o choque entre a tecnologia que se azivinha e as práticas rudimentarem que persistem. Assim como em Iracema, há uma dupla de registros diversos: lá, com Paulo César Peréio e a atriz-nativa Edna de Cássia; aqui, com José Wilker e a atriz-nativa Gilda. E ainda que não tenha um par explosivo como no filme anterior, Diamante Bruto se vale muito desse encontro entre Wilker e Gida, sobretudo pela presença dela, o verdadeiro diamante bruto. Os diálogos podem até não ganhar força na interpretação intuitiva e deficitária de Gilda, mas seu porte é tão petulantemente altivo, que ela quase sempre engole Wilker, então em registro econômico - a não ser quando se rebela contra ela em crise de ciúmes. Na trama, ele é um astro de telenovela que retorna à cidade natal 20 anos depois. Sua volta é principalmente para rever Bugrinha, ideário de amor de infância naqueles moldes de relação entre o filho do patrão e a negra filha de empregados, em modelo diluído de Casa Grande & Senzala. A diferença é que Bugrinha, e parece que desde pequena, nunca se submete ao amor-patrão, pelo menos não da forma como ele gostaria. Em inesperada afronta feminista, ela proclama que o amor por ele basta a si própria sem, necessariamente, ter que ser amada. Ou seja, o que poderia ser submissão é altivez, pois é tão absoluta dona do seu amor que sequer precisa dele para consumá-lo. E ele, um rapaz da cidade e instruído, não consegue entender e aceitar essa forma de amor, o que resultará em escapulidas que denotam seu ar senhorio - em cena esclarecedora de que ainda está atrelado ao coronelismo, exclama "mas como me fará mal se é empregado do meu pai?" - e selará seus destinos. Diamante Bruto é daqueles filmes singulares que parece que só os anos 1970 eram mesmo capazes de parir, já que os de hoje, muitas vezes, seguem cartilhas milimetramente calculadas - com exceções para alguns como o notável Narradores de Javé (2002), de Eliane Caffé. E é quando se assiste a filmes assim é que se constata como é mesmo rico o baú do cinema nacional, a dar de dez no que dizem hoje sobre diversidade.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

domingo, 4 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (77)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

077 - As Mulheres Sempre Querem Mais ( (1975), de Roberto Mauro +

Obs.: não encontrei imagem do filme.

Para quem ainda confunde o cinema popular dos anos 70 e coloca tudo no mesmo balaio da pornochanchada, os filmes de Roberto Mauro são bons exemplos de distinção entre um e outro. Diretor profícuo de pornochanchadas, em sua trajétória de quase 20 filmes ele realizou filmes de interesse divertido como As Cangaceiras Eróticas (1974) e A Ilha das Cangaceiras Virgens (1976), até outros muito ruins como esse As Mulheres Sempre Querem Mais, um de seus primeiros trabalhos. Aqui Oasis Minniti (foto) é Ricardo, o gostosão e canastríssimo galã por quem todas as mulheres da cidade suspiram e molham as calcinhas. Só que, para desespero dele e, sobretudo, da mulherada, Ricardo desenvolveu uma fobia que invariavelmente põe tudo a perder na hora agá: só consegue trepar no mais aboluto silêncio. Daí acompanhamos suas inúmeras transas interrompidas por barulhos os mais diversos, como apito de trem, canto de galo, tiro, badalar de sinos, e por aí afora - e antes do filme começar os produtores já colocam legenda gaiata pedindo para a platéia não fazer barulho para ajudar o rapaz. A fama de frouxo se espalha pela cidade e atrapalha as ambições políticas do pai Sady Cabral, que quer honrar a macheza da família e daí se encerra com a mulher na quarto em tentativa de trepada regada a sacos de amendoim. As Mulheres Sempre Querem Mais é o terceiro de Mauro, mas ele já abusa dos recursos das mais manjadas pornochanchadas, como explorar o risível de forma canhestra e sutileza de elefante. Chega mesmo a executar contra-plongé literalmente debaixo das saias das meninas fartas e um tanto deselegantes. E anuncia a interessante Maria Isabel de Lizandra como protagonista ao lado de Minniti, o que é um descalabro, pois a moça aparece apenas em duas cenas - mas é nome mais conhecido do elenco, além da sempre ótima e imponente Ruthinea de Moraes, e uma louríssima Helena Ramos ainda em inicinho de carreira. O filme não entra nem naquela famosa equação daqueles que de tão ruins ficam bons. Esquecível.


Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

longas brasileiros em 2010 (76)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

076 - Hans Staden (1999), de Luis Alberto Pereira ***1/2

Em 1548 e 1550 o aventureiro alemão Hans Staden fez duas viagens ao Brasil, e na segunda, depois de seu navio naufragar, ficou trabalhando com os portugueses durante dois anos em um forte. É aí que se torna prisioneiro dos Tupinambás, tribo que praticava o canibalismo, sobretudo de portugueses, de quem são inimigos. Durante nove meses, Hans faz de tudo para evitar ir para a panela - se faz de françês, de vidente, de curandeiro, e de protegido de seu deus. E enquanto acompanhamos suas artimanhas, vemos o dia a dia da aldeia, suas lutas com os Tupiniquins, e as doenças que os assolam e que acabarão, ao lado das matanças, por dizimá-los - é piada involuntária a Bayer como apoiadora e com seu slogan como primeira imagem antes do filme. Quando volta à Europa, Hans Staden publica dois livros sobre sua experiência, importantes obras sociológicas e repassadoras de uma idéia sobre o Brasil dos primeiros tempos de colonização. Afora ser um filme de Luis Alberto Pereira, um cineasta empenhado, o nome de Marlui Miranda na ficha técnica já denota a seriedade de pesquisa que envolve esse Hans Staden. E um dos trunfos do filme é a língua tupi falada pelos atores, índios e não índios. Ao mesmo tempo, as legendas incomodam um pouco pois uniformiza o vocabulário, e daí lemos um português altamente elaborado, o que nos distancia um pouco daquela realidade primitiva, e sofisticada, dos índios. Carlos Evelyn está bem como Hans, pois não apresenta um carisma especial, o que tem seu efeito positivo para a composição do personagem, pois Staden não passava mesmo de um mercenário como tantos outros aventureiros da época querendo enriquecer às custas de sangue alheio e extermínio de povos inteiros. E é ponto positivo também sua entrega ao balançar o pingolim para lá e para cá o tempo inteiro e sem pudor, já que passa o filme praticamente todo nu. O mesmo vale para os outros atores, entre eles Ariana Messias, Beto Simas e Stênio Garcia. Ponto alto da produção, já que muitos filmes adoram colocar indios carnavalescos e vestidos, muito antes do guarda-roupa da Funai. Na linhagem da A Lenda de Ubirajara (1975), de André Luiz Oliveira, mas inferior a este, Hans Staden tem uma sobriedade e secura a dar lição para monstrengos como O Guarani (1996), de Norma Bengell.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sábado, 3 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (75)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

075 - Coisa Mais Linda - História e Casos da Bossa Nova, de Paulo Thiago **

Paulo Thiago faz parte de uma lista de cineastas que muita gente adora odiar - Fábio Barreto e Daniel Filho são outros. E, geralmente, falta mesmo culhões em muitos de seus filmes, que quase sempre ficam no meio do caminho. Como esse Coisa Mais Linda, documentário sobre os 40 anos da Bossa Nova. Thiago escolheu Roberto Menescal e Carlos Lyra para serem os anfitriões da festa, e, para isso, criou um roteiro em que os dois contam essa história e esses casos como se estivessem conversando com o espectador. Ainda que os dois compositores, violonistas e cantores sejam autoridades no assunto, o expediente nem sempre funciona, sobretudo quando os dois estão juntos. Os diálogos ali soam um tanto forçados e a busca do coloquial revela-se artimanha manjada e que cansa quem está do lado de cá. Quando cada um vai para um canto, essa impressão incômoda se dissipa um pouco. A Bossa Nova, mais que qualquer outro momento musical do país, é tema batidíssimo - ainda que importantíssimo. Não se fala tanto em Era do Rádio, Jovem Guarda, Tropicalismo, BRock, e tantos outros momentos como ela. Ou melhor, não se fala dessas outras vertentes com tanto garbo como se fala de Bossa Nova. Ainda que ela abrigue gigantes como Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, e o próprio Lyra, ainda assim há um tom de reverência e endeusamento que compromete quase tudo que se fala sobre ela. Não o conteúdo, mas a forma como se fala do conteúdo. A forma como apresentam o objeto. E esse Coisa Mais Linda não foge disso. Daí acrescenta pouco, pois muitas das histórias que estão lá são de amplo conhecimento, a não ser uma informação ou outra. E o material de arquivo não é grande coisa e tampouco os números musicais - um aqui e outro acolá. Daí temos de novo Nelson Motta, Sérgio Cabral, Tárik de Souza e etc etc etc. A forma de falar seria mais interessante, mas aí seria esperar muito mesmo do cinema de Paulo Thiago, sempre com o pé mais fincado nas histórias do que em investimento em estética. Daí ficam de novo loas ao Barquinho e ao O Amor, o Sorriso e a Flor, que, cá para nós, são muitos mais bonitos na vitrola. É muita música para pouco cinema.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

sexta-feira, 2 de abril de 2010

longas brasileiros em 2010 (74)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

074 - Borboletas e Devassas (2009), de Valter Noronha ***

Quando Boboletas e Devassas começa, a gente já vai logo ficando cismado, "mais um documentário calcado em depoimentos?". Mas a medida em que vamos ouvindo os testemunhos, compreendemos que é ao não se desviar das palavras e reflexões proferidos, a não ser por algumas inserções de cenas de filmes e que nem sempre são muito bem utilizadas, é que percebemos onde reside a força desse Borboletas e Devassas. E não são muito os que falam: os cineastas Carlos Reichenbach, Alfredo Sterheim e Virgilio Roveda; a atriz Débora Muniz; e os pesquisadores Andrea Ormond, Gio Mendes e Alberto Ismael. O filme é sobre a Boca do Lixo, momento único por suas peculiaridades de produção de cinema em solo paulista e que sacudiu o país. O documentário - grande mérito para essa produção independente dirigida por Valter Noronha - faz um mergulho abrangente, indo desde as primeiras produções, passando pela diversidade de gêneros, e com foco sobretudo nas pornochanchadas e no cinema pornô. Para quem acompanha os ditos de Carlão, Sternheim e Ormond sobre o tema pode perceber a coerência do olhar desses três personagens de ponta no universo do cinema popular - Carlão com seu discurso apaixonado, Alfredo com sua elegância habitual, e Andrea com a lucidez que rege seus escritos no indesviável blog Estranho Encontro. E tem também o tom de desabafo crítico de Roveda. Já Gio Mendes, do blog Mondo Cane, e Beto Ismael, do blog Pornochancheiro, fascinam pelo conhecimento orgânico - ainda que possamos não compartilhar de algumas reflexões, sobretudo de Ismael. Um fato importante é o destaque para a construção do pensamento cinematográfico na internet, não só pelos blogs citados, mas também os de agradecimento ao final, constatação clara de que que é aí onde o cinema popular vem sendo reavaliado como tem que ser. Agora se há um ponto que ilumina mais que tudo, ele está na presença altiva de Débora Muniz. Mulher essencialmente de cinema, com trajetória atrás e à frente das câmeras, Débora há muito é musa de quem conhece a produção Lado B da Boca, já que como atriz sua trajetória no período está mais associada à fase pornô. Ela sempre se destacou por uma entrega aos filmes, que ao assisti-los supunhamos, e que aqui deixa claro, ao fazer eco à distinção de Helena Ramos à Boca do Lixo como Boca dos Sonhos e seus significados afetivos. O testemunho de Débora Muniz quebra a espinha de qualquer julgamento apressado sobre o que se pode achar do que é uma atriz que tenha atuado no cinema pornô. É principalmente por seu depoimento que se amplia o que parece ser objetivo da produção e da direção: o de que a Boca é muito mais que um retrato na parede. E quando inrompem as impactantes e festivas cenas do documentário de Ozualdo Candeias com um verdadeiro quem é quem do pedaço, ao som de bela música Cidade das Noites com a cantora Anabela, a gente percebe o quanto amamos toda aquela gente e tudo o que fizeram pela identidade fílmica de um país. Com seus acertos, erros e imperfeições, a Boca do Lixo é um dos momentos mais fascinantes da história do cinema nacional. Fato que esse Borboletas e Devassas, também com seus acertos, erros e imperfeições, ajuda a desembaçar de névoa reducionista de décadas de preconceito e desinformação.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

quinta-feira, 1 de abril de 2010

tu é gay que eu sei


Afora as dores da adolescência, desde a fase adulta que aprendi que homossexualidade quer dizer apenas à definição de dicionário - atração por outro do mesmo sexo.

Daí que, desde então, jamais deixei me confundir e me confudirem com algo para além dessa compreensão.

Sei que existe toda uma cultura gay, e afinal somos mesmo quase só cultura, ainda que a natureza vez ou outra cobre seu preço - e estão aí Camile Paglia e os noticiários para não nos fazer esquecer.

E acho até divertido essa cultura gay, ainda que também veja mergulhos mais ou menos profundos nela pelos meus pares.

Reflito sobre isso porque só nessa semana tivemos quatro fatos consideráveis que envolvem a cultura gay.

O primeiro foi a vitória do Dourado no BBB. Mas como jamais vi um programa sequer, apenas um trecho - e fiquei espantado, sobretudo, com a canastrice de Pedro Bial, que todos colocam nas alturas - vou passar ao largo.

Falo de Dourado aqui é só por registro, já que ainda que não tenha a mínima paciência para o BBB, é impossível não saber sobre ele, vide a lavagem cerebral impetrada em cada canto em que nos locomovamos.

Pois o que me interessa mesmo são as afirmações de homossexualiade do cantor Rick Martin e de bissexualidade da atriz Anna Paquim, e a morte da chacrete Lucinha Apache, aos 59 anos.

Quanto a última, não só ela, mas todas as outras chacretes, o Chacrinha, seu jurado e seus calouros e artistas fizeram parte do imaginário de qualquer pessoa em formação na década de 1970.

E como as outras, Lucinha Apache é símbolo dessa divertida cultura gay.

Daí minha birra como as chacretes foram retratadas no documentário de Nelson Hoineff, para mim sem um pingo de olhar amoroso.

Mas, ainda bem, Hoineff resgatou essas mulheres-símbolos na bela série que está sendo exibida no Canal Brasil. E ali sim, elas têm o lugar que merecem.

Quanto a Martin e Paquim, acho bacana as afirmações públicas.

Ainda que não ache que os gays tenham que, necessariamente, tornarem públicas preferências, fico feliz quando assim o fazem, pois sempre acreditei em duas coisas:

1 - que está passando da hora das pessoas, gays e não gays, aprenderem que ser gay não modifica em nada uma pessoa. Não as tornam nem menos ou mais homem ou mulher - ainda que a cultura queira reforçar isso o tempo inteiro, como nas expressões "falou igual homem" - argh!

(vejo uma vantagem, que alguns acham exatamente a desvantagem, que é a do não risco de procriação em uma trepada gay, já que com os heteros, ainda que também haja todas as proteções. o risco sempre ocorre. Além de ser quase um dever esperado a procriação para homens e mulheres heteros)

2 - acredito piamente na ações afirmativas. E sei, sem modéstia, que sou referência positiva de homossexualidade para alguns tantos que cruzaram o meu caminho nesses 23 anos de prática sexual, seja nos diferentes trabalhos, escolas, transas, pegações, namoros, etc.

Ninguém precisa ser exemplo para ninguém.
Mas é bom haver referências.

Ainda mais nesses tempos atuais em que coletividade é quase objeto arqueológico.

longas brasileiros em 2010 (73)


Filmes brasileiros assistidos ou revistos em 2010 no cinema, no DVD e na televisão.
(em 2009 - 315 filmes)

073 - A Penúltima Donzela (1969), de Fernando Amaral ****

Mais de uma vez o ator, cineasta e produtor Carlo Mossy homenageou Adriana Prieto como amiga-irmã e atriz ímpar. E ainda que ele tenha feito parcerias sensacionais como com Dilma Lóes em Essa Gostosa Brincandeira a Dois (1974) e com Alba Valéria em Giselle (1980), ambos de Victor di Mello, seus encontros na tela com Adriana tem química mesmo. Seja no antagonismo em Soninha Toda Pura (1971), de Aurélio Teixeira, ou como par romântico nesse bacanérrimo A Penúltima Donzela. Par romântico é força de expressão porque Adriana Prieto, essa deusa morta aos 25 anos em acidente de carro, virava de pé à cabeça o sentido primário de seus personagens, pois sempre injetou neles malícia, sarcasmo e sensualidade natural em medidas exatas. No filme, ela é uma garota virgem que encara os costumes de sua época com desdém e atrevimento na ponta da língua, sobretudo em diálogos deliciosos com o pai moralista e hipertenso Fregolente, que quer mandar tudo e todos para a Rússia. E se as garçonieres eram local proibido para moças de família, ela não só se oferece para conhecer a do namorado, como se adianta a ele no desfazer das roupas. E ultrajada em cena delicada em que vigia o namorado, a quem vira e mexe chama de machão e de alienado - como quando ele diz que detesta cinema nacional - ela logo troca o pão Mossy pelo charme maduro de Paulo Porto, confundido como seu pai pelos colegas de noitadas. E enquanto Adriana se deita ou chupa picolé com Porto ou Mossy, a família entra em pânico para resguardar a honra da donzela. Produzido por Paulo Porto e pela R. F. Farias, A Penúltima Donzela, como Os Paqueras (1969), de Reginaldo Faria, que é citado no filme, são títulos precursores das comédias e dramas eróticos que vão balançar o coreto do cinema nacional - e Adriana protagoniza duas pedras fundamentais do gênero, A Viúva Virgem (1972) e Ainda Agarro Esta Vizinha (1974), ambos de Pedro Carlos Róvai. O filme abusa um pouco no uso da trilha sonora de Egberto Gismonti em alguns momentos, mas tem trunfos irresistíveis como cena de rosto colado ao som de Insensatez. E tem também uma presença deliciosa de Djenane Machado, talvez a última donzela de um Rio de Janeiro ainda nostálgico de sonhos - e em despedida - já que os horrores da ditadura torturavam e matavam hordas em seus grotões. Delicioso filme do também ator Fernando Amaral, A Penúltima Donzela é filme solar em tempos sombrios.

Cotações:
+ruim
* fraco
** regular
*** bom
**** muito bom
***** ótimo

serie grandes cineastas (32)


Walter Lima Jr.




Patrimônio nacional.